"Capitão América" equilibra reinvenção e o legado da Marvel
Três países – Coreia do Sul, Rússia e Ucrânia – optaram por adotar apenas o subtítulo da nova produção da Marvel, Capitão América – O Primeiro Vingador (meses atrás, cogitava-se que mais países fariam o mesmo).
Pode parecer bobeira, mas não é. Enquanto outros personagens de histórias em quadrinhos carregam de forma mais sutil símbolos da ideologia americana e seu way of life (como as cores dos uniformes do Homem-Aranha, do Superman e da Mulher Maravilha, por exemplo), não há segredos em Capitão América: ele é o super-herói que veste literalmente a bandeira americana e, na capa de sua primeira edição, em 1941, aparece socando Hitler – meses antes de os Estados Unidos entrarem oficialmente na Segunda Guerra Mundial.
No entanto, a América de hoje não é mais a mesma e o império mostra-se claramente em declínio. Há um sentimento antiamericano pelo mundo, que não deve melhorar com o estouro da crise financeira que está afetando toda a economia global e com os resultados das duas guerras que trava atualmente, cujos motivos e legitimidade sempre foram questionados.
E isto se reflete, sim, no cuidado que a Marvel teve com a produção do novo filme do “Sentinela da Liberdade”, afinal o resultado poderia se refletir no seu projeto mais ambicioso: o longa metragem dos Vingadores – a equipe de super-heróis que traz, além do Capitão, Homem de Ferro, Hulk, Thor e outros personagens menores.
E Capitão América – O Primeiro Vingador é um belo filme, apesar da insegurança que causava o nome do diretor Joe Johnston, cujo último trabalho foi o péssimo O Lobisomem. Aqui, o cineasta foi esperto e adotou fórmulas consagradas: o clima leve de Indiana Jones (Johnston foi o responsável pelos efeitos visuais de Os Caçadores da Arca Perdida), um charmoso visual retrô futurista e a já batida, porém eficiente, ideia das ligações nazistas com a magia.
A opção do estúdio em contar de forma relativamente fiel a origem do herói foi acertada, afinal se o inimigo é nazista, já é meio caminho andado. Durante a II Guerra Mundial, Steve Rogers (Chris Evans) tenta insistentemente ser convocado para o exército, porém seu porte físico quase infantil torna-se uma barreira para seu sonho de servir a pátria. O cientista alemão Dr. Erskine (Stanley Tucci) vê no rapaz o espírito necessário para o projeto “Supersoldado”, um programa militar secreto criado em parceria com o cientista Howard Stark (Dominic Cooper), futuro pai do Homem de Ferro.
De magrelo a bombado em poucos minutos, Rogers transforma-se no Capitão América, uma jogada de marketing para angariar fundos para a guerra e motivar soldados. Mas o sujeito percebe que pode contribuir mais para o país indo à campo, principalmente depois de descobrir que Hitler não é o principal inimigo e sim o Caveira Vermelha (Hugo Weaving), um líder nazista que tem propósitos mais radicais que o próprio Führer.
Chris Evans está muito bem no papel, principalmente no primeiro ato, quando ainda é um sujeito franzino – o efeito especial que diminuiu seu corpo, aliás, está ótimo e não incomoda. Seu Capitão América tem personalidade própria e não deixa lembranças do Tocha-Humana, outro super-herói interpretado por Evans, no longa-metragem do Quarteto Fantástico.
Tommy Lee Jones está apagado como o coronel Chester Phillips, aparecendo apenas como alívio cômico. Hayley Atwell, que deve entrar agora no grupo das novas estrelas de Hollywood, dá charme à militar Peggy Carter, par romântico do herói. Charme, aliás, é o que falta a Cooper, que, ao tentar criar um estilo Stark, não consegue fugir da sombra de Robert Downey Jr. Mas, interessante mesmo, é ver que Hugo Weaving fica melhor como Caveira Vermelha do que como Johann Schmidt, talvez porque seu rosto tenha ficado muito marcado após a participação em duas trilogias clássicas, porém modernas: Matrix e O Senhor dos Anéis.
O roteiro, apesar de quadrado, respeita o tempo de transformação de Rogers em Capitão América, sem pressa para colocar o herói uniformizado em ação – uma regra que já foi aprendida desde a retomada das HQs no cinema. É divertido ver como a Marvel está criando um universo próprio com seus filmes, permitindo a intertextualidade entre as obras: há referências diretas aos longas do Homem de Ferro, Thor e Hulk.
As cenas de ação estão boas e, se há um excesso de câmera lenta, não se deve apenas à herança de 300, mas também remete à própria linguagem de uma HQ, com suas imagens estáticas. E claro, também tem a confiança no visual do uniforme do Capitão América, que ficou ótimo como uma roupa funcional inspirada nas vestimentas de paraquedismo (é uma pena que a Marvel já mostrou que, para o filme dos Vingadores, o uniforme do herói já foi modificado e está mais próximo da fantasia usada nas histórias em quadrinhos).
Mas é interessante notar como o patriotismo ficou moderado nesse Capitão América – em qualquer filme do Michael Bay a sensação é muito mais explícita. Na verdade, ver o uniforme surrado e o escudo riscado por balas dá margem a interpretações mais irônicas sobre a atual situação dos Estados Unidos.
Agora que todos os personagens foram apresentados ao longo de quatro filmes, resta esperar 2012 para conferir se os super-heróis funcionam todos num mesmo filme. Que venham os Vingadores.
Clique aqui para conhecer as outras versões cinematográficas do Capitão América.
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