terça-feira, 29 de março de 2011

ANNE HATHAWAY - Perfil

ANNE HATHAWAY: A NOVA PRINCESA DE HOLLYWOOD


“O melhor deste trabalho é poder usar vestidos como esse”, brincou Anne Hathaway ao fazer uma dancinha esquisita para balançar as franjas de seu Oscar de La Renta dourado, na cerimônia do Oscar 2011, que apresentou ao lado do colega James Franco. Humor, como se vê, é a marca registrada dessa jovem atriz que a cada ano sobe um degrau na escada da fama de Hollywood. Seu próximo passo é ousado e deve gerar muitos comentários pelos próximos anos: ela foi escalada para fazer o papel de Mulher-Gato no fim da trilogia do Batman de Christopher Nolan, previsto para estrear em julho de 2012.


Mas o sucesso meteórico dessa nova-iorquina não é mero acaso, e sim o resultado de uma base teatral começada na infância e de escolhas profissionais certeiras. Nascida em 12 de novembro de 1982, filha de uma veterana atriz de teatro (não à toa, seu nome é uma homenagem à esposa do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare), Anne Hathaway começou cedo sua carreira nos palcos, chamando bastante atenção por suas performances musicais. Na adolescência, no entanto, encontrou certa dificuldade para conseguir papéis na Broadway por conta de sua estatura – era muito alta para personagens infantis e muito jovem para personagens adultos. Seu primeiro grande trabalho foi na série televisiva Get Real, da Fox, em 1999. 

Os dois anos em que o programa ficou no ar foram suficientes para chamar a atenção dos produtores da Disney, que buscavam uma atriz para o filme O Diário da Princesa, longa-metragem sobre uma garota tímida e atrapalhada que descobre fazer parte de uma família real europeia. Durante os testes de elenco, Anne derrubou acidentalmente uma cadeira, comprovando sua aptidão e lhe garantindo o papel ao lado de Julie Andrews. O sucesso comercial foi grande e Anne Hathaway foi considerada uma das revelações de 2001 pela revista People. Era uma questão de tempo até ela alcançar o primeiro escalão de estrelas de Hollywood.

Rumo ao estrelato
Já no começo de sua carreira, Anne alternou produções infantis (Uma Garota Encantada) e longas com temática adulta, como os filmes de época O Outro Lado do Céu e O Herói da Família. “Eu sempre fui uma pessoa orientada. Trabalho muito duro e estou tentando encontrar um equilíbrio”, declarou ao site Showbiz Spy. Em 2004, fez sua primeira cena de sexo em Garotas Sem Rumo, sobre adolescentes ricas e entediadas procurando emoções perigosas.

Apesar de muito jovem, Hathaway foi madura nas escolhas de seus projetos, o que lhe permitiu trabalhar com estrelas em ascensão e diretores consagrados. Sua pequena participação em O Segredo de Brokeback Mountain, ao lado de Heath Ledger e Jake Gyllenhaal (sob a batuta de Ang Lee), lhe conferiu seu primeiro papel adulto e a tornou conhecida do grande público, em 2005. Mas foi com O Diabo Veste Prada, no ano seguinte, que ela se consagrou, ao interpretar a jornalista que se torna assistente de uma megera editora de revista de moda. “Lá estava eu, com 23 anos de idade, ao lado de Meryl Streep, usando um lindo vestido de uma grande estilista, com centenas de fotógrafos e fãs ao meu redor. Eu me deixei envolver e me senti magnífica”, relembra Hathaway em entrevista à revista Elle, na edição de outubro de 2008.

Se em 2007 ela estrelou apenas um filme (Amor e Inocência, sobre Jane Austen, autora de obras como Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito), 2008 foi um ano produtivo para Anne Hathaway, atuando em três diferentes frentes: a comédia Agente 86, o suspense Passageiros e o drama O Casamento de Rachel. A trinca de longas-metragens permitiu à atriz mostrar toda a sua versatilidade e comprovar que ela merece estar entre as grandes intérpretes de Hollywood. Mas Anne garante que a escolha de suas personagens se dá de forma natural, e não apenas visando premiações: “Eu nunca faço isso, sair buscando um tipo específico de papel, dizer ‘agora é hora de ganhar um Oscar’ ou coisa do tipo”, afirmou em entrevista ao site Omelete, em junho de 2008. Mas foi o que aconteceu: sua interpretação de uma garota viciada em drogas no filme de Jonathan Demme lhe valeu sua primeira indicação à estatueta dourada.

Vida de celebridade
O Diabo Veste Prada já havia feito enorme sucesso nas bilheterias e Agente 86, inspirado em um antigo e popular seriado televisivo de humor, repetiu o feito. Sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz a colocou em um novo patamar na indústria cinematográfica, e lhe valeu o convite para integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Hathaway deixou de ser promessa e se tornou, efetivamente, uma grande celebridade – cobiçada pelos estúdios, pela imprensa e por grandes estilistas. É neste momento que a jovem atriz em ascensão e de personalidade simples entra de vez no alvo dos holofotes, e Anne ainda estava se acostumando com os privilégios da vida de uma estrela de cinema. Certa vez, quando foi a uma loja de um famoso designer, ganhou seis pares de sapatos. “Simplesmente me deram! Essa é a parte mais estranha de ser famoso: as pessoas dão coisas pelas quais antes você tinha de pagar”, conta, surpreendida, numa entrevista publicada na versão online da revista Criativa.

Em 2010, Anne Hathaway interpretou a Rainha Branca na versão de Tim Burton para Alice no País das Maravilhas, produção que entrou no seleto grupo de filmes que ultrapassaram a marca de um bilhão de dólares de arrecadação. A revista norte-americana Forbes fez uma pesquisa comparando as maiores bilheterias recentes e relacionou aos 36 mais caros salários dos atores da indústria cinematográfica, para alcançar um real balanço sobre investimento de atores. De acordo com a pesquisa, Hathaway se tornou a segunda pessoa mais rentável de Hollywood, gerando 64 dólares para cada um investido, atrás apenas de Shia LaBeouf, e à frente de Daniel Radcliffe (o famoso Harry Potter) e de Robert Downey Jr (o “Homem de Ferro”).

O problema com o namorado
Apesar de sempre se manter afastada das manchetes dos tablóides, a atriz passou por um grande problema pessoal em 2008, quando seu ex-namorado, o empresário Rafaello Follieri, foi condenado a quatro anos de prisão por lavagem de dinheiro, conspiração e fraude. A atriz, que precisou sair do apartamento em que morava e devolver as joias que ganhou do companheiro – por conta de uma investigação policial –, garante que o relacionamento já havia acabado à época do fato: “Não foi uma grande ruptura, tampouco muito dramática. Estávamos em processo de separação quando aconteceu”. Mas o infeliz acontecimento não livrou Anne de algumas brincadeiras maldosas, como quando foi entrevistada por David Letterman, no programa The Late Show: “Alguma vez ele roubou dinheiro da sua bolsa?”, alfinetou o apresentador.

O problema com o namorado, no entanto, também proporcionou à atriz questionar alguns hábitos em sua vida, como o cigarro. “Ao parar de fumar, eu pensei que era uma boa hora de realizar algumas mudanças, então eu parei de beber e de comer carne e peixe”. Em 2010, Hathaway também anunciou que ela e sua família trocaram o catolicismo pela Igreja Episcopal após seu irmão mais velho assumir a homossexualidade. “Como eu poderia apoiar uma organização que tem uma visão limitada do meu amado irmão?”, se perguntou.


Mulher-Gato
Em março, ela estrelou a animação Rio, dirigida por Carlos Saldanha (da trilogia A Era do Gelo), na qual emprestou sua voz a uma arara azul. Não é a primeira vez que Hathaway participou de um desenho animado: em 2005, ela foi a protagonista em Deu a Louca na Chapeuzinho, sátira da clássica história da menina do capuz vermelho. Em agosto, ela volta aos cinemas (americanos) com o filme One Day, baseado no romance homônimo de David Nicholls, com direção de Lone Scherfig (Educação) e estrelado por Jim Sturgess (Caminho da Liberdade). Mas é inegável que o mundo está mais ansioso para saber como será a sua versão da Mulher-Gato no terceiro filme do super-herói Batman sob comando do diretor Christopher Nolan (que já afirmou que a escolha da atriz foi perfeita para o papel que irá desempenhar na produção que estreia apenas em julho de 2012).

        Oscar
Como se vê, Anne Hathaway escolhe com cuidado cada passo que dá em sua carreira, variando os gêneros das produções assim como mudou de figurino na festa do Oscar deste ano – trocou de vestido oito vezes. Ao lado de James Franco, ela foi escolhida pelos organizadores do maior evento do cinema norte-americano por representar a nova geração de ícones de Hollywood. Seu humor e seu talento acabaram ofuscando o colega, seja com o número musical em homenagem ao Hugh Jackman, seja com a dança desengonçada do “pato marrom”, em referência ao filme Cisne Negro. Ou quando lamentou sua não indicação ao prêmio deste ano: “Houve um tempo em que tirar a roupa era indicação certa para o Oscar. Não mais... não mais...”, disse cabisbaixa, fazendo uma piada sobre si mesma referindo-se a Amor e Outras Drogas, filme do qual aparece nua por diversas vezes.

Bom humor, escolhas certeiras e talento são as armas de Anne Hathaway – e essas sim podem lhe garantir ainda muito prestígio. 

FILMOGRAFIA

2012 - Batman - The Dark Knight Rises
2011 - One Day
2011 - Rio
2010 - Amor & Outras Drogas (Love & Other Drugs)
2010 - Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland)
2010 - Idas e Vindas do Amor (Valentine's Day)
2009 - Noivas em Guerra (Bride Wars)
2008 - O Casamento de Rachel (Rachel Getting Married)
2008 - Passageiros (Passengers)
2008 - Agente 86 (Get Smart)
2007 – Amor e Inocência (Becoming Jane)
2006 - O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada)
2005 - Deu a Louca na Chapeuzinho (Hoodwinked)
2005 - O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain)
2004 - Garotas Sem Rumo (Havoc)
2004 - O Diário da Princesa 2 (The Princess Diaries: Royal Engagement)
2004 - Uma Garota Encantada (Ella Enchanted)
2002 - O Herói da Família (Nicholas Nickleby)
2001 - O Outro Lado do Céu (The Other Side of Heaven)
2001 - O Diário da Princesa (The Princess Diaries)

* Texto publicado no site www.CinemaEmCena.com.br

ATIVIDADE PARANORMAL - TÓKIO - CRÍTICA


Em 1999, A Bruxa de Blair (de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez) quebrou alguns padrões hollywoodianos: no lugar da perfeição técnica do cinema americano, utilizou películas Super 8; em vez de um orçamento milionário, custou apenas US$ 40 mil; e nada de campanha publicitária, mas adotou um marketing viral até então inédito na adolescente internet pré-anos 2000. Tudo isso para contar a falsa história de três jovens que invadem uma floresta para fazer um documentário sobre a existência de uma bruxa secular.

A câmera tremida e mal posicionada passava a sensação de realismo e muitos acreditaram que o filme era, de fato, um documentário real – até os nomes dos personagens eram os nomes verdadeiros dos atores. A repercussão foi mundial, tornando-se um dos filmes mais rentáveis da história do cinema. "A Bruxa de Blair" também acabou fazendo escola: basta verificar a quantidade de filmes que passaram a adotar a linguagem de câmera na mão, seja em Hollywood, com Cloverfield – Monstro, ou numa cinematografia espanhola, como em REC.
 
É fruto dessa tendência o terror japonês Atividade Paranormal – Tóquio, uma refilmagem da produção americana de 2009 sobre um casal que, ao ter sua casa assombrada por um maligno fantasma, decide equipar o lugar com câmeras para registrar os efeitos paranormais. Supostamente feito com um baixo orçamento (apesar de ter contado com uma ajuda de Steven Spielberg), o filme fez sucesso nas bilheterias e já está caminhando para sua segunda continuação além de render esta questionável versão nipônica.

Questionável porque não há nada aqui que o espectador já não tenha visto tão recentemente no original. No lugar de marido e mulher do longa-metragem de Oren Peli, um casal de irmãos é a vítima das “travessuras” sobrenaturais e decide filmar o ambiente para entender o que está acontecendo. É incômodo que, por se tratar de um terror, há pouquíssimas cenas de susto, principalmente porque muitos dos momentos de tensão são quase idênticos à versão americana: o talco é substituído por sal; o médium assustado também dá as caras; e as imagens dos personagens dormindo também repetem o tédio do original. No entanto, é interessante observar o cuidado do diretor Toshikazu Nagae nos falsos enquadramentos amadores, permitindo que o operador da câmera, o carismático ator Aoi Nakamura, apareça constantemente por meio de reflexos.
 
 Mas Atividade Paranormal – Tókio é um filme desnecessário, primeiro porque o seu original é contemporâneo. E, segundo, porque a realidade que o filme tanto tenta captar em sua linguagem apresentou uma triste ironia: os terremotos, tsunamis e a ameaça radioativa das usinas nucleares mostraram que há fantasmas bem mais ameaçadores assombrando o Japão atualmente.

 *Texto publicado no site www.ArteView.com.br

segunda-feira, 28 de março de 2011

AMOR? - CRÍTICA


Durante o período pré-Oscar, muito se falou sobre o documentário Lixo Extraordinário, sobre o artista plástico Vik Muniz e sobre o trabalho dos catadores de lixo do aterro sanitário de Gramacho, no Rio de Janeiro, mas pouca atenção foi dada a João Jardim, um dos diretores do filme (ao lado de Lucy Walker e Karen Harley).

 Esse cenário deve mudar com a estreia de Amor?, seu novo trabalho, vencedor do prêmio do júri popular no Festival de Brasília de 2010. O filme apresenta oito casos de relacionamentos amorosos que trazem a violência em seu núcleo, levantando questões sobre dependência afetiva, ciúme patológico e ausência de autoestima.

A grande sacada, no entanto, está em seu formato: todos os depoimentos do longa-metragem são reais, baseados numa extensa pesquisa feita em delegacias e entidades assistenciais, porém interpretados por atores bastante conhecidos, como Lilia Cabral, Eduardo Moscovis e Julia Lemmertz. O recurso, que acaba transformando a produção num híbrido de documentário e ficção, não é exatamente uma novidade (Eduardo Coutinho já havia feito algo relativamente semelhante com o interessante Jogo de Cena; já o indicado ao Oscar Valsa com Bashir, do israelense Ari Folman, trata-se de um documentário em animação), mas foi utilizado por uma questão técnica: como as histórias narradas tratavam de um assunto extremamente delicado e íntimo – a violência doméstica –, seria preciso a autorização dos parceiros, o que provavelmente não aconteceria. 

O incômodo inicial por sabermos que tudo dito na tela é ensaiado se desfaz rapidamente por conta da poderosa e visceral interpretação dos atores e pelo fato de que todo o texto é real e se trata de um assunto muito comum e familiar – presente nas páginas de jornais (“caso Eloá”; “caso goleiro Bruno” etc.) e nos programas televisivos populares.

João Jardim levanta questões freudianas (crianças que presenciaram a violência entre seus pais também se tornam adultos violentos?) e se pergunta por que alguém mantém um relacionamento que alterna brutalidade e carinho. A resposta poderia ser a dependência afetiva, como no caso da mulher que apaixonou-se novamente pelo marido após ser agredida, ou então a escassez da autoestima, caso do  agressor que acredita estar num relacionamento estável depois de um passado violento, porém acaba fazendo a entrevista com sua companheira escutando tudo pelo celular.   

No fim, não há respostas, apenas perguntas, como fica claro no próprio título. Mas, em meio aos closes dos gestuais e dos enquadramentos de perfis (típicos de um documentário tradicional) Jardim deixa algumas pistas, com diversas imagens poéticas e metafóricas ao longo do filme: a garota que fica o máximo de tempo possível embaixo d’água; a agulha que perfura a pele sem machucar profundamente; ou a laranja, possivelmente um símbolo melhor para o amor do que a maçã, por ser um fruto doce e, ao mesmo tempo, ácido, assim como o amor. Mas será que é amor?

*Texto publicado no site www.cinemanarede.com.br

VIPs - CRÍTICA


Era uma questão de tempo para a história de Marcelo Nascimento da Rocha virar filme: o farsante que aprendeu a pilotar avião ao se envolver com traficantes de drogas, deu uma entrevista na televisão fingindo ser filho do dono da empresa de aviação Gol e, na cadeia, enganou os internos dizendo ser um dos líderes do PCC é o tipo de personagem perfeito para o cinema, por conta da amplitude de possibilidades de abordagem: comédia, drama, ação, suspense.

Pois é justamente com esse olhar que o diretor estreante Toniko Melo conduziu VIPs, inspirado no livro Histórias Reais de um Mentiroso, de Mariana Caltabiano (que também irá lançar em breve um documentário homônimo). A grande sacada do roteiro de Bráulio Mantovani e Thiago Dottori foi pegar a história e as peripécias de Marcelo como fio condutor para uma ficção – e não uma cinebiografia –, o que permitiu ao filme tentar buscar respostas psicológicas a um personagem tão complexo.
 
“Como eu sou?”, pergunta o protagonista à sua mãe (Gisele Fróes). Em palavras, não há respostas, mas a sua imagem fragmentada no espelho representa essa busca por uma identidade própria, mesmo que, para isso, seja preciso forjar personalidades ou se passar por outras pessoas. É inevitável a comparação entre VIPs e Prenda-me se For Capaz (de Steven Spielberg), mas as produções seguem caminhos diferentes. Enquanto Leonardo DiCaprio interpreta um falsário (Frank Abagnale Jr.) que visa ganhar dinheiro com seus golpes, o Marcelo de Wagner Moura é alguém que realmente acredita nas fantasias que cria (ainda que essa escolha dos produtores redima os erros e crimes do Marcelo da vida real).

Aliás, Wagner Moura é a alma do filme. Apesar de se tratar de um personagem de múltiplas facetas (inclusive um garoto de 17 anos), em nenhum momento nos lembramos do icônico Capitão Nascimento. O papel lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival do Rio 2010 e aumenta as expectativas para sua estreia em Hollywood, como o vilão de Elysium, nova produção de Neill Blomkamp (Distrito 9).

Apesar de divertir, e muito, a discussão de VIPs sobre a procura por uma identidade toca num assunto sério em sua subcamada: a busca pela existência e por um reconhecimento social. A mãe de Marcelo passa o dia assistindo à programas televisivos sobre celebridades, principalmente o de Amaury Jr. Por diversas vezes, ela cobra do filho para que ele não seja um “Zé Ninguém”, o que, pela lógica, significa ser alguém do mundo da TV – um meio de comunicação de reafirmação, onde é possível mostrar a todos que você existe.
   
        Marcelo, de certa forma, alcança esse objetivo, quando é entrevistado justamente por Amaury Jr, interpretado pelo próprio apresentador – símbolo maior deste raso e fantasioso mundo das celebridades. Irônico.


*Texto publicado no site www.arteview.com.br

segunda-feira, 21 de março de 2011

O RETRATO DE DORIAN GRAY - CRÍTICA


“O mundo é seu. Por uma temporada”. A frase de Henry Wotton ao jovem e belo Dorian Gray resume a questão central de O Retrato de Dorian Gray, adaptação do clássico livro homônimo de Oscar Wilde sobre a efemeridade da beleza juvenil, e que chega somente agora no Brasil, apesar de já ter sido lançado nos Estados Unidos e na Europa em 2009.

Dirigida por Oliver Parker (que já adaptou para o cinema Um Marido Ideal, em 1999, e A Importância de Ser Honesto, em 2002 – ambos também livros de Wilde), a produção ganha fôlego por trazer em seu elenco o atual vencedor do Oscar de Melhor Ator Colin Firth (O Discurso do Rei) no papel de Henry Wotton, o aristocrata que apresenta ao casto Dorian Gray os prazeres do submundo da Londres vitoriana.

Ben Barnes (As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian) interpreta o jovem que acaba de chegar à capital inglesa para resgatar sua herança e é recebido por duas figuras opostas da alta sociedade britânica: o pintor Basil Hallward (Ben Chaplin) e o hedonista Henry Wotton. Basil fica encantado com a beleza do jovem interiorano e o presenteia com um quadro com seu retrato. Enquanto isso, Henry destila todo o seu veneno e sua visão ácida sobre a decadência da moralidade e os vícios renegados da sociedade ao inocente Dorian Gray, e sugere que ele aproveite todas as oportunidades e vantagens de sua beleza enquanto há tempo.

Seduzido pelos prazeres que lhe podem ser oferecidos, o rapaz – numa cena não muito clara – troca sua alma pela eternidade de sua beleza, transferindo para seu quadro todos os males físicos, como as cicatrizes e as marcas do envelhecimento. Se, num primeiro momento, Dorian Gray aproveita ao máximo uma vida de excessos, ele perceberá que a posteridade será uma maldição.

A adaptação de Parker deve incomodar os admiradores da obra original, já que há liberdades criativas sobre alguns acontecimentos e personagens, mas os maiores problemas desta versão estão na narrativa do filme. O assunto levantado por Oscar Wilde há mais de um século é extremamente atual e pode ser conferido numa simples zapeada pela televisão, para constatarmos que apresentadoras sexagenárias com rosto de adolescente e dançarinas supersiliconadas são o padrão exigido pela ditadura da beleza.

Porém, o diretor optou por um terror sem sustos e uma linguagem e estética de filme de vampiro no lugar das possibilidades dramáticas oferecidas pelo texto de Wilde, perdendo a oportunidade de discutir sobre esse urgente tema. Qualquer episódio de Nip/Tuck trata com muito mais profundidade o assunto.

Sobram, então, as atuações, e Colin Firth rouba as cenas com seus sarcásticos diálogos dignos da obra original. Ben Chaplin mal consegue explorar seu personagem que, no livro, nutre uma paixão escondida pelo jovem Dorian Gray. E Ben Barnes não consegue dar ao protagonista a dramaticidade necessária, entregando uma atuação sem emoção e estéril. E fica uma outra pergunta que as mulheres podem responder: Barnes é, realmente, tão bonito quanto afirmam os personagens? 
* Texto publicado no site http://www.arteview.com.br/

sábado, 19 de março de 2011

AS MÃES DE CHICO XAVIER - CRÍTICA


O espiritismo está se tornando um subgênero no cinema brasileiro, e de grande sucesso comercial: Bezerra de Menezes – O Diário de Um Espírito (dirigido por Glauber Filho e Joe Pimentel) chamou a atenção do público em 2008 e deu início à produção de diversas obras que homenagearam o centenário de Chico Xavier, caso de E a Vida Continua, de Paulo Figueiredo, baseado no livro homônimo do médium, e do documentário As Cartas Psicografadas de Chico Xavier, de Cristiana Grumbach, sobre as famílias que buscaram a ajuda do espírita após a perda de entes queridos. Mas foi o filme Chico Xavier e a megaprodução Nosso Lar que alcançaram marcas recordes de bilheteria e confirmaram a força do gênero: a cinebiografia dirigida por Daniel Filho registrou R$ 6,2 milhões só no final de semana de estreia e a adaptação de Nosso Lar (dirigido por Wagner de Assis, baseada num dos livros mais conhecidos do médium mineiro) ultrapassou a marca de 4 milhões de espectadores.

As Mães de Chico Xavier, que estreia dia primeiro de abril, encerra as homenagens e deve repetir o êxito na bilheteria, já que traz as características de seus antecessores, a começar pelo ator Nelson Xavier, que volta a interpretar o famoso médium, desta vez com idade mais avançada do que no filme anterior (os próprios produtores consideram este longa a conclusão de uma trilogia sobre Chico). Dirigido por Glauber Filho e Halder Gomes, e baseado no livro Por Trás do Véu de Isis, do jornalista Marcel Souto Maior, o filme centra-se na vida de três mães que buscam nas palavras do célebre médium o conforto da perda de entes queridos. E o elenco não decepciona: Via Negromonte utiliza-se do silêncio para mostrar a dor que sente com o péssimo relacionamento com seu filho, dependente químico; Vanessa Gerbelli segura as pontas no papel da mulher ignorada pelo marido e que precisa se erguer após a morte do pequeno filho; e Tainá Müller, que vem conquistando seu espaço desde Cão Sem Dono e Tropa de Elite 2, interpreta uma jovem professora em crise com sua gravidez não planejada.

Apesar de a produção negar ser este um filme doutrinário, fica evidente a vontade de oficializar a autenticidade do espiritismo, utilizando-se como condutor o jornalista interpretado por Caio Blat, que, se é cético e tira sarro das imagens de Chico Xavier quando recebe a proposta de fazer uma reportagem sobre o médium, torna-se um defensor e divulgador da religião de Allan Kardec ao longo da projeção. Quando o jornalista pergunta ao seu chefe qual a versão ele deve buscar em sua reportagem, a resposta é enfática: “A verdade”.
 
A linguagem de novela é o maior problema de As Mães de Chico Xavier. É evidente que seu público-alvo é adulto e não espera uma narrativa muito diferente do que está acostumado a ver na TV, mas seu desenvolvimento é lento e pode incomodar. Nosso Lar trazia os efeitos especiais como chamariz e Chico Xavier tinha uma montagem interessante, com flashback e suspense. Já o filme de Glauber Filho e Halder Gomes deixa apenas para o último ato os acontecimentos, forçando o espectador a esperar por algo que ele já sabe que vai acontecer desde o começo do filme. Enquanto isso, alternam-se diversas imagens de nuvens – que remetem ao Paraíso –, e trilha musical típica das telenovelas globais (que também trazem o espiritismo nas entrelinhas).
   
A mensagem antiaborto no final reforça a posição doutrinária, no entanto é coerente com a trama. Agora, o “momento” Ghost – Do outro Lado da Vida, após uma cena de acidente de ônibus, é totalmente desnecessária e já está bem batida no cinema.


* Texto publicado no site http://www.cinemanarede.com/

segunda-feira, 14 de março de 2011

RESTREPO - CRÍTICA


Dentro do avião, com uma câmera digital particular, um grupo de jovens bêbados registra sua viagem ao Afeganistão. Não há tensão, não há medo, apenas brincadeiras típicas da ingenuidade juvenil. Juntos, gritam “Vamos à guerra”, e caem novamente na gargalhada. Na cena seguinte, já estamos no país asiático, dentro da caminhonete militar que explode em uma mina terrestre. A confusão aumenta quando os soldados precisam se desviar dos tiros dos inimigos e contra-atacar. A cena é muito semelhante à abertura do filme Homem de Ferro (2008) – que, por ironia, se passa no mesmo país –, porém se trata do início de Restrepo, documentário que concorreu ao Oscar este ano ao lado de Lixo Extraordinário e do vencedor Trabalho Interno.

Dirigido pelo jornalista Sebastian Junger e pelo fotógrafo da National Geographic Tim Hetherington, Restrepo acompanhou por pouco mais de um ano a rotina de um pelotão do exército estadunidense no Vale Korengal, posto militar considerado o local mais perigoso do Afeganistão. A coragem da dupla é admirável, pois, ao longo de 94 minutos, o espectador sente o mesmo desespero dos soldados por estar num local desolado, desértico e cuja missão era, a cada dia, lutar por pequenos metros de terra. A câmera acoplada no capacete dos combatentes mostra o desespero de não saber de onde vêm os tiros do lado inimigo, enquanto a câmera no ombro se preocupa em registrar a sensação de perigo iminente durante suas atividades rotineiras. A paranoia do medo, o estresse da guerra e a saudade de casa são mostrados de uma forma admiravelmente íntima e valeu ao filme o Grande Prêmio do Júri de melhor documentário no Festival de Sundance de 2010.

Não há, no entanto, um debate político sobre as razões da guerra no Afeganistão ou as estratégias de combate da Casa Branca, seja pelo comando de George Bush ou de Barack Obama. “Há 22 milhões de famílias americanas com filhos, irmãos ou cônjuges que estiveram ou estão no exército e querem saber como foi que eles viveram. A ideia era fazer um filme apenas sobre a experiência dos soldados”, declarou Junger, após a premiação em Sundance. De fato, os combatentes são humanizados no momento em que conhecemos suas fraquezas, seus medos e suas dúvidas, mas é inegável que a escolha por uma não-politização do filme também é um ato político – e, neste caso, o documentário também acaba sendo partidário. Em nenhum momento, obviamente, há uma defesa pela política externa belicista estadunidense – pelo contrário, as condições em que se encontram os soldados mostram muito bem a falta de sentido na guerra –, no entanto estão nas entrelinhas os preconceitos e a visão unilateral da situação.  

Basta analisar o momento mais dramático do filme: a morte de um soldado durante a chamada “Operação Avalanche”. É o climax do documentário, comentado e lamentado por todos os entrevistados. E é compreensível, já que se trata da baixa de um “irmão”, alguém com quem se conviveu por meses. No entanto, por conta de um erro estratégico durante uma ação militar, vemos que uma ofensiva estadunidense matou diversos civis na aldeia, inclusive mulheres e crianças – um fato que não mereceu tanta atenção nem dos soldados nem dos diretores – que poderiam utilizar-se de uma situação grave como essa para analisar a psicologia dos jovens com fuzis na mão (como acontece no ótimo No Vale das Sombras, de Paul Haggis).

O contato com os moradores, aliás, também denotam uma dualidade na visão dos diretores. Por diversas vezes, o capitão Dan Kearney afirma ser mais diplomático que seus antecessores e promove semanalmente um encontro com os anciões do vilarejo para negociar as operações no local e discutir os problemas do conflito na região. Porém, a cada argumento negativo ou reclamação por parte dos líderes locais, Kearney responde ao estilo típico do militar norte-americano: “Eu não ligo”, ignorando o fato de ser ele o estrangeiro invasor. É curioso analisar, também, a relação entre moradores e o grupo talebã. Em troca de dinheiro, os locais aceitam carregar e esconder armamentos para o grupo radical muçulmano, já que o vilarejo vive numa condição econômica miserável. Enquanto isso, do outro lado da cerca, toda uma ação militar financiada por milhões de dólares. Mais um assunto que passa apenas nas entrelinhas de Restrepo.

O talebã, aliás, jamais aparece no documentário. O inimigo não tem rosto, está escondido nas montanhas e é sempre uma ameaça. Nunca o vemos, mas sempre ouvimos os disparos dos fuzis. Ao mesmo tempo, acompanhamos o desespero de garotos imberbes, que podem ser abatidos a qualquer momento. A cada combate, ficamos aliviados com a sobrevivência dos soldados e jamais vemos a morte dos guerrilheiros do talebã. Basta lembrar do momento mais escatalógico do filme: o soldado, filho de uma hippie, comemora como um gol quando sua arma de alto calibre desfaz em pedaços o inimigo. A câmera jamais mostra a cena e, ao contrário de repulsa, torcemos pelo garoto, que estava sob fogo cruzado minutos antes.

De certa forma, Restrepo é a versão documentário do vencedor do Oscar Guerra ao Terror, inclusive quando um dos garotos compara a emoção do momento do combate à adrenalina gerada pelo uso de drogas. Assim como acontece no filme de Kathryn Bigelow, os soldados são as vítimas e não os algozes, e não estão lá para questionarem suas ordens, mas para “fazer o que tem que ser feito” e lutar pelo seu país. Ainda que seja uma guerra sem sentido: em abril de 2010, o exército dos EUA retirou o pelotão do posto Restrepo (nome dado em homenagem ao jovem soldado Juan Sebastián Restrepo, morto em combate no Vale Korengal), sem ter concluído qualquer objetivo, apenas levado morte para os três lados do conflito.


* Texto publicado em http://www.arteview.com.br/

NATIMORTO - CRÍTICA

Com um curta-metragem indicado ao Oscar em 2000 (Uma História de Futebol), o diretor Paulo Pachline resolveu trazer para o cinema mais uma obra do multiartista Lourenço Mutarelli – o primeiro foi O Cheiro do Ralo, dirigido por Heitor Dhalia em 2007. Adaptado do livro Natimorto, Um Musical Silencioso, o filme mostra o bizarro relacionamento entre um produtor musical e uma aspirante a cantora lírica.


Por se tratar de um trabalho de Mutarelli, não se esperaria outra coisa senão um protagonista perturbado e cheio de excentricidades – interpretado pelo próprio autor. O agente musical (assim como acontece no livro, os personagens não possuem nomes) é um caça- talentos que está em crise no seu casamento e se apaixonou por uma jovem cantora, interpretada por Simone Spoladore (de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e Lavoura Arcaica)

Com a promessa de apresentá-la ao um influente maestro, o agente faz um convite curioso: que os dois passem a viver num quarto de hotel, abandonando toda a vida do lado de fora. A aparência frágil do agente, que se diz assexuado, somada à possibilidade de ingressar no mundo da música, faz a cantora aceitar a proposta, com a ressalva de poder sair durante o dia para tocar a vida profissional.

A grande sacada do filme são os paralelos que o agente faz entre as mensagens antitabagistas do Ministério da Saúde e o jogo de tarô. O perturbado personagem acredita que, para cada carta do baralho esotérico, exista uma correspondente nas fotos que aparecem na parte de trás dos maços de cigarro. Por exemplo, a carta O Enforcado seria a foto na qual há um homem sufocado afrouxando a gravata (cuja mensagem é "Quem fuma não tem fôlego para nada"). E, segundo suas interpretações baseadas em cada foto, ele acredita que pode prever o dia.

É a típica ideia que só poderia ter saído da cabeça do genial Lourenço Mutarelli, que começou a carreira como autor e desenhista de história em quadrinhos premiadas (caso de Transubstanciação e O Dobro de Cinco), passou para o universo da literatura (é autor de seis romances), ingressou na dramaturgia (O Natimorto já foi adaptado para o teatro por Mario Bortolotto em 2007) e foi parar no cinema, fazendo uma ponta em É Proibido Fumar e como um interessante coadjuvante em O Cheiro do Ralo.

Toda a qualidade de seu texto, que costuma refletir suas angústias internas e as crises de síndrome do pânico que sofreu no passado, foi transposta para o filme de Paulo Pachline. Definem-se como “Natimortos” os bebês que morrem durante o parto, ou mesmo antes, ainda no útero da mãe. Ao filosofar sobre a beleza da condição do natimorto (“Imagine você ir da não-existência para a não-existência protegido pelo único ser que vai te amar, ficando afastado dos males do mundo”), compreendemos a vontade do protagonista de querer se isolar, retornando a um novo útero, seu quarto de hotel. Vale destacar a interessante iluminação Lito Mendes da Rocha, que pinta o filme com uma alternância incessante de cores, aumentando a sensação de claustrofobia.

Ironicamente, Mutarelli também é responsável pelo maior defeito do filme. Como praticamente todas as cenas se passam num único local, o longa tem como base a interpretação dos dois atores, mas as falas acabam parecendo artificiais diante da pouca experiência do multiartista na atuação. Por sorte, esse problema acaba sendo superado quando seu personagem começa a ficar cada vez mais obscuro, transparecendo as características do universo de Mutarelli.
Exibido na 33ª Mostra de Cinema de São Paulo e na edição 2009 do Festival do Rio, Natimorto entra em cartaz no dia 1 de abril de 2011.



*Texto publicado em http://www.arteview.com.br/