Quando lançou seus livros de espionagem, ainda na década de 1960, John le Carré declarou que suas obras seguiam o caminho oposto ao dos romances de Ian Fleming, criador do herói britânico 007.


Como se vê, é uma sinopse simples, presente em todos os filmes da franquia “Missão Impossível”. Mas “O Espião Que Sabia Demais” retira todo o glamour e ação resfolegante da espionagem, substituindo o charme de um Ethan Hunt por velhos cansados e decepcionados com suas próprias vidas.
Para construir esse universo, Alfredson criou um clima de opressão e claustrofobia, apoiado pela fotografia escura de Hoyte van Hoytema, e ofereceu uma história entrecortada por flashbacks, numa montagem que entrega aos poucos quem são os personagens e para onde eles poderiam ir – como se o próprio espectador estivesse investigando o caso.
Apesar de o diretor ficar conhecido apenas recentemente, ele já é um veterano na direção de filmes e séries na televisão da Suécia e sua experiência fica evidente pela composição dos quadros e movimentos de câmera: os primeiros minutos que apresentam Smiley, por exemplo, se resumem a acompanhá-lo caminhar calmamente pelas ruas de Londres – sem falas. É curioso notar que ele está cercado de grades por onde passa, como se sua rotina o trancafiasse.

São detalhes que parecem desnecessários e até supérfluos, mas compõem um quadro complexo, com personagens cheios de facetas (ora suspeitos, ora amigáveis), interpretados por um elenco inglês formidável: além de Oldman, John Hurt, Colin Firth, Toby Jones, Mark Strong, David Dencik, Ciarán Hinds, Benedict Cumberbatch e Tom Hardy, entre outros.
Mas o show é mesmo de Oldman, inspirado como o agente à beira da aposentadoria. Seja no tom de voz, seja na forma de se sentar ou analisar as situações, o ator entrega uma atuação perfeita (como na cena em que rememora o encontro de anos atrás com seu grande inimigo, Karla, líder da KGB), apoiado por ótimas falas – como na conversa com uma ex-espiã (Kathy Burke) sobre a época da 2ª Guerra Mundial, quando a Inglaterra ainda tinha alguma relevância política no mundo.
Curiosamente, a feição melancólica de George Smiley até combinaria com as caras fechadas dos três JBs que dominaram a espionagem no mundo do entretenimento na última década: James Bond (Daniel Craig), Jason Bourne (Matt Damon) e Jack Bauer (Kiefer Sutherland). Mas o discretíssimo sorriso de Gary Oldman no final do filme, ao som de “La Mer”, mostra qual deles poderia, de fato, existir no mundo real.
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