sábado, 2 de julho de 2011

A FALTA QUE NOS MOVE - CRÍTICA

Filme é Big Brother com diálogos inteligentes


É saboroso ver que o cinema nacional está maduro e se permite realizar experiências que vão além das produções Globo Filmes. Festivais como CineEsquemaNovo dão espaço a obras autorais e independentes que dificilmente conseguem sair das mostras e alcançar o grande público, mesmo que tragam propostas interessantes e inovadoras – vide o caso do interessante Fluidos, do diretor Alexandre Carvalho.

Cineastas como Cláudio Assis (Amarelo Manga, Baixio das Bestas), Sérgio Bianchi (Cronicamente Inviável, Quanto Vale ou É Por Quilo?) e José Eduardo Belmonte (A Concepção, Se Nada Mais Der Certo) ignoram as comédias fáceis para filmar assuntos sérios, polêmicos e com relevância social buscando uma linguagem própria, sem cair numa fórmula pré-estabelecida. É curioso pensar que até as histórias bizarras de Lourenço Mutarelli alcançaram as salas de cinema com os filmes O Cheiro do Ralo e Natimorto, ambos baseados em seus livros.

É com esse contexto que é interessante analisar a chegada de A Falta Que Nos Move aos circuitos comerciais de São Paulo e Rio de Janeiro. A diretora teatral Christiane Jatahy adaptou para o cinema a peça que dirigiu por quatro anos A Falta Que Nos Move ou Todas as Histórias São Ficção, cuja premissa consistia basicamente em reunir cinco atores num único cenário para improvisar falas, cozinhar e beber enquanto aguardavam a possível chegada de um sexto integrante.

Ao transpor para o cinema, Christiane levou à sua casa os mesmos intérpretes da peça, filmados ininterruptamente por 13 horas seguidas, durante a noite de 23 de dezembro de 2007. Na teoria, não há uma história a ser contada: os atores usam seus próprios nomes e discutem assuntos variados e pessoais, enquanto tomam vinho e preparam a janta. E é aqui que entra a grande sacada deste trabalho, afinal seriam todas aquelas conversas realmente improvisadas? Os atores estão interpretando ou apenas sendo eles mesmos? Ou, na mais básica pergunta, que sempre acompanhou o cinema, o que é real e o que é ficção?

A todo momento, os atores recebem em seus celulares, via mensagens de texto, as instruções da diretora, o que mostra que há, de fato, um comando na ação. A química entre os atores permite que as conversas sejam fluidas, tão naturais que, quando começamos a acreditar que tudo ali é verdadeiro, vemos alguém lendo o roteiro, arrumando o microfone ou um dos operadores de câmera aparece no enquadramento, desfazendo toda a magia. Nesse sentido, é curioso pensar que a vista da luxuosa casa mostra um Rio de Janeiro nublado, cheio de névoas: ainda que seja uma coincidência, é uma metáfora perfeita sobre o próprio filme.

Além da ótima direção de fotografia de Walter Carvalho, que conseguiu evitar o clima teatral utilizando-se de recursos de documentário, também devem ser ressaltados os desempenhos de Kiko Mascarenhas, Pedro Brício, Cristina Amadeo, Daniela Fortes e Marina Vianna. As conversas entre eles vão desde desculpas esfarrapadas para a despolitização de sua geração, passando por questionamentos sobre os caminhos da vida, até inseguranças profissionais e amorosas, e nunca fica chato porque os atores parecem realmente usar experiências pessoais para enriquecer suas falas – exceto pelos minutos finais, quando uma discussão entre eles soa artificial demais.


É óbvio que não é uma novidade essa desconstrução da linguagem cinematográfica: o mestre Eduardo Coutinho já havia brincado muito bem com isso em Jogo de Cena, por exemplo, e esse ano mesmo tivemos Amor?, de João Jardim, também misturando realidade e ficção. Mas Christiane Jatahy criou sua própria versão de Big Brother, porém com diálogos muito mais inteligentes.

Um comentário:

  1. A grande diferença entre a burrice do Big Brother e a chatice de A Falta Que Nos Move é a pretensão "cabeça" do filme. Os clichês são os mesmos e a viagem poderia ser resumida em "Apenas se expor não basta, pois é preciso ter o que dizer", dito por uma das personagens', antes do final patético do filme.

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