A dor da perda de um filho tem presença constante no cinema, seja em produções memoráveis, como o desesperador “Anticristo” (de Lars von Trier) e o belo “O Quarto do Filho” (do italiano Nanni Moretti), ou em filmes esquecíveis, caso de “Provocação” (de Tod Williams) e do recente drama nacional “As Mães de Chico Xavier”. Não é à toa: pode parecer senso comum, mas o sentimento de tristeza pela morte de um descendente é inconsolável e pode ser observado, inclusive, na natureza, entre os animais: é nossa missão instintiva perpetuar a espécie.
É com muita competência que trata desse assunto o filme “Rabbit Hole” (toca do coelho, em referência ao livro “Alice no País das Maravilhas”), de John Cameron Mitchell (“Shortbus”), que recebeu o inapropriado título nacional de “Reencontrando a Felicidade”. Inapropriado porque, mais do que a própria felicidade, Becca e Howie Corbett buscam voltar ao eixo de suas vidas após o filho de quatro anos morrer atropelado em frente à sua residência, num bairro suburbano e chique.


O diretor John Cameron Mitchell foge dos clichês dramáticos ao oferecer surpresas na narrativa, jogando pistas falsas ao espectador o tempo todo. Para cada elemento novo que entra na trama – baseada numa peça teatral do roteirista David Lindsay-Abaire –, descobrimos uma nova interpretação dos fatos e sentimentos, o que permite, inclusive, alguns risos durante a projeção. Mas é a questão da culpa a força do filme, ainda que apareça de forma sutil. Num acidente, de quem é a culpa? Do esquilo, que saiu correndo? Do cachorro, que perseguiu o esquilo? Da criança, que correu atrás do cachorro? Do pai, que esqueceu de prender o cão? Da mãe, que não viu a criança ir para a rua? De Deus? Do motorista, que dirigia velozmente? Mas, se o carro estivesse mais rápido ou mais devagar, teria atropelado a criança?
“Reencontrando a Felicidade” não se trata de “destino”, mas de tentar entender que, para cada coisa que aconteceu, milhares de outras deixaram de acontecer, como sugere o livro “Universos Paralelos”, lido por um dos personagens. Só que não temos a mesma sorte de “Alice”, que pôde entrar na toca do coelho, viver outras realidades e voltar em segurança para casa. Na vida, é preciso levantar a cabeça e seguir em frente.
*Texto publicado no site www.CinemaNaRede.com.br
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