quinta-feira, 18 de agosto de 2011

LANTERNA VERDE - Crítica


Lanterna Verde peca por adotar tom infantil



Após as boas surpresas com X-Men – Primeira Classe e com Capitão América – O Primeiro Vingador, chega aos cinemas brasileiros o decepcionante Lanterna Verde, filme que resgata todos os defeitos das adaptações cinematográficas de super-herói realizadas antes dos anos 2000: história infantil e rasa, protagonista sem carisma, foco nos efeitos especiais e sem qualquer preocupação com o desenvolvimento dos personagens ou realismo.

Lanterna Verde, na verdade, sempre foi uma tragédia anunciada: as notícias sobre o atraso na pós-produção do filme devido ao excesso do uso de computação gráfica – que, inclusive, necessitou de mais injeção de dinheiro para a conclusão dos efeitos – já haviam acendido um sinal de alerta em quem acompanha o herói da DC Comics.


A escolha de Ryan Reynolds como Hal Jordan também não ajudou muito: além de já ter participado de outros dois filmes sobre personagens de HQ que incomodaram os fãs (Blade Trinity e X-Men Origens: Wolverine), Reynolds ainda não havia entregado uma atuação de grande destaque para o grande público, enquanto as outras adaptações de sucesso traziam como protagonistas atores respeitados e carismáticos, como Robert Downey Jr. (Homem de Ferro), Christian Bale (Batman), Hugh Jackman (Wolverine), Tobey Maguire (Homem-Aranha) e Edward Norton (Hulk), por exemplo.


Nem mesmo a escolha de Martin Campbell – que já havia trabalhado com outros dois personagens consagrados pela cultura pop (Zorro e James Bond) –para a direção salvou o resultado final, em grande parte por culpa do roteiro fraco, que passou por muitas mãos (Greg Berlanti, Michael Green, Marc Guggenheim e Michael Goldenberg). Campbell ficou preso a uma história boba e rasa, cujo foco está nos efeitos especiais e não nos personagens. Causa até estranheza pensar que Lanterna Verde saiu da mesma casa que produziu os dois últimos filmes de Batman – produções cujas características são exatamente opostas ao apresentado aqui.

Se há um ponto em comum entre os recentes longas-metragens do homem-morcego e do Lanterna Verde, é a importância que a história dá ao sentimento do medo. De acordo com o filme, há dois poderes no universo que se equivalem: a força de vontade (que gera uma luz verde) e o medo (que produz uma luz amarela). A Tropa dos Lanternas Verdes é um grupo de guerreiros intergalácticos que utiliza o poder da força de vontade para manter a paz no universo. Mas o reaparecimento de um antigo inimigo provoca a morte de um integrante da Tropa e sua automática substituição por outro candidato no planeta mais próximo – e o anel do poder escolhe Hal Jordan (Reynolds), um piloto de caças irresponsável, porém de bom coração.


Se a sinopse parece infantil, é porque é isso mesmo. O roteiro não se preocupa em aprofundar a personalidade de Jordan, deixando questionável a sabedoria do tal anel do poder (Hal Jordan é o melhor ser humano que há na Terra? Não é à toa que o mundo está desse jeito, então...). Nada contra ter um protagonista inconsequente e irresponsável, até porque é justamente a sua jornada que irá transformá-lo – uma premissa, inclusive, visivelmente semelhante à de Peter Parker/Homem-Aranha e seu “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Mas o roteiro não faz um desenvolvimento plausível e Reynolds não consegue preencher esse vazio com qualquer carisma – basta compará-lo com Robert Downey Jr. e seu também irresponsável Tony Stark.


Assim como acontece em Batman Begins, o medo é o que movimenta as engrenagens da história. O sentimento é citado várias vezes, já que o protagonista possui um trauma no passado que se reflete em seu presente. No entanto, a questão é abordada de forma extremamente superficial, sem qualquer profundidade psicológica. Basta comparar com os filmes de Nolan, em que o medo é estudado tanto na forma individual (é o motivo pelo qual Bruce Wayne transforma-se em vigilante, inclusive usando sua fobia como símbolo) como coletiva (os planos do Coringa e seus “estudos sociais”). Também vale lembrar que Batman Begins estreou em 2005, quando a sensação de medo tinha um contexto bastante relevante, afinal os Estados Unidos ainda viviam sobre o clima de temor pós-11 de Setembro e com as campanhas midiáticas de Bush sobre sua “Guerra ao Terror”.

Em Lanterna Verde, o medo não é aprofundado de nenhuma forma, Reynolds não consegue ir além de levantar a sobrancelha quando se mostra preocupado e qualquer clima de tensão vai embora com as piadas que aparecem (e funcionam), principalmente as do colega de Jordan, Tom Kalmaku (Taika Waititi).

Então se o foco do filme não está nos personagens é porque a preocupação está em outro lugar e a pressa em transformar Hal Jordan em Lanterna Verde tem a visível finalidade de explorar os poderes do anel. Até aí não teria problema, se fossem usados com alguma coerência. Um exemplo? Numa cena, um helicóptero está caindo em direção ao par romântico de Jordan, a bela Carol Ferris (Blake Lively). Para protegê-la, ele poderia ter feito diversas coisas práticas, como retirá-la do lugar, ter erguido uma parede em sua frente, ou simplesmente pegar a aeronave com mãos gigantes, mas ele faz o mais difícil: transforma o helicóptero numa espécie de carro e cria um imenso autódromo ao redor dos convidados da festa, fazendo o veículo andar até perder a força. Por quê?



É inegável, no entanto, que os efeitos digitais são competentes, inclusive na interpretação dos personagens alienígenas – caso de Mark Strong, ótimo como Sinestro, um Lanterna Verde impulsivo e arrogante. As cenas no planeta Oa, sede da Tropa dos Lanternas, deve servir de colírio aos fãs da HQ devido à enorme quantidade de personagens e referências escondidas pela tela. Mas não há nada que justifique o uso do 3D.

Outro grande equívoco da produção foi a opção por dois vilões: Parallax, uma entidade cósmica que se alimenta de medo, e o humano Hector Hammond (Peter Sarsgaard), um cientista que passa a ter poderes e fica maligno após entrar em contato com o corpo de um Lanterna Verde morto. Ao dividir a atenção entre esses dois inimigos, em vez de aumentar, o roteiro diminui o tom de ameaça – aliás, o personagem de Sarsgaard parece até mais perigoso do que o próprio Parallax, o grande vilão da história.

As bilheterias norte-americanas e em diversos países ficaram abaixo do esperado, refletindo a qualidade do filme e, apesar de seu final deixar uma ponta promissora, uma continuação não está garantida – coisa raríssima hoje em dia em Hollywood, o que atesta o descontentamento da própria Warner com o resultado final.


Após o sucesso de público e de crítica de Batman – O Cavaleiro das Trevas, Lanterna Verde é um grande retrocesso para o estúdio. Quem sabe numa próxima vez os produtores tenham mais força de vontade e menos medo de ousar num filme de super-herói. 

sábado, 13 de agosto de 2011

A ÁRVORE DA VIDA - Crítica


A Árvore da Vida é a nova obra-prima de Terrence Malick

Muita gente riu daquele vídeo que se espalhou pela internet no qual um garotinho de uns dois anos chora copiosamente e fica falando “que dó, que dó” porque seu irmãozinho matou uma formiguinha. Pois a nova obra-prima de Terrence Malick, A Árvore da Vida, trata justamente sobre a importância da vida, de todos os seres.

Ok, comparar o vencedor da Palma de Ouro deste ano a um viral de internet pode ser um exagero – até soar ofensivo! – mas dá uma ideia do que esperar da nova produção deste cineasta que enxerga o cinema como verdadeira forma de arte – não como mero entretenimento.

Este é apenas o quinto filme de Malick, desde que iniciou sua carreira cinematográfica em 1973, com Terra de Ninguém (completam sua cinematografia Cinzas no Paraíso, de 1978, Além da Linha Vermelha, de 1998 e O Novo Mundo, de 2005). Todos altamente carregados de conteúdo filosófico e não é à toa: o diretor é formado em Filosofia pela Harvard e lecionou a disciplina no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets).

Com A Árvore da Vida não seria diferente: ao centralizar sua câmera numa família do subúrbio do sul dos Estados Unidos na década de 1950, Malick fala sobre crise existencial, o papel de Deus, vida e morte, e o lugar do homem no mundo. Tudo, é claro, por meio de belíssimas imagens fotografadas por Emmanuel Lubezki e rigorosamente pensadas pelo diretor, também autor do texto.

Se o assunto é profundo, a história é completamente simples: Brad Pitt interpreta Mr. O'Brien, pai de três garotos e casado com uma bela mulher (Jessica Chastain). É por meio das memórias do filho mais velho (Sean Penn na fase adulta e Hunter McCracken na pré-adolescência) que somos levados ao interior desta família para testemunhar as diferenças de personalidade entre a mãe angelical e o pai severo, os questionamentos dos personagens sobre os motivos de Deus para os eventos que nos rodeiam e a finitude da vida. Isso porque um dos irmãos morre aos dezenove anos, fato que marca para sempre o núcleo familiar.   

Como já faz parte de seu estilo, o espectador acompanha as angústias e dúvidas dos personagens por meio de suas narrações, complementadas por imagens que simbolizam seu texto e hipnotizam por sua beleza (impossível não pensar na “Alegoria da Caverna”, de Platão, na cena em que a câmera, de ponta-cabeça, filma apenas as sombras os garotos brincando no meio da rua). Deve-se destacar, também, o grande trabalho de direção dos atores, que entregam grandiosas interpretações, especialmente as crianças.

O cuidadoso trabalho de montagem (que durou cerca de dois anos e foi realizado por uma equipe de seis pessoas, dentre elas Daniel Rezende, de Cidade de Deus e Tropa de Elite) ignora a cronologia, alternando o presente, sobre um homem extremamente melancólico (Sean Pean) em crise existencial, o passado, quando conhecemos sua infância e sua família, e o passado da Terra, ou melhor, do universo.

Sim, Malick volta no tempo para “filmar” o Big Bang, a criação dos planetas e o surgimento do primeiro ser vivo, transformando A Árvore da Vida num filme extremamente religioso ao mesmo tempo em que nega a existência de Deus.

A discussão é infinita e já foi tema até do grupo Monty Python que, em 1983, realizou O Sentido da Vida, filme no qual tentam descobrir as respostas às questões existenciais por meio de hilárias esquetes sobre vida, morte e religião e, no fim, concluem, ironicamente, que o sentido da vida está em “tentar ser bom com as pessoas; evitar comer gordura; ler um bom livro de vez em quando; caminhar um pouco; e viver em paz e harmonia com gente de todos os credos e nações”.

Obviamente, Malick é mais profundo, ainda que traga, no fim, um pensamento simples. O diretor dá igual atenção a uma tomada centralizada no rosto de Brad Pitt, a um girassol sendo tocado pelo vento, a um acidente geográfico e a um dinossauro, lembrando que o homem não está no centro do universo.

E, ao diminuir a escala humana ou ignorar uma existência superior, Malick não reduz a importância da vida, pelo contrário. Se na imensidão espacial surgiu um planeta que gerou um ser unicelular que deu origem a todos os seres vivos que caminharam, caminham e caminharão pela Terra, toda a vida é sagrada. Seja ela a de uma criança ou a da formiguinha que ela esmagou.


BALADA DO AMOR E DO ÓDIO - Crítica


Não há qualquer sutileza na alegoria proposta em Balada do Amor e do Ódio sobre a ditadura franquista (1939-76): durante os créditos iniciais, fotos de bastidores da Guerra Civil Espanhola, do levante militar de Franco e da participação de autoridades católicas misturam-se a imagens de monstros do cinema, a pinturas sacras e, principalmente, a fotos de palhaços.

É tudo um circo, sugere Alex de La Iglesia. Talvez pior: um circo em chamas. O típico humor negro e sádico do diretor espanhol (Crime Ferpeito, A Comunidade) agora ganha um visual estilizado e pop com Balada do Amor e do Ódio, filme maluco sobre Javier, um rapaz tímido (Carlos Areces) que segue os caminhos do pai e começa a trabalhar como palhaço num circo em Madri. Lá, ele apaixona-se por Natalia, uma bela acrobata (Carolina Bang) que namora o outro palhaço do circo, Sergio (Antonio De La Torre), um sujeito extremamente violento.

E é desse triangulo amoroso improvável que Iglesia utiliza-se para filmar uma história que mais parece um pesadelo, com cenas bizarras como a de um palhaço munido de um facão liderando uma batalha durante a Guerra Civil. Tudo aqui é propositalmente exagerado: as cenas de sexo são brutais e a garota coloca a língua para fora para termos a certeza de que há prazer; o sangue não escorre, ele jorra quando alguém é ferido; ao tomar um murro do namorado, a moça não cai, ela voa por metros.

Premiado com o Leão de Prata como Melhor Diretor e Melhor Roteiro no Festival de Veneza 2010, Iglesia mistura tudo o que há de pop, de Quentin Tarantino a Federico Fellini, e – por que não? – Batman (ou Coringa, melhor dizendo). Ao mesmo tempo, o diretor realiza um cinema-exorcismo, no qual o período sombrio espanhol (e que se estende por diversos países, na verdade, como aqui pela América Latina) é revisitado e satirizado. Afinal, o que dizer da cena da mordida na mão do próprio Franco?

Mas Balada do Amor e do Ódio também apresenta problemas. Como já é comum na filmografia do diretor, o longa não pode ser encaixado em qualquer gênero, já que ora traz traços de drama, ora faz piadas sutis e, no terceiro ato, flerta com o terror. O resultado é uma obra irregular, que perde o ritmo em alguns momentos e deixa a impressão que poderia ter sido um belo drama (se tivesse se levado mais a sério) ou um ótimo trash (se tivesse ido mais além).   

TRANSEUNTE - Crítica


Filho de Glauber Rocha estreia na ficção com Transeunte



Após três documentários (Rocha que Voa, Intervalo Clandestino e Pachamama), finalmente Eryk Rocha estreia num longa-metragem de ficção com Transeunte. Sua investida nesse tipo de cinema era aguardada por críticos e cinéfilos pelo fato de Eryk ser filho do cineasta Glauber Rocha, principal nome do Cinema Novo na década de 1960.

E o jovem diretor mostrou que herdou do pai algumas das características cinematográficas ao fugir dos modelos padrões tanto na questão estética quanto narrativa e recolheu diversos prêmios em festivais nacionais.

Transeunte acompanha a vida de Expedito (o veterano do teatro Fernando Bezerra), um homem que completou 65 anos e acaba de perder a mãe. Sem esposa ou filhos, o sujeito vive sozinho e passa os dias caminhando pelas ruas do centro do Rio de Janeiro ou sentado em bancos da praça, observando as pessoas ou ouvindo programas radiofônicos em seu aparelho portátil.

Rocha utilizou a experiência do documentário para dar vida ao personagem. Com isso, a câmera está constantemente procurando a ação – mesmo que ela não aconteça, a menos que se considere o ato de limpar o metal onde se coloca as pilhas nos rádios como ação. Os enquadramentos são muitas vezes extremamente fechados, denotando as rugas e bolsas sob os olhos.

A fotografia em preto e branco de Miguel Vassy é perfeita para o tema, já que remete a diversas interpretações, como a vida monocromática, a questão da velhice e a sensação de solidão.

É interessante observar que praticamente não há diálogos no filme, afinal Expedito é solitário e evita (ou não consegue) relacionar-se com as pessoas. Sua primeira fala acontece depois de quase meia hora de projeção e não se trata exatamente de um diálogo: ele passa seus dados pessoais ao funcionário do INSS – ou seja, informações sobre quem ele é, mas não exatamente a sua identidade.

Este é um filme de redescoberta, de entender a si próprio, justamente numa fase da vida em que a crise de identidade e existencial costuma bater em milhares de pessoas. Afinal, vivemos numa sociedade que despreza a velhice e isto se reflete inclusive nos meios culturais. Basta olhar as sexagenárias atrizes de novela ou apresentadoras de televisão, ou verificar que Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Harrison Ford insistem em transmitir uma aura de heróis de ação.

            Com belas metáforas, seja no insistente caminhar do personagem ou na construção do prédio no terreno vizinho, Transeunte dialoga com outra obra em cartaz,
Mamute, da dupla Gustave de Kervern e Benoît Delépine, e com Gérard Depardieu no elenco, que também trata da questão do envelhecimento com o mesmo respeito.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MELANCOLIA - Crítica


Como sempre, Lars von Trier divide opiniões



Lars von Trier parece ter exorcizado todos os seus demônios em Anticristo, obra que causou discussões acaloradas dois anos atrás. Em plena depressão, filmou a história do casal que, em luto após perder um filho, passa a morar numa cabana para tentar entender a tristeza que sentiam e como poderiam superá-la.

Carregado de simbologia do começo ao fim, Anticristo trazia uma tortura psicológica raramente vista no cinema recente e colocou seu diretor novamente no topo após o escorregão com Manderlay, sequência direta de Dogville.

Metade dos críticos e cinéfilos o consideram um gênio; a outra metade tem certeza de que ele é uma farsa. Melancolia, que chega aos cinemas nacionais este mês, pode mostrar que diretor dinamarquês é um pouco dos dois. Ou nem uma coisa nem outra.

Principalmente depois do circo montado na edição de Cannes deste ano, quando declarou entender Hitler. O histórico polêmico do diretor já deveria ter garantido uma interpretação irônica do comentário, mas a imprensa multiplicou sua fala e o resultado foi sua expulsão do festival – onde ele já havia ganhado a Palma de Ouro por Dançando no Escuro em 2000.

O resultado não prejudicou a imagem do filme, afinal Kirsten Dunst levou o prêmio de melhor atriz. Além disso, as diversas notícias diárias que saíram na época confirmaram que Lars von Trier, além de cineasta, é um ótimo marqueteiro.

É importante essa contextualização porque, depois de toda a polêmica durante o festival francês e baseada na tumultuada filmografia do dinamarquês, a expectativa para Melancolia era grande, afinal trata-se de um filme de Lars von Trier sobre o fim do mundo.

“Melancolia” é o nome do enorme planeta que viaja em direção à Terra. Acompanhamos o evento catastrófico pelo olhar de duas irmãs, Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), que também dão nome aos capítulos do filme – divisão comum nos longas do diretor.

A primeira metade do filme ocupa-se em acompanhar a festa de casamento de Justine, uma publicitária que teve problemas com depressão e esforça-se em mostrar à família que está feliz – apesar de ficar claro por meio de pequenas atitudes que ainda há traços do distúrbio psicológico.

A câmera na mão não para um minuto e busca apresentar as diferentes personalidades que gravitam em torno da noiva infeliz, desde o insosso futuro marido (Alexander Skarsgård), passando pelo chefe manipulador (Stellan Skarsgård) ou o pai distante (John Hurt, roubando a cena cada vez que aparece).


Curiosamente, com o conhecimento sobre a vinda do enorme planeta, o ponto de vista muda para o de Claire (Charlotte), personagem que, se no começo do filme causava certa antipatia, torna-se agora os olhos do espectador sobre o fim do mundo.


Acontece aqui, então, o momento “Lars von Trier”: a divisão de opiniões sobre a qualidade do filme. Como fica claro no prólogo, o mundo vai acabar. Aliás, os dez minutos iniciais são desde já um marco cinematográfico, com imagens que merecem ser vistas e revistas várias vezes. 


Assim como já havia feito em Anticristo, o diretor chutou pra longe as regras que ele mesmo criou com o Dogma 95 e usa a supercâmera lenta no prólogo, mas aqui a poesia e a simbologia são elevadas ao máximo: o relógio de sol, os três corpos celestes à noite, a noiva que flutua no rio ou é agarrada por raízes, a mãe que carrega o filho no colo – tudo potencializado ao som do prelúdio de Tristão e Isolda, de Wagner.

Como já é comum na filmografia do diretor, Melancolia é repleto de metáforas, como a limousine atolada numa estrada sinuosa, a atitude de trocar a posição dos livros, o nome do cavalo etc. São imagens e situações que poderão ser discutidas tanto no bar quanto nas salas das universidades.

Mas, quando os créditos subirem, uma sensação estranha poderá ficar no ar. Teria o mais pessimista e sádico dos cineastas amolecido o coração? Afinal, se comparado ao angustiante O Nevoeiro, de Frank Darabont, ou ao ácido Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón, a impressão que o apocalipse de Melancolia pode causar é que faltou – olha só! – ousadia.



NÃO SE PREOCUPE, NADA VAI DAR CERTO - Crítica


Novo filme de Hugo Carvana tem título sincero


É inegável a contribuição de Hugo Carvana ao cinema nacional – sua filmografia é gingantesca, atuando desde clássicos como Terra em Transe (de Glauber Rocha, em 1967) ao recente 5X Favela (filmagem coletiva, de 2010). Talvez por isso mesmo seus dois filmes mais recentes como diretor tragam, além do humor característico, uma pitada de melancolia, uma saudade de um tempo em que o herói cinematográfico era o malandro romântico, não traficantes ou soldados do Bope.

A Casa da Mãe Joana (2008) tem um pouco disso e Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo, que estreia esse mês, também, e essa característica seria um diferencial não fossem dois problemas: o que é melancólico não emociona e o humor não faz rir.

Tarcísio Meira volta aos cinemas depois de 21 anos (seu último filme foi Boca de Ouro, dirigido por Walter Avancini em 1990) como Ramon Velasco, ator aposentado e trambiqueiro irrecuperável. Ele viaja Brasil afora com seu filho Lalau Velasco (Gregório Duvivier, de Apenas o Fim), também ator, que não se enquadrou nos moldes da televisão e acabou optando por pequenos shows de stand-up a cada cidade em que estaciona sua Kombi colorida-lisérgica.

Carvana usa essas apresentações do filho para apresentar o personagem de Tarcísio Meira ao público, deixando claro que há uma relação de admiração e decepção com o pai, alguém que vive de pequenos golpes sem pensar nas consequências, afinal sua filosofia é repetidamente citada na frase “não se preocupe, nada vai dar certo”.

Durante um de seus shows, uma relações públicas (Flávia Alessandra) de uma grande corporação lhe faz um interessante convite: ganhar uma bolada para se passar por um famoso guru durante um workshop. A oportunidade é perfeita não apenas pelo cachê, mas também para se livrar do pai e viver uma vida sem golpes – apesar de ser esse trabalho exatamente um trambique. 

E é aqui que “Não Se Preocupe...” derrapa, ao não aproveitar a grande piada do filme: o guru que promove o enriquecimento sem culpa. O personagem criado por Duvivier, um mentor espiritual indiano com sotaque hispânico (?), é hilário e sua filosofia pró-capitalismo é uma bela tiração de sarro.

No entanto, a história toma um rumo diferente e acaba se tornando uma trama policial completamente batida e previsível, resgatando o personagem de Tarcísio Meira como protagonista.

Com exceção de Duvivier como o conselheiro fajuto e a participação especial do próprio Carvana como um falso frade, as demais interpretações são sofríveis, em grande parte por culpa de diálogos fracos.  

No fim, a impressão que fica é que o longa é uma mistura de novela das 7 com Zorra Total. E, nesse caso, o espectador precisa se preocupar, sim, porque o filme não deu certo.  

MAMUTE - Crítica


Mamute é um road movie com bela atuação de Gérard Depardieu



Indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim, Mamute é o terceiro filme de Gérard Depardieu a chegar às salas brasileiras em 2011, após Minhas Tardes com Margueritte, de Jean Becker, e Potiche: Esposa Troféu, de François Ozon.

Aqui ele carrega o longa sozinho no papel de Serge, um açougueiro que completou 60 anos e finalmente conquistou a aposentadoria. Mas após tanto tempo trabalhando, o sujeito percebe que não sabe muito bem o que fazer com o tempo livre – tentar consertar os móveis de casa ou montar o quebra-cabeças de 2 mil peças que ganhou dos ex-colegas de trabalho não ajudam muito. Principalmente porque seu casamento está desgastado e sua mulher (Yolande Moreau) é uma insuportável reclamona.

Ficar em casa, como se vê, torna-se insustentável e a solução nasce justamente por conta de um problema: os antigos patrões de Serge não fizeram o registro formal na previdência e, para ele receber o benefício, precisará visitar cada local em que trabalhou e resgatar os documentos que comprovam seu histórico profissional.

A dupla Gustave de Kervern e Benoît Delépine escreveu e dirigiu esse interessante road movie cujo protagonista é um homem enorme, com longos cabelos loiros e cara de poucos amigos montado em sua moto Munch Mammut, um símbolo dos anos 1970.

Na primeira metade do filme, a câmera na mão enquadra com certa frequência o rosto de Serge, permitindo essa aproximação entre o espectador e o personagem e mostrando que, por detrás daquele mamute, há um sujeito de bom coração.

Mas talvez o próprio Serge tenha se esquecido de quem é e precise desenterrar seu passado – como fica claro na metafórica cena na qual ajuda o amigo coveiro a retirar um caixão da cova.

O mesmo acontece com o próprio ato de viajar pelo país em busca de suas origens. Resgatar os documentos antigos é revisitar as lembranças, descobrir-se novamente e tentar entender quais caminhos o levaram a ser o que o tornou hoje – inclusive enfrentar um trauma esquecido que envolve uma ex-namorada (Isabelle Adjani).

A fotografia granulada de Hugues Poulain (remetendo à ideia de “memória”) é interessante e os coadjuvantes que aparecem ao longo da projeção estão ótimos – principalmente a atriz Miss Ming, que interpreta uma simpática garota com distúrbios mentais.

Mas este é um filme de Depardieu, o tipo de ator que o grande público sabe que conhece, mas não se lembra exatamente de qual filme. Talvez a referência mais óbvia seja as adaptações cinematográficas das histórias de Asterix, personagem clássico das histórias em quadrinhos, nas quais interpreta Obelix.

Esse ótimo ator francês já trabalhou com o diretor Ridley Scott (1492 - A Conquista do Paraíso), atuou ao lado de Leonardo DiCaprio em O Homem da Máscara de Ferro e até participou do infantil da Disney 102 Dálmatas.

Se Depardieu está sumido das produções hollywoodianas é porque anda dando bastante atenção ao cinema de sua terra natal e a obras que valorizem seu talento. Vale a pena conferir o trabalho deste ator na criação de camadas deste personagem. Repare na transformação pela qual passa Serge, de mamute agressivo a um adorável ursão de pelúcia.