Trama imprevisível e universo complexo é o grande atrativo da série
Sim, Sean Bean está presente com sua espada e armadura medieval à la Boromir; sim, a história fala sobre reis, cavaleiros e honra; sim, há um anão na história; sim, há fantasia e citações sobre criaturas monstruosas e dragões; não, não há qualquer semelhança com O Senhor dos Anéis.
A produção é baseada na série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo, do escritor americano George R. R. Martin, sobre um lugar chamado Westeros, um mundo (com traços de uma fictícia Europa medieval) onde o tempo de duração das estações do ano é completamente irregular. O inverno, por exemplo, pode durar décadas, o que torna o ambiente hostil até para os mais nobres e favorecidos. Um rei governa os sete reinos do continente e precisa manter sobre seu controle as principais dinastias do continente, afinal o inverno está chegando novamente e existe uma luta pelo poder e pela posse do Trono de Ferro.
Essa é a premissa de Game of Thrones, uma série que foi classificada pelo próprio produtor-executivo David Benioff como “Os Sopranos na Terra Média”, relacionando o seriado de uma família mafiosa e o mundo fantástico de O Senhor dos Anéis. No entanto, basta assistir aos primeiros minutos da série para perceber que seu tom é completamente diferente do mundo criado por J.R.R Tolkien e entender como ela só poderia ter chegado à televisão por meio do canal à cabo HBO.
Todos os personagens são ambíguos e vivem num relacionamento de intrigas e jogos de poder. O sexo é a principal moeda de troca, mas não há nada glamourizado: há incesto, estupro, prostituição e promiscuidade. A violência é crua e sangrenta, com diversas decapitações e sem qualquer traço de heroísmo. E personagens queridos morrem, contrariando as expectativas do padrão deste tipo de histórias.
Benioff e seu camarada Dan B. Weiss levaram a proposta de filmar Game of Thrones à HBO, canal responsável por produzir seriados com conteúdo dramático e apelo adulto, como Oz, Família Soprano e Deadwood. Os executivos da HBO apostaram na ideia e desembolsaram 10 milhões de dólares só para o primeiro episódio que, inclusive, necessitou de refilmagens por conta da saída de alguns atores. Ficou definido que cada temporada terá 10 episódios de uma hora de duração e contemplará um livro da série As Crônicas de Gelo e Fogo, formato que agradou o dono da obra, George R. R. Martin, que sempre declarou que seriam necessárias dezenas de filmes para que sua história fosse adaptada aos cinemas. O escritor participou da transposição contribuindo para o roteiro ao lado de Benioff e Weiss. E o resultado é espetacular.
A densidade de cada episódio faz com que o espectador termine um capítulo desesperado para conferir o seguinte e conhecer as consequências do que ele acabou assistir. Talvez a principal marca de Game of Thrones seja o tratamento dado aos personagens: não há heróis nem vilões, mas pessoas que agem com o simples propósito de sobreviver. Pegue Lorde Eddard “Ned” Stark (Sean Bean), Guardião do Norte de Westeros e amigo do rei. Já no primeiro capítulo vemos que ele procura manter sua honra e a da família, mas não hesita em decapitar um jovem desertor em frente ao seu filho, uma criança.
Na história, Ned Stark recebe o “convite” do Rei Robert Baratheon (Mark Addy) para ser seu conselheiro após o anterior morrer de forma misteriosa. O atual rei conseguiu o cargo ao montar uma rebelião e matar o antigo monarca e toda sua família, com exceção de um casal de crianças que fugiu para terras distantes. Enquanto isso, a Rainha Cersei (Lena Headey, que já havia vivido outra rainha, a esposa do Rei Lêonidas no filme 300) mantém um relacionamento incestuoso com seu irmão gêmeo Sor Jaime Lanniste (Nikolaj Coster-Waldau) e conspira para que seu filho assuma o Trono de Ferro o quanto antes.
Do outro lado do mundo, a garota sobrevivente da família Targaryen casa-se com Khal Drogo (Jason Momoa, que viverá o novo Conan na refilmagem que está prestes a chegar ao cinema), comandante de uma tribo de nômades cujo exército pode ajuda-lhe a recuperar o trono do qual seria herdeira. E, na extremidade de Westeros, Jon Snow (Kit Harington), filho bastardo de Ned Stark, integra a Patrulha da Noite, grupo que vigia os limites do reino em cima de uma gigantesca muralha de gelo construída séculos atrás para impedir a invasão de criaturas sobrenaturais que eles acreditavam estar extintas. Enquanto isso, o terrível inverno está chegando.
Por mais complexo que pareça, essas quatro linhas narrativas representam uma pequena parte de todo um emaranhado de pequenas histórias e personagens que se cruzam e têm importante participação na trama geral, caso do anão Tyrion Lannister, irmão da rainha e ignorado pelo pai por conta de sua deficiência. O personagem é, com o perdão do trocadilho, grandiosamente interpretado por Peter Dinklage, que já havia participado de séries como Nip/Tuck e 30 Rock e esteve presente em As Crônicas de Nárnia 2 – Príncipe Caspian. Tyrion é alguém que precisou adquirir conhecimentos já que não foi contemplado com a beleza e porte físico dos irmãos, tem um humor peculiar e adora uma farra sexual.
Apesar de se tratar de uma série de tema fantástico – o prólogo deixa claro, por exemplo, que os sobrenaturais “caminhantes brancos” existem e rondam a Grande Muralha –, a produção prioriza o realismo e introduz de forma gradual os objetos fantasiosos, como ovos de dragão cristalizados e fósseis do animal, a aparição de “zumbis” e rituais mágicos, por exemplo. Na verdade, desde a extinção dos dragões e a chegada do verão (quando desaparecem os “caminhantes brancos”), os próprios eventos sobrenaturais tornaram-se lendas e as intrigas e traições se mostraram muito mais ameaçadores.
E ameaça é o que mais existe no universo de Game of Thrones. Sua trama é completamente imprevisível e nenhum personagem está seguro –diferente, por exemplo, de Lost (originalmente, o médico Jack morreria logo no início, mas os planos foram mudados pelos produtores...). Para se ter uma ideia, a morte de um dos protagonistas no penúltimo capítulo deixou parte dos fãs não apenas inconformados, mas irritados. Mas é justamente essa característica que torna a série instigante: cada episódio traz uma ameaça real e o espectador corre o risco de ver seu personagem preferido ser morto – e alguns morrem, mesmo.
A segunda temporada já foi aprovada e começa a ser rodada a partir do dia 25 de julho, baseada no livro seguinte, A Fúria dos Reis. O curioso é que o quinto livro, A Dance With Dragons, será lançado somente no dia 12 de julho nos Estados Unidos, e Martin já avisou que a coleção terminará com sete obras, mas, se a HBO produzir uma temporada por ano e o escritor manter o ritmo de trabalho (ele levou quatro anos para lançar o quinto livro), a série poderá ficar paralisada. Como se vê, o inverno poderá chegar para os fãs também.
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