Lars von Trier parece ter exorcizado todos os seus demônios em Anticristo, obra que causou discussões acaloradas dois anos atrás. Em plena depressão, filmou a história do casal que, em luto após perder um filho, passa a morar numa cabana para tentar entender a tristeza que sentiam e como poderiam superá-la.
Carregado de simbologia do começo ao fim, Anticristo trazia uma tortura psicológica raramente vista no cinema recente e colocou seu diretor novamente no topo após o escorregão com Manderlay, sequência direta de Dogville.
Metade dos críticos e cinéfilos o consideram um gênio; a outra metade tem certeza de que ele é uma farsa. Melancolia, que chega aos cinemas nacionais este mês, pode mostrar que diretor dinamarquês é um pouco dos dois. Ou nem uma coisa nem outra.
Principalmente depois do circo montado na edição de Cannes deste ano, quando declarou entender Hitler. O histórico polêmico do diretor já deveria ter garantido uma interpretação irônica do comentário, mas a imprensa multiplicou sua fala e o resultado foi sua expulsão do festival – onde ele já havia ganhado a Palma de Ouro por Dançando no Escuro em 2000.
O resultado não prejudicou a imagem do filme, afinal Kirsten Dunst levou o prêmio de melhor atriz. Além disso, as diversas notícias diárias que saíram na época confirmaram que Lars von Trier, além de cineasta, é um ótimo marqueteiro.
É importante essa contextualização porque, depois de toda a polêmica durante o festival francês e baseada na tumultuada filmografia do dinamarquês, a expectativa para Melancolia era grande, afinal trata-se de um filme de Lars von Trier sobre o fim do mundo.
“Melancolia” é o nome do enorme planeta que viaja em direção à Terra. Acompanhamos o evento catastrófico pelo olhar de duas irmãs, Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), que também dão nome aos capítulos do filme – divisão comum nos longas do diretor.
A primeira metade do filme ocupa-se em acompanhar a festa de casamento de Justine, uma publicitária que teve problemas com depressão e esforça-se em mostrar à família que está feliz – apesar de ficar claro por meio de pequenas atitudes que ainda há traços do distúrbio psicológico.
A câmera na mão não para um minuto e busca apresentar as diferentes personalidades que gravitam em torno da noiva infeliz, desde o insosso futuro marido (Alexander Skarsgård), passando pelo chefe manipulador (Stellan Skarsgård) ou o pai distante (John Hurt, roubando a cena cada vez que aparece).
Curiosamente, com o conhecimento sobre a vinda do enorme planeta, o ponto de vista muda para o de Claire (Charlotte), personagem que, se no começo do filme causava certa antipatia, torna-se agora os olhos do espectador sobre o fim do mundo.
Acontece aqui, então, o momento “Lars von Trier”: a divisão de opiniões sobre a qualidade do filme. Como fica claro no prólogo, o mundo vai acabar. Aliás, os dez minutos iniciais são desde já um marco cinematográfico, com imagens que merecem ser vistas e revistas várias vezes.
Assim como já havia feito em Anticristo, o diretor chutou pra longe as regras que ele mesmo criou com o Dogma 95 e usa a supercâmera lenta no prólogo, mas aqui a poesia e a simbologia são elevadas ao máximo: o relógio de sol, os três corpos celestes à noite, a noiva que flutua no rio ou é agarrada por raízes, a mãe que carrega o filho no colo – tudo potencializado ao som do prelúdio de Tristão e Isolda, de Wagner.
Como já é comum na filmografia do diretor, Melancolia é repleto de metáforas, como a limousine atolada numa estrada sinuosa, a atitude de trocar a posição dos livros, o nome do cavalo etc. São imagens e situações que poderão ser discutidas tanto no bar quanto nas salas das universidades.
Mas, quando os créditos subirem, uma sensação estranha poderá ficar no ar. Teria o mais pessimista e sádico dos cineastas amolecido o coração? Afinal, se comparado ao angustiante O Nevoeiro, de Frank Darabont, ou ao ácido Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón, a impressão que o apocalipse de Melancolia pode causar é que faltou – olha só! – ousadia.
O próprio Lars teria insinuado que ficou ligeiramente arrependido por não ter ousado o suficiente, ou assim deu a entender, quando criticou sua própria "hollywoodinização" de sua obra em sentido catástrofe.
Opa, boa crítica.
ResponderExcluirTambém fiz uma humilde crítica sobre o filme. Dá uma olhada aqui:
http://cinelogin.wordpress.com/2011/08/09/cinema-critica-melancolia/
O próprio Lars teria insinuado que ficou ligeiramente arrependido por não ter ousado o suficiente, ou assim deu a entender, quando criticou sua própria "hollywoodinização" de sua obra em sentido catástrofe.
ResponderExcluirMuito boa crítica, continua assim =D