Charly Braun faz ótima estreia em longa-metragem
Após
dois curtas-metragens (Quero Ser Jack White e Do
Mundo Não se Leva Nada) e dirigir o making of de alguns filmes
brasileiros como O Cheiro do Ralo e Última Parada 174, o jovem diretor Charly Braun faz ótima estreia em
longa-metragem com Além da Estrada –
vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio em 2010 e de Melhor
Filme (júri popular) no St. Petersburg International Kinoforum, na Rússia, este
ano.
Além
da Estrada é um filme que representa muito bem nosso
tempo, como a globalização e a proximidade entre as culturas: é uma co-produção
entre Brasil e Uruguai, cujo protagonistas são um argentino e uma belga, e o
idioma varia entre o inglês e o espanhol. Mas essa contemporaneidade não está
apenas atrás das câmeras, mas principalmente na história, que traz jovens
adultos realizando uma busca pela própria identidade num mundo cujo sistema
econômico e social lhes parece incômodo.
O argentino Santiago (Esteban Feune de Colombi) é um jovem do Terceiro Mundo (será que
ainda podemos usar esse termo?) que foi fazer a vida trabalhando num banco em
Nova York e, insatisfeito e desorientado espiritualmente, decide ir ao Uruguai
tomar posse de um terreno deixado por seus falecidos pais. A belga Juliette (Jill Mulleady) também não encontra seu
próprio espaço no mundo e abandona a Europa (logo, o “Primeiro Mundo”) para ir
procurar uma antiga paixão que mora numa comunidade hippie no país
sulamericano.
Os dois
se encontram casualmente e Santiago oferece carona, já que irão para lugares
próximos. Ambos não se comunicam através da língua materna, já que ele não fala
francês e ela mal entende espanhol. A solução é adotar o idioma universal, o
inglês. É a identidade colocada em xeque: a todo momento, Juliette tira um
sarro da cara de Santiago e questiona como um argentino pode ter saído tão
“laranja”, devido aos traços ruivos.
Trata-se,
então, de um road movie curioso: o local pelo qual os protagonistas
percorrerão não é seu país de origem, como acontece usualmente neste tipo de
filmes, que costumam misturar a identidade nacional com a individual. O
interior do Uruguai com suas belas paisagens e cultura própria será explorado
pelos dois viajantes e Braun utiliza-se de uma linguagem documental para
apresentá-lo ao público, como a câmera na mão e os enquadramentos fechados,
destacando ações simples, como um carinho no gato realizado por Juliette, por
exemplo.
Essa
cara de documentário fica evidente conforme vão entrando em cena personagens
aparentemente reais, como o trovador que tem mais de 100 anos, o fazendeiro que
não cobra pela gasolina emprestada ou o senhor que apresenta o Rio da Prata a Santiago (e ao público).
A atriz brasileira Guilhermina Guinle,
irmã do diretor, faz uma ponta e quase rouba a cena como um antigo caso de
Santiago. O protagonista literalmente entrevista essas figuras curiosas e esse
interessante clima de realidade e ficção só fica exagerado com a dispensável
participação da modelo Naomi Campbell como
ela mesma, fazendo uma denúncia de racismo no mundo da moda.
Que
fique bem claro, no entanto, que Além da
Estrada é ficção, aliás um belo romance que, guardadas as devidas
proporções, tem um casal que lembra um pouco Ethan Hawke e Julie Delpy em
Antes
do Amanhecer, de Richard
Linklater. O argentino Feune de Colombi é muito carismático e a belga Jill
Mulleady mistura em sua beleza inocência e atitude cool.
Ainda
que não seja 100% nacional, é sempre bom ver uma produção que foge da
padronização e ousa na linguagem e no tema feita por um brasileiro. Além da Estrada” é composto por
belíssimas imagens de um país vizinho que, nós, brasileiros, mal conhecemos,
apesar de termos muitas semelhanças. Há também interessantes cenas metafóricas,
como a casa hippie em construção ou a ponte inacabada, que será substituída por
outra.
Imagens
que remetem aos personagens e, porque não, à atual juventude, paralisada e
desmotivada de ideais políticos. Juliette sai da Europa porque não quer ser só
uma engrenagenzinha da máquina capitalista e Santiago desdenha da comunidade
alternativa, mas ele também abandonou o banco em Nova York – símbolo maior da atual
crise financeira e da desilusão do american
dream. Nenhum dos dois personagens quer mudar o mundo, nem o sistema, nem o
próprio país. Querem mudar a si mesmos, olhar para dentro e conhecer quem
realmente são – e isso não é menos importante quanto o ato de politizar-se.
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