domingo, 11 de setembro de 2011

ALÉM DA ESTRADA - Crítica


Charly Braun faz ótima estreia em longa-metragem 

Após dois curtas-metragens (Quero Ser Jack White e Do Mundo Não se Leva Nada) e dirigir o making of de alguns filmes brasileiros como O Cheiro do Ralo e Última Parada 174, o jovem diretor Charly Braun faz ótima estreia em longa-metragem com Além da Estrada – vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio em 2010 e de Melhor Filme (júri popular) no St. Petersburg International Kinoforum, na Rússia, este ano.

Além da Estrada é um filme que representa muito bem nosso tempo, como a globalização e a proximidade entre as culturas: é uma co-produção entre Brasil e Uruguai, cujo protagonistas são um argentino e uma belga, e o idioma varia entre o inglês e o espanhol. Mas essa contemporaneidade não está apenas atrás das câmeras, mas principalmente na história, que traz jovens adultos realizando uma busca pela própria identidade num mundo cujo sistema econômico e social lhes parece incômodo.

 O argentino Santiago (Esteban Feune de Colombi) é um jovem do Terceiro Mundo (será que ainda podemos usar esse termo?) que foi fazer a vida trabalhando num banco em Nova York e, insatisfeito e desorientado espiritualmente, decide ir ao Uruguai tomar posse de um terreno deixado por seus falecidos pais. A belga Juliette (Jill Mulleady) também não encontra seu próprio espaço no mundo e abandona a Europa (logo, o “Primeiro Mundo”) para ir procurar uma antiga paixão que mora numa comunidade hippie no país sulamericano.

Os dois se encontram casualmente e Santiago oferece carona, já que irão para lugares próximos. Ambos não se comunicam através da língua materna, já que ele não fala francês e ela mal entende espanhol. A solução é adotar o idioma universal, o inglês. É a identidade colocada em xeque: a todo momento, Juliette tira um sarro da cara de Santiago e questiona como um argentino pode ter saído tão “laranja”, devido aos traços ruivos.

Trata-se, então, de um road movie curioso: o local pelo qual os protagonistas percorrerão não é seu país de origem, como acontece usualmente neste tipo de filmes, que costumam misturar a identidade nacional com a individual. O interior do Uruguai com suas belas paisagens e cultura própria será explorado pelos dois viajantes e Braun utiliza-se de uma linguagem documental para apresentá-lo ao público, como a câmera na mão e os enquadramentos fechados, destacando ações simples, como um carinho no gato realizado por Juliette, por exemplo.

Essa cara de documentário fica evidente conforme vão entrando em cena personagens aparentemente reais, como o trovador que tem mais de 100 anos, o fazendeiro que não cobra pela gasolina emprestada ou o senhor que apresenta o Rio da Prata a Santiago (e ao público). A atriz brasileira Guilhermina Guinle, irmã do diretor, faz uma ponta e quase rouba a cena como um antigo caso de Santiago. O protagonista literalmente entrevista essas figuras curiosas e esse interessante clima de realidade e ficção só fica exagerado com a dispensável participação da modelo Naomi Campbell como ela mesma, fazendo uma denúncia de racismo no mundo da moda.

Que fique bem claro, no entanto, que Além da Estrada é ficção, aliás um belo romance que, guardadas as devidas proporções, tem um casal que lembra um pouco Ethan Hawke e Julie Delpy em Antes do Amanhecer, de Richard Linklater. O argentino Feune de Colombi é muito carismático e a belga Jill Mulleady mistura em sua beleza inocência e atitude cool.

Ainda que não seja 100% nacional, é sempre bom ver uma produção que foge da padronização e ousa na linguagem e no tema feita por um brasileiro. Além da Estrada” é composto por belíssimas imagens de um país vizinho que, nós, brasileiros, mal conhecemos, apesar de termos muitas semelhanças. Há também interessantes cenas metafóricas, como a casa hippie em construção ou a ponte inacabada, que será substituída por outra.

Imagens que remetem aos personagens e, porque não, à atual juventude, paralisada e desmotivada de ideais políticos. Juliette sai da Europa porque não quer ser só uma engrenagenzinha da máquina capitalista e Santiago desdenha da comunidade alternativa, mas ele também abandonou o banco em Nova York – símbolo maior da atual crise financeira e da desilusão do american dream. Nenhum dos dois personagens quer mudar o mundo, nem o sistema, nem o próprio país. Querem mudar a si mesmos, olhar para dentro e conhecer quem realmente são – e isso não é menos importante quanto o ato de politizar-se.


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