Atenção: esse texto está repleto de spoilers sobre toda a filmografia do diretor: Following, Amnésia, Insônia, Batman Begins, O Grande Truque, O Cavaleiro das Trevas e A Origem
Qual
diretor de cinema não gostaria de manter sua visão autoral sobre seus filmes e
ainda assim conseguir orçamentos milionários para realizá-los? E quantos
cineastas entregam obras inteligentes, instigantes e que faturam rios de
dinheiros pelo mundo todo? Christopher Nolan é, hoje, uma espécie rara em Hollywood:
alguém que conseguiu ingressar na indústria cultural, porém manteve com pulso
firme e estilo sua visão de cinema. É claro que existe uma explicação muito
simples para isso: seus filmes dão lucro.
Seu
maior sucesso atualmente é Batman – O
Cavaleiro das Trevas, que ultrapassou a casa do bilhão de dólares. Para
quem acha que o resultado nas bilheterias se deve à conhecida franquia do Homem-Morcego,
basta verificar que seu filme mais recente, A
Origem, não é uma adaptação de outra obra, mas uma história criada pelo
próprio diretor, e as cifras bateram US$ 810 milhões. É curioso notar que foi
somente após essas duas megaproduções que o grande público começou a descobrir
sua filmografia, que inclui O Grande
Truque, Batman Begins, Insônia, Amnésia e Following.
Nascido
em Londres (Inglaterra) em 30 de julho de 1970, Christopher Johnathan James Nolan
é filho de uma americana comissária de bordo e um publicitário inglês. Como é
frequente na história de grandes cineastas, Nolan começou a fazer filmes ainda
criança, já que tinha acesso à câmera Super-8 do pai. Aos 19 anos, conheceu Emma
Thomas, sua futura esposa e produtora de seus filmes. Ao ingressar na
Universidade de Londres, estudou Literatura Inglesa, mas sem deixar o cinema de
lado: foi lá que começou a realizar seus primeiros curtas-metragens.
E já
é possível identificar no curta Doodlebug,
de 1997, algumas das características cinematográficas que percorrerão a
carreira de Nolan, como o conceito de caça e caçador, a obsessão e o desafio
mental. Assista:
Como se vê, Nolan já propunha jogos
enigmáticos desde o começo da carreira, marcada por histórias com reviravoltas
e desfechos surpreendentes. “Gosto de filmes que ficam girando em sua cabeça
depois de você os assistir. Espero que as pessoas saiam do cinema tendo se
divertido com a história, mas que também tenham ressonâncias e ideias
interessantes para pensar”, explicou o diretor.
É interessante observar que há elementos
extremamente frequentes em sua filmografia, como o caráter nem sempre admirável
de seus protagonistas. Seus personagens são moral ou eticamente questionáveis,
que erram e chegam a cometer crimes para alcançar seus objetivos.
Basta dar uma rápida olhada em seus filmes: em
Following, seu protagonista se
envolve com um ladrão e passa a acompanhá-lo nos delitos; em Amnésia, Leonard Shelby mata diversas
pessoas em busca da vingança pela morte da mulher; em Insônia, Will Dormer mata o colega policial para livrar-se da
investigação da corregedoria; no retorno de Batman aos cinemas, Bruce Wayne
está mais sombrio e agressivo do que nas versões anteriores, quebrando ossos e
invadindo a privacidade dos moradores de Gotham
City; os mágicos de O Grande Truque
sujam as mãos para serem insuperáveis; e o personagem de Leonardo DiCaprio em A Origem invade a mente das pessoas para
roubar ou implantar ideias.
É importante observar outra marca de Nolan:
muitos de seus filmes trazem a morte de uma mulher como catalisadora da
história, geralmente provocando o sentimento de culpa no herói: em Amnésia, o protagonista precisa se
esquecer de que matou a própria esposa; se em Batman Begins Bruce Wayne torna-se um mascarado por sentir-se
culpado pela morte dos pais, em O
Cavaleiro das Trevas ele culpa-se pela morte da colega Rachel Dawes; já a
morte acidental de sua mulher, causada pelo colega de palco interpretado por Christian
Bale, provoca a ira e o sentimento de vingança no mágico vivido por Hugh Jackman
em O Grande Truque; e é a culpa pela
morte da esposa que atormenta Dom Cobb em A
Origem. Cobb, aliás, é também o nome do protagonista do primeiro longa-metragem de Nolan, o noir Following.
Following - 1998
Filmado em preto
e branco em Londres nos finais de semana de 1998 e com a ajuda dos amigos da
universidade, a produção teve um custo baixíssimo: US$ 6.000. A história – criada
pelo próprio Nolan e que deixaria Alfred Hitchcock orgulhoso – é narrada por Bill
(Jeremy Theobald, que protagoniza o curta Doodlebug),
um escritor que segue aleatoriamente pessoas nas ruas em busca de inspiração
para seus livros.
Numa dessas pesquisas, ele acaba conhecendo Cobb (Alex Haw), um ladrão que invade a casa de estranhos não para roubar objetos de valor, mas pertences pessoais das vítimas. O ladrão garante que a ideia é causar estranheza nos sujeitos furtados, que nem se dão conta das posses que têm. Mas, ao final do filme, o espectador descobre junto com Bill que o objetivo era outro.
A reviravolta no roteiro, que se tornará uma
marca de Nolan, é surpreendente, principalmente devido à sua montagem não linear
– outro recurso que será muito utilizado pelo diretor nas futuras produções. Em
Following, as cenas estão fora de
ordem por uma função narrativa: a de deixar o espectador tão confuso e perdido
quanto o personagem Bill, que levará um golpe. Aliás, a utilização da montagem
para confundir o público foi repetida em seu filme seguinte, que o catapultou
para os holofotes: Amnésia.
Amnésia
(Memento) - 2000
Mais do que lucro nas bilheterias (faturou 40
mil dólares, lembrando que custou 6 mil), Following
rendeu a Nolan uma boa visibilidade nos festivais pelo qual passou, inclusive
levando alguns prêmios. O diretor sentiu que era hora de sair do Reino Unido e
explorar a capital do cinema, Hollywood. E fez isso da melhor forma possível ao
surpreender a crítica especializada no ano 2000 com Amnésia, um filme contado de trás para frente, começando pelo fim e
terminando no começo da história. É claro que o recurso não era exatamente uma
novidade – até o seriado televisivo Seinfeld
já havia utilizado a ideia –, mas a produção chamava a atenção pela
engenhosidade do roteiro e da montagem, muito bem orquestrados por esse diretor
até então desconhecido.
Nolan
teve ainda a sorte de trabalhar com Carrie-Anne Moss e Joe Pantoliano, dois
atores que haviam acabado de sair de Matrix,
um dos maiores fenômenos cinematográficos da história. Com um orçamento
medíocre para os padrões hollywoodianos (cerca de US$ 5 milhões), Amnésia estreou em poucas salas, mas
chamou atenção da crítica nos festivais. O público também aprovou e divulgou o longa
na base do boca a boca, o que aumentou o número de cópias nos Estados Unidos e
o fez permanecer em cartaz por mais tempo, além de levar a produção a estrear
em outros países. O resultado foi algo próximo de 25 milhões de dólares só nas
bilheterias americanas e mais 15 milhões no exterior.
“Fizemos
um longa modesto, para um público que gosta dos desafios de um thriller
psicológico noir. A ideia é colocar a
plateia num estado de confusão mental similar ao do personagem principal. Mas o
filme acabou crescendo e foi visto por muito mais gente do que eu imaginei”,
comemorou Nolan. Todos queriam conferir a história de Leonard Shelby (Guy
Pearce), um investigador de seguros que não consegue armazenar novas memórias
por mais do que alguns minutos e precisa anotar tudo o que se passa em sua vida.
Até para atividades cotidianas, como beber água ou saber qual é o seu carro,
ele precisa deixar lembretes para si próprio, com as instruções – por isso, o
título original, Memento.
Seu
distúrbio surgiu após um golpe que levou na cabeça durante um assalto em sua
casa. Além de perder a memória, sua mulher (Jorja Fox, da série televisiva CSI) é violentada e assassinada. Em
busca de vingança, Leonard vai atrás dos responsáveis, porém, para não se
confundir e se esquecer das pistas que vai coletando durante sua investigação,
ele tatua no próprio corpo as informações mais importantes, além de sempre
andar com uma máquina fotográfica instantânea. Desta forma, ele tira fotos das
pessoas com que se relacionada durante o trajeto – como a bartender Natalie (Carrie-Anne) e o policial Teddy (Pantoliano).
Nolan
escreveu o roteiro de Amnésia – aliás,
título nacional extremamente equivocado, já que o próprio personagem afirma por
mais de uma vez que não sofre desse mal, afinal ele se lembra do seu passado,
só não consegue memorizar informações novas – a partir do conto criado pelo seu
irmão Jonathan Nolan, intitulado Memento
Mori (clique
aqui
para ler o texto, em inglês). O trabalho foi indicado ao Oscar, assim como a
espetacular montagem de Dody Dorn, que faz com que o público sinta a mesma
agonia que o protagonista, afinal as cenas vão aparecendo de forma embaralhada,
sempre retornando ao ponto onde a anterior tinha começado. Desta forma, o
espectador lembra-se que já viu aquela cena, e precisa utilizar sua memória para
montar o quebra-cabeça.
Quando
chegou em DVD, a edição brasileira veio com um bônus exclusivo: nos extras,
havia a opção de assistir ao filme em sua ordem cronológica “correta”. É claro
que estraga o charme, mas comprova a qualidade do roteiro e da sua montagem
engenhosa.
Amnésia
também marcou um dos cacoetes mais utilizados por Nolan em seus filmes: o uso
de flashbacks silenciosos para representar memórias intimistas – recurso que
retornará em todas as produções. Foi neste filme, também, que o cineasta firmou parceria
com o diretor de fotografia Wally Pfister, que o acompanhará nos futuros
trabalhos. Aliás, foi justamente a fotografia um dos destaques do filme
seguinte de Nolan, Insônia.
Com
o sucesso de público e de crítica de Amnésia,
seria inevitável o ingresso de Christopher Nolan ao studio system e o diretor não pensou duas vezes, afinal qual cineasta
não gostaria de ter em seu elenco principal três ganhadores do Oscar? Al Pacino
(Perfume de Mulher), Robin
Williams (Gênio Indomável)
e Hilary Swank (Meninos Não Choram e
Menina de Ouro) estrelam Insônia em 2002, uma refilmagem de um
longa-metragem homônimo norueguês de 1997, dirigido por Erik Skjoldbjærg (Geração Prozac).
Agora com um grande orçamento (US$ 46
milhões), nomes fortes envolvidos na produção (George Clooney e Steven
Soderbergh) e distribuído por um estúdio gigante (Warner Bros.), Nolan não
apresenta novidades linguísticas e entrega um thriller tradicional, até porque
trata-se de um remake, com roteiro
pronto e história padrão. É, de fato, o trabalho mais fraco de sua filmografia,
mas acima da média se comparado à grande maioria dos filmes produzidos em
Hollywood.
Mas é possível identificar em Insônia temas caros ao diretor, como personagens
de caráter dúbio, o sentimento de culpa e o embate psicológico entre herói e antagonista.
Pacino interpreta Will Dormer, um policial de Los Angeles que está sendo
investigado pela corregedoria por manipulação de evidências contra criminosos.
Ele e seu parceiro Hap Eckhart (Martin Donovan) são enviados ao Alasca para resolver
um caso de assassinato de uma garota local e, durante a perseguição a um
suspeito, Dormer mata acidentalmente o próprio colega, já que o ambiente estava
todo encoberto por uma forte névoa.
Acontece que o tiro pode não ter sido
acidental, afinal pouco antes Eckhart havia dito a Dormer que iria colaborar
com a corregedoria sobre a investigação da qual eram alvos. Para piorar, o
criminoso Walter Finch (Williams) presenciou a cena do tiro e passa a
chantagear e a torturar mentalmente o policial. Como se não bastasse, a cidade
de Nightmute está sob o fenômeno do “Sol da Meia-Noite”, período em que o dia
dura praticamente 24 horas. A intensidade da luz solar impede o sono de Dormer,
no entanto também se trata de uma metáfora sobre o sentimento de culpa e
arrependimento pelo “incidente” com o colega morto.
Insônia
ganhou elogios da crítica pela fotografia, direção firme e interpretações, e
foi bem na bilheteria, faturando quase 70 milhões de dólares. Mas ficou claro que
Nolan topou o trabalho como porta de entrada da indústria. Assim que concluiu Insônia, reuniu-se novamente com os
executivos da Warner para apresentar um projeto pessoal: a cinebiografia do
lendário Howard Hughes, milionário que atuava na área da aviação e do cinema –
e sofria de transtorno obsessivo-compulsivo. Desistiu da ideia, porém, ao
saber que Martin Scorsese já estava produzindo um filme sobre Hughes (O Aviador, com Leonardo DiCaprio).
O estúdio, no entanto, ofereceu a Nolan a
possibilidade de retratar a vida de outro milionário excêntrico: Bruce Wayne.
Ou melhor, Batman.
Batman
Begins - 2005
Quando
os executivos da Warner perguntaram quais seriam as ideias do diretor caso
comandasse um filme do Homem-Morcego, sua resposta foi: “Ele é o mais humano
dos super-heróis, não tem nenhum superpoder a não ser que você considere a sua
extraordinária conta bancária. Acho que isso o torna mais identificável, porque
ele tem impulsos humanos e é levado por instintos mais sombrios, mas tenta
transformar isso em algo positivo”. Ou seja, era tudo o que os produtores
queriam ouvir, uma história focada no homem por trás da máscara, com um foco
realista, bem diferente dos resultados apresentados nos dois longas anteriores,
Batman Eternamente (1995) e Batman e Robin (1997).
Os
filmes dirigidos por Joel Schumacher afundaram uma franquia milionária e o
estúdio sentia que já estava na hora resgatar o personagem no cinema,
aproveitando a virada do século. A solução, então, foi esquecer tudo o que veio
antes, inclusive os trabalhos de Tim Burton (Batman, de 1989, e Batman – O
Retorno, de 1992). A proposta de Nolan foi fazer um filme de origem,
mostrando o que levou um playboy a sair à noite vestido de morcego e capturar
bandidos. Mas havia um problema: o cineasta nunca havia lido uma história em
quadrinhos antes.
O
jeito foi recorrer à ajuda do roteirista e escritor de HQs David S. Goyer, que
chegou a recusar a oferta por estar se preparando para dirigir o longa Blade Trinity. No entanto, Goyer
percebeu que esta era uma oportunidade de ouro e acabou aceitando o chamado de
Nolan: “Sempre quis fazer um filme de Batman, me lembro de dizer à minha mãe
que eu estava indo à Hollywood para fazer um filme dele. Esperei aquela ligação
minha vida toda”.
A
partir de 2003, Nolan e Goyer trancaram-se na garagem do diretor inglês para
trocar ideias e pesquisar o personagem até que chegassem a uma boa história. O
resultado foi um roteiro inspirado em três séries de grande importância na
mitologia do Homem-Morcego: Batman: Ano
Um (de Frank Miller e David Mazzucchelli), The Man Who Falls (de Dennis O'Neil e Dick Giordano) e O Longo Dia das Bruxas (de Jeph Loeb e
Tim Sale).
Com
o texto pronto – e sob o título de “Intimidation Game”, para não gerar boatos
–, Nolan convenceu os executivos da Warner a irem à sua casa ler o roteiro,
evitando desta forma que o projeto passasse por terceiros, o que manteve o
sigilo. A aprovação foi imediata, com um orçamento de 120 milhões de dólares.
Chegou a vez, então, do desenhista de produção Nathan Crowley ficar trancado na
garagem do diretor para desenvolver o visual realista de tudo o que seria usado
por Batman no filme, desde seu uniforme (que mescla uma roupa de espião com
armadura militar), passando pelos gadgets
disponíveis no cinto de utilidades e, principalmente, o Batmóvel – uma
mistura de Lamborghini e tanque de guerra.
Na
história, Bruce Wayne (Christian Bale) é um milionário que vê Gotham City cada
vez mais mergulhada na corrupção e decide viajar ao Oriente para exorcizar os
demônios que o atormentam, descobrir sua própria personalidade e desenvolver
habilidades marciais. Quando passa a discordar dos valores éticos da seita
secreta Liga das Sombras, liderada por Ra's al Ghul (Ken
Watanabe/ Liam Neeson), Wayne decide que é hora de retornar à sua cidade natal,
agindo como um vigilante mascarado. A fobia de morcegos (que desenvolveu quando
era criança, após cair numa caverna localizada próxima à sua mansão) inspirou a
escolha por seu símbolo e uniforme. “Por que morcegos, Sr. Wayne?”, questiona o
mordomo Alfred (Michael Caine). “Morcegos me assustam. É hora dos meus inimigos
partilharem desse pavor”.
Agindo
como Batman, o herói passa a combater a corrupção que tomou conta das
instituições públicas ao mesmo tempo em que precisa enfrentar o Espantalho (Cillian
Murphy), um psiquiatra que desenvolveu um gás que provoca medo nas pessoas, e a
Liga das Sombras, que planeja destruir Gotham para refunda-la. O mais impressionante em Batman Begins é a seriedade e o cuidado que Nolan e Goyer tiveram com o desenvolvimento de Bruce Wayne, permitindo ao roteiro aprofundar suas motivações e sentimentos, sem qualquer pressa em mostrar a primeira aparição de Batman já uniformizado. O estilo gótico de Burton e o carnaval colorido de Schumacher foram substituídos por um realismo impressionante, fazendo o espectador acreditar que seria possível, sim, a existência do personagem. E, se você acredita, você se importa.
É interessante,
também, observar a relevância que Nolan deu à questão do medo no filme: além de
inspirar Bruce Wayne e servir como arma para o Espantalho, o sentimento é
constantemente citado pelos personagens – a palavra aparece por mais de 30
vezes durante as falas. Não é à toa: é claro que o medo sempre fez parte do
universo de Batman, mas nunca havia sido explorado desta forma nos filmes
anteriores, o que leva a crer que o clima político pelo qual passavam os
americanos na época da elaboração do longa influenciou o cineasta. Vale lembrar
que Nolan começou a desenvolver o projeto em 2003, quando os Estados Unidos
ainda viviam uma sensação de medo após o 11 de Setembro e o ex-presidente
George Bush estava em plena campanha midiática com sua “Guerra ao Terror”,
relacionando Osama bin Laden a Saddam Hussein.
Tudo
isso num blockbuster de verão? Numa
franquia que envolve bilhões de dólares e geralmente está mais preocupada em merchandising, licenciamento e venda de
bonequinhos? “Estou muito feliz com tudo o que consegui fazer. Realizei o filme
que disse que faria, eu o fiz da forma como eu queria. Não há um frame no filme
que não seja meu, e isso é muito satisfatório, do ponto de vista criativo”. Essa
foi a grande lição aprendida pelos produtores e pelo estúdio após o equivocado Batman e Robin, cujo estrago foi tão
grande que o próprio Joel Schumacher pediu desculpas pelo resultado! É serio, assista:
Batman
Begins foi lançado em 2005 e faturou mais de 370 milhões de
dólares só em bilheteria – sem contar produtos licenciados em todo o mundo e
venda de DVDs. A crítica também aprovou e a produção até conquistou uma
indicação ao Oscar, pela fotografia de Wally Pfister. A conservadora Academia
de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood indicando um filme de
super-herói? Nolan fez mágica.
O Grande Truque (The Prestige) - 2006
O final de Batman Begins deixava claro que o vilão do próximo longa seria o
Coringa e as expectativas foram às nuvens. O caminho natural seria partir
direto para a sequência, aproveitando a boa aceitação da crítica e o hype do público, mas Nolan tinha outros
planos: ele queria filmar um roteiro escrito por ele e seu irmão chamado O Grande Truque, sobre a rivalidade
mortal entre dois mágicos durante a virada do século XX. “Quando a Warner me
ofereceu Batman Begins, esse projeto
ficou em segundo plano, pois eu não costumo trabalhar em múltiplos filmes
simultaneamente”, declarou o inglês que, com a moral em alta, conseguiu
financiamento para este projeto pessoal antes de mergulhar novamente no
universo do Homem-Morcego.
Com um orçamento de US$ 40 milhões e baseado
no livro homônimo escrito por Christopher Priest, O Grande Truque mostra a história de Robert Angier (Hugh Jackman) e
Alfred Borden (Christian Bale), mágicos amigos que, após a morte acidental da
esposa de um deles durante a apresentação de um truque, tornam-se inimigos
pessoais e rivais de profissão. Cada mágico tentará desenvolver o truque mais
impressionante ao mesmo tempo em que tentam sabotar a apresentação do
adversário.
Nolan volta a entregar um roteiro
extremamente elaborado e uma montagem não-linear, começando o filme com a morte
de Angier (Jackman). Conforme as cenas
vão aparecendo na tela, a cronologia vai se montando e o quebra-cabeça se
completa novamente com revelações surpreendentes sobre a moralidade dos
protagonistas. Assim como aconteceu em Amnésia,
é a morte de uma mulher que causará a obsessão de um personagem: Angier tentará
vingar-se do inimigo e superá-lo como mágico, nem que isso o leve a uma
tragédia inimaginável. Do outro lado, Borden (Bale) também é alguém tão
obsessivo com sua arte de iludir que comete sacrifícios que o tornam qualquer
coisa exceto um herói.
Mas,
se o ódio e a vingança dominam a primeira camada de O Grande Truque, é surpreendente verificar que, se analisado mais
atentamente, o longa mostra-se uma declaração de amor de Nolan ao cinema. “Para
mim, O Grande Truque é sobre fazer
filmes, é sobre o que eu faço. E também deve sugerir ao público certas ideias
sobre como o próprio filme está se desenrolando”, confessa Nolan.
O
diretor lembra que o cinema é justamente um herdeiro daqueles espetáculos de magia
que fizeram sucesso na Europa do final do século XIX: “Temos ferramentas mais
modernas, mas o resultado de nosso trabalho é o mesmo, entreter com uma ilusão
quase real”. A metalinguagem fica evidente quando ouvimos a narração do
personagem de Michael Caine explicar que um truque de mágica é dividido em três
partes – a Promessa, a Virada e o Grande Truque – assim como as histórias de um
longa-metragem são divididas em três atos.
Metalinguagem,
subjetividade, montagem não-linear que confunde em vez de deixar a narrativa
mais palatável, além de protagonistas com ações questionáveis. O resultado, que
poderia ser um fracasso de público, foi um total de US$ 109 milhões em
bilheteria e mais uma vez a presença de Nolan no Oscar: foram indicadas ao
prêmio a bela fotografia de Wally Pfister e a cuidadosa direção de arte de Nathan
Crowley e de Julie Ochipinti.
O
diretor inglês havia confirmado com o Grande
Truque que era possível contar histórias de forma ousada e sem as amarras
das fórmulas. O filme também serviu para Nolan reafirmar seu nome na indústria
como um diretor rentável, seja com um blockbuster
ou um projeto pessoal. Mas ainda faltava um clássico em sua filmografia.
Batman – O Cavaleiro das Trevas (The
Dark Knight) - 2008
No final de Batman Begins, Gordon questiona o Homem-Morcego sobre como eles
enfrentarão a escalada da violência (“Nós compramos semi-automática, os
bandidos passam a usar pistolas automáticas; nós usamos coletes à prova de
balas e eles passam a usar munição perfurizantes de Kevlar; surge você, um
herói mascarado, agora aparece bandidos fantasiados”). Era um recado claro de
Nolan, avisando que a escala do próximo filme seria potencializada. O que os
fãs da HQ, os admiradores de cinema e os próprios críticos não esperavam era a
proporção que tomaria O Cavaleiro das Trevas,
produção considerada por muitos o melhor filme sobre um super-herói.
De fato, tudo foi elevado a outro nível,
desde o orçamento, que ultrapassou os 180 milhões de dólares, passando por uma
ação de marketing viral nunca antes vista (com campanhas virtuais e ações
presenciais em diversos países, inclusive o Brasil) até filmagens ambiciosas, com cenas gravadas
exclusivamente em IMAX – uma película com maior capacidade de resolução e que
permite a projeção em telas gigantes.
Mais uma vez trabalhando no roteiro ao lado
do irmão Jonathan, a partir de um argumento elaborado em parceria com David S.
Goyer, Nolan entrega um filme que ultrapassa os limites de uma história de um
personagem de HQ, colocando O Cavaleiro
das Trevas no mesmo nível de clássicos policiais como Fogo Contra Fogo ou sobre a máfia, como um O Poderoso Chefão. “Tentamos provar que existe liberdade no
trabalho com personagens que o público tem uma relação. Este filme é a história
de uma cidade, é um épico criminal”, conclui o diretor, que ainda explica uma
das decisões mais acertadas sobre a maior atração da sequência: “Queríamos lidar
com a ascensão do Coringa, não com a sua origem”.
E é assim mesmo, sem informações
complementares, que somos apresentados ao vilão, visceralmente interpretado por
Heath Ledger – nos obrigando a esquecer da performance de Jack Nicholson no
filme de 1989 (que era considerada perfeita, vale lembrar). Inicialmente um
simples bandido assaltante de bancos, o Coringa torna-se com o passar dos
minutos um terrorista sem ideais, alguém que se classifica como o símbolo da
anarquia. Seu propósito é despertar o que há de pior no ser humano e mostrar
que qualquer pessoa pode abandonar as questões éticas tão valorizadas pela
civilização, desde que seja incentivada da forma “correta”. Para comprovar seus
objetivos, ele realiza diversos “estudos sociais”, como na clássica cena na
qual ele explode um hospital ou quando ameaça detonar as barcas, no final do
filme. “Explodimos muitas coisas. Eu disse para Chris Corbould (supervisor de
efeitos especiais), no início do filme, que queria explodir mais coisas do que
já haviam explodido antes”, assume Christopher Nolan.
O Coringa acaba matando a promotora
assistente Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, que substitui Katie
Holmes) e provocando a transformação de Harvey Dent (Aaron Eckhart), o promotor
público moralmente correto e que simbolizava a esperança de Gotham, no vilão Duas-Caras.
O caos proposto pelo terrorista inconsequente leva Batman a questionar as
próprias ações, num primeiro momento, e a praticar atos questionáveis, como
invadir a privacidade da população por meio de um aparelho tecnológico.
Mais uma vez, Nolan explora as obsessões
humanas e suas consequências, tanto pelos olhos de Bruce Wayne (Bale) quanto
pelo de Dent. Estes dois personagens também apresentam a dualidade entre o bem
e o mal, como já havia acontecido com os protagonistas masculinos dos outros
filmes do diretor, como os mágicos de O
Grande Truque, o policial de Insônia
e o desmemoriado de Amnésia. E, mais
uma vez, a morte de uma mulher tem importância fundamental na história e no
desenvolvimento dos personagens.
Mas é curioso verificar que o próprio criador
de tudo isso nega o tom sombrio e carregado que cerca seus personagens. “Eu
realmente não penso os filmes numa oposição entre leve e sombrio. Fico surpreso,
especialmente com os dois filmes do Batman, que as pessoas achem que eles têm
um tom sombrio. Para mim, eles, na verdade, são muito otimistas e estão
realmente cheios de coisas que, eu acho, são emocionalmente positivas, tanto
quanto há coisas negativas. Acho que o equilíbrio entre negativo e positivo é
algo que eu realmente busco numa história.”
Seja como for, O Cavaleiro das Trevas é, sim, denso, tenso e violento, no entanto
o diretor soube driblar a censura americana ao não mostrar sangue na tela, garantindo a classificação “PG-13” – o que torna o filme acessível a um
público bem maior. O resultado foi espetacular, ultrapassando a marca de 1
bilhão de dólares no mundo todo.
O sucesso nas bilheterias é, claramente, uma
consequência da qualidade artística e técnica da obra, mas é inegável que a
campanha de marketing da Warner tem grande parcela de responsabilidade. Foram
organizadas dezenas de ações que divulgavam o filme, mesmo quando a produção
ainda estava em processo de filmagens: era possível se cadastrar no site da
campanha “I Believe in Harvey Dent” e acompanhar a ascensão política do promotor
público de Gotham; programas televisivos fictícios entrevistavam personagens do
filme; foram distribuídos celulares e fãs recebiam ligações telefônicas com
mensagens do Coringa; também era possível verificar os ataques e intervenções
do Palhaço do Crime por meio do site www.whysoserious.com, que
incentivava os internautas a reunirem-se em locais públicos pintados como o
personagem e postar as fotos na web. O site também criava charadas que, quando
resolvidas, entregavam informações exclusivas, como uma foto ou um trailer. No fim, ninguém nem percebeu a
ousadia do diretor em não colocar o nome “Batman” no título original (The Dark Knight).
Mas
nada foi mais chamativo do que a triste notícia da morte de Heath Ledger no dia
22 de janeiro de 2008. Aos 28 anos, o ator estava no auge da carreira,
participando de uma sequência de filmes que arrancou elogios da crítica, como o
caubói homossexual em O Segredo de
Brokeback Mountain (pelo qual foi indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar) e o
viciado em drogas em Candy. As
filmagens de O Cavaleiro das Trevas
já estavam encerradas, porém ele deixou um filme incompleto: O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus,
de Terry Gilliam. A composição de Ledger para o Coringa foi perfeita, dando
características próprias ao personagem tanto nos trejeitos mais evidentes, como
a voz ou o caminhar, quanto em ações sutis, como o olhar e a insistente passada
de língua pelas cicatrizes. Sua interpretação colocou o Coringa na galeria dos
vilões inesquecíveis da história do cinema e o Oscar póstumo foi mais do que
óbvio.
Além
da estatueta de Ator Coadjuvante, O
Cavaleiro das Trevas também conquistou o Oscar de Edição de Som, e foi
indicado a outras seis categorias (Direção de Arte, Edição, Efeitos Visuais, Fotografia, Maquiagem
e Mixagem de Som).
As
indicações ao Oscar e, principalmente, o astronômico rendimento nas bilheterias
foram o teste final para Christopher Nolan ingressar, enfim, na lista dos grandes
cineastas de Hollywood com poder de decisão sobre suas futuras obras. A Warner
queria o terceiro filme do Homem-Morcego, no entanto o inglês disse que toparia
com duas condições: a) que o estúdio esperasse mais uns meses até ele
desenvolver a história correta e b) financiamento para um projeto pessoal que
ele vem criando há anos.
Um
trabalho autoral com orçamento de blockbuster?
Para a grande maioria dos diretores de cinema, isso não passa de um sonho.
A Origem (Inception) - 2010
Ideias
originais, hoje, são algo raríssimo em Hollywood. Quase alienígena. Houve um
tempo em que nomes de celebridades eram sinônimos de grandes bilheterias, mas
fica cada vez mais claro que, atualmente, os estúdios vêm apostando em longas-metragens
baseados em personagens, sejam eles originados em livros, HQs, séries
televisivas, brinquedos ou mesmo de filmes anteriores. A explicação ao fenômeno
não é nenhum segredo: Hollywood funciona como uma indústria e, como tal, visa o
lucro. É muito mais seguro apostar em uma marca conhecida, que já possui
milhões de fãs ao redor do mundo, do que em uma história original, cuja
divulgação é mais difícil de se propagar e de convencer um público novo. Além
disso, personagens rendem produtos, marcas licenciadas – como bonequinhos,
mochilas, cadernos etc – que geram muito mais lucro do que o próprio filme em
si.
Na
lista das 15 maiores bilheterias da história do cinema, 13 são produções
baseadas em personagens já existentes. Estão entre elas, cinco filmes da saga Harry Potter, três da série Piratas do Caribe, além de Batman – O Cavaleiro das Trevas, Toy Story 3, Alice no País das Maravilhas, Transformes:
O Lado Oculto da Lua e Senhor dos
Anéis: O Retorno do Rei. Justamente os dois filmes que lideram a lista não
são adaptações ou continuações: Titanic
e Avatar, ambos de James Cameron.
Mas
em 2010, Christopher Nolan, que passou a ser conhecido do grande público após
“o filme do Coringa”, ousou levar aos cinemas uma história que ele mesmo havia
criado, e mais: era um longa-metragem que se passava no mundo dos sonhos, com
várias camadas de interpretação e um final dúbio. E não é que, apesar de passar
longe da fórmula “filme simples+história mastigada+final feliz”, A Origem foi um sucesso de bilheteria,
arrecadando mais de 800 milhões de dólares! O filme também foi reconhecido pela
Academia, com oito indicações ao Oscar – incluindo Melhor Filme – e empatou com
O Discurso do Rei nas premiações, com
quatro estatuetas (Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som e
Mixagem de Som).
“Acho
saudável que alguém como Chris consiga produzir uma ideia original nos dias de
hoje. A indústria está em um momento esquisito, talvez o público queria algo
para chacoalhar suas ideias”, cogitou o astro Leonardo DiCaprio, que
protagoniza o filme. No entanto, como é de praxe na carreira de Nolan, ele
minimizou a relevância da discussão sobre a questão das adaptações ou produções
originais: “A importância do material original é superestimada, em minha
opinião. Não importa se é uma continuação, um remake ou a adaptação de um livro. Nada disso é tão importante
quanto algumas pessoas pensam. O importante é fazer algo inovador desse
material.”
Nolan
pode falar com segurança sobre o assunto, afinal ele mesmo já realizou uma
refilmagem, uma adaptação de um livro e de um personagem ícone da cultura pop.
Mas é inegável que a crítica e uma parte considerável dos amantes do cinema vêm
clamando por menos sequências e adaptações e por mais filmes com histórias
originais. A Origem entregou o que
muitos desejavam há tempos e agradou tanto àqueles que exigem filmes que trazem
conceitos profundos quanto quem se satisfaz simplesmente com muitas cenas de
ação com explosões, tiros e personagens correndo para salvar suas vidas.
Agora
que era um cineasta reconhecido não só pela crítica, mas também pelo público, a
Warner não pensou duas vezes e cedeu US$ 160 milhões para Nolan contar a
história de Dom Cobb (DiCaprio), um sujeito que se especializou em entrar na
mente alheia e roubar suas ideias enquanto as vítimas estão dormindo. Cobb –
aliás, o mesmo sobrenome do ladrão de Following
– costuma prestar seus serviços para grandes industriais, mas recebe uma
proposta diferente do megaempresário Saito (Ken Watanabe): em vez de roubar,
ele deve implantar uma ideia na cabeça de seu concorrente, Robert Fischer
(Cillian Murphy), o futuro herdeiro de um império comercial.
Apesar de seu parceiro Arthur (Joseph
Gordon-Levitt) não acreditar na viabilidade de inserção de uma ideia – aliás o
título original é Inserção, e não a
péssima escolha da distribuidora –, Cobb sabe que é possível, sim, fazer o
implante de um pensamento, afinal ele já havia o feito anos antes com sua
própria esposa. Será preciso criar no mínimo três camadas de sonho para que a
ideia tenha início na parte mais profunda do subconsciente e, para realizar o
plano, Cobb monta uma equipe de especialistas. Porém todos correrão sérios
riscos devido a um trauma psicológico que perturba o líder dos ladrões.
A premissa, que por si só já é empolgante,
mostra-se extremamente eficaz na prática e os méritos são todos de Nolan, que
não subestimou a inteligência do público e entregou já nos primeiros minutos o
conceito de sonho dentro do sonho – algo que será vital no clímax do filme.
Apesar de a narrativa ser, mais uma vez, contada fora de ordem cronológica, em
nenhum momento o filme fica confuso – ao menos não involuntariamente. Os
segredos e suas soluções são entregues gradativamente, conforme vamos
acompanhando os perigos pelos quais vão sendo expostos os personagens.
A ideia já vinha martelando a cabeça do
cineasta há mais de dez anos, porém ele precisou esperar o momento certo para
apresentá-la a um estúdio, já que seria necessário um grande orçamento para filmá-la
– afinal tratava-se de uma história que se passava no mundo dos sonhos. “Me
perguntei o que aconteceria se a gente fosse mais fundo no estudo das barreiras
do que é real e do que acontece em nossa mente”, comentou Nolan, e completou:
“Mais do que isso, eu queria tornar o mundo dos sonhos real, palpável e que
pudesse interagir com quem o habitasse”. Uma espécie de fusão entre Matrix e a animação japonesa Paprika.
O
resultado foi uma bela mistura de blockbuster
e cinema autoral que, de certa forma, ecoa toda a filmografia do diretor. Há o
quebra-cabeças mental e enigmático de Following
e Amnésia, as questões morais e
éticas de Insônia e O Grande Truque, a ambiguidade e o
conflito interno das histórias de Batman e, como de praxe, a traumática morte
de uma mulher e a obsessão pela redenção.
Mas, além da questão conceitual, Emma Thomas,
esposa e produtora dos longas de Nolan, lembra que A Origem também concentra todas as experiências técnicas adquiridas
com as produções anteriores do marido: “Basicamente todos os outros filmes que
ele fez durante os anos foram o que este filme é agora. Nós fizemos muitas das
coisas que não podíamos fazer nos filmes do Batman, pelas limitações de
materiais ou o que seja. E muitas das coisas que nós aprendemos a fazer”.
Obviamente, essa liberdade sublinhada por
Emma Thomas está diretamente ligada ao grande orçamento do filme, que permitiu
ao diretor filmar todas as suas ideias – um luxo bastante restrito. “A Origem é um projeto que exigiu uma
abordagem em grande escala. Assim que você se envolve com a ideia do que a
mente humana pode imaginar, que tipo de mundo ela poderia criar, você quer ver
tudo isso em grande escala. Em O
Cavaleiro das Trevas, filmamos em três países diferentes. Para A Origem, filmamos em seis. Acho que
vivenciamos todos os extremos, de chuvas fortes a sol ardente, passando por
nevascas incríveis”, lembra Nolan.
Todos esses diferentes cenários citados pelo
diretor são utilizados numa das mais extensas cenas de ação do cinema moderno. Ao
criar três estágios de sonhos com duração de tempo diferentes, o cineasta
adiantou o clímax da história já no segundo ato – e não na última parte, como é
o comum –, colocando os personagens em perigo por muito mais tempo (e de três
formas diferentes!), o que aumenta a tensão e o apego dos espectadores pela
história. É claro que nada disso funcionaria se o público não tivesse comprado
a ideia. “Nolan sempre priorizou a criação de um espaço para achar a emoção
genuína na performance. Ele entende que não importa quão bacana pareça, se você
não acredita que são seres humanos passando por aquilo, é difícil se importar”,
conclui Joseph Gordon-Levitt. Obviamente, a espetacular trilha sonora de Hans
Zimmer e a belíssima fotografia Wally Pfister ajudam nesse processo.
Mas
se é um longa-metragem de Nolan, vale lembrar que é possível fazer várias
leituras de sua história e não é nenhum absurdo enxergar em A Origem mais uma homenagem do inglês ao
cinema, assim como já havia feito em O
Grande Truque. Desta forma, a equipe liderada pelo personagem de Leonardo
DiCaprio pode ser comparada com os principais responsáveis pelo processo de
criação de um filme: a arquiteta Ariadne (Ellen Page) tem a responsabilidade de
construir o mundo dos sonhos = roteirista; Arthur (Gordon-Levitt) realiza as
pesquisas dos projetos e resolve problemas administrativos e burocráticos = produtor
executivo; o químico Yusuf (Dileep Rao) cuida do medicamento que potencializa o
sono da vítima = equipe técnica; Saito (Watanabe) é o milionário que financia o
trabalho = estúdio; o falsificador Eames (Tom Hardy) imita o trejeito de outras
pessoas, se passando por elas e enganando a vítima = o ator; Cobb (DiCaprio)
coordena todas as ações da equipe = diretor; para que a ideia seja inserida na
mente de Fischer (Murphy) = público.
A
comparação não é nenhum absurdo se lembrarmos de que, quando sonhamos, vivenciamos
por algumas horas histórias pelas quais choramos, rimos e até sentimos medo –
quem nunca acordou suado e ofegante? Onde mais vivenciamos essa mesma
experiência se não numa enorme sala de cinema?
Tirando
Insônia, seu filme não autoral,
todas as obras de Nolan deixam o público pensando sobre a história após os
créditos e com A Origem não seria
diferente. No final das contas, Cobb está sonhando ou acordado? Ao escrever o
roteiro, o cineasta deixou pistas que levam a várias conclusões, como a questão
da aliança ser o totem do protagonista, e não o pião, ou referências nas cenas
que se passariam na “realidade” dar indícios de que Cobb ainda está dormindo,
como quando seu sogro, interpretado por Michael Caine, sugere que ele “volte
para a realidade”.
Talvez
a maior evidência seja o fato de Cobb nem se dar ao trabalho de olhar se o pião
irá cair ou não, pois prefere vivenciar finalmente o encontro com as crianças –
seja aquilo real ou não. Se pensarmos que ele está fadado a nunca mais ver os
filhos por ser acusado de matar a esposa (Marion Cotillard), não seria melhor
viver feliz por décadas, mesmo que, no final, seja tudo uma ilusão?
Quem
quiser saber mais sobre o universo de A
Origem pode ler uma HQ digital com uma história que precede os
acontecimentos do filme. Nela, Cobb é contratado pela Cobol Engeneering para
investigar os segredos de Saito, presidente da empresa rival. Acontece, aqui, a
ponte para o longa-metragem. A HQ
pode ser lida online ou baixada em formato PDF.
Bryan Singer pode ser considerado um dos
responsáveis pelo fenômeno da presença maciça de super-heróis nos cinemas
atualmente, afinal ele foi o diretor de X-Men,
em 2000. Mas é inegável que ele tenha escorregado feio em 2006 com Superman - O Retorno, filme que deveria
resgatar a franquia do Homem de Aço. Ao tentar realizar uma homenagem às duas
produções dirigidas por Richard Donner (que traziam um clima leve, romântico e
fantasioso), Singer entregou um longa-metragem completamente destoante das atuais
fitas de personagens de HQs, que procuravam ser o mais realista possível –
encabeçadas, obviamente, pelos novos filmes do Batman.
É claro que a Warner não poderia deixar uma
franquia lucrativa como Superman afundar novamente e não pensou duas vezes em
entregar o projeto de um novo filme nas mãos de Christopher Nolan, que atuará,
aqui, apenas como produtor, já que a direção ficou a cargo de Zack Snyder (300, Watchmen).
Nolan desenvolveu o argumento do filme em
parceria com David Goyer, responsável pelo roteiro. “Enquanto David e
eu conversávamos sobre a trama de um novo roteiro para Batman, há alguns anos,
ele comentou: ‘Aliás, acho que sei como você pode se aproximar do Superman’, e
ele me disse qual era a sua opinião sobre o herói. Foi a primeira vez que eu
enxerguei como poderíamos colocar o Superman em um contexto moderno”, explicou
o cineasta inglês. Snyder, que se diz fã do Homem de Aço, concorda que o grande
problema era justamente a definição de qual seria o lugar de Kal-El em nosso
mundo atual, e garante que a questão foi resolvida: “A razão por eu ter aceito
fazer o filme é que a ideia de Chris (Nolan) e David (Goyer) é sensacional.
Eles conseguiram encontrar o ‘porquê’”.
No entanto, a produção ainda está envolta de
mistérios e não há qualquer detalhe sobre a trama. Mas já caíram na rede fotos
das filmagens e a maior mudança no visual do herói foi confirmada: nada de
cueca vermelha por cima das calças (assim como na atual fase dos quadrinhos),
para alívio de muita gente. Jornalistas
que já tiveram a oportunidade de visitar o set de filmagens e
bater um papo com os produtores também garantem que o tom realista predomina no
novo filme do Homem de Aço.
Emma Thomas já avisou, porém, que Nolan não
está participando ativamente da realização do longa e a contribuição do inglês
limitou-se apenas a dar o pontapé inicial. Até porque seu marido está muito ocupado
com as filmagens do terceiro filme de Batman.
Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge
(The Dark Knight Rises) - 2012
“Sem entrar em nada muito específico, o
elemento que mais nos empolga sobre esse filme é a chance de encerrar nossa
história, vê-la como um desfecho. Não queremos inchar eternamente o balão,
expandindo essa história”. Com essas palavras, Nolan confirmou que Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge
é a conclusão da saga do Homem-Morcego sob seu comando. E como sugere o
primeiro teaser trailer, será uma
conclusão épica. Mais uma vez, a escala foi elevada e as primeiras fotos das
filmagens já mostram a presença de vários Tumblers
(o Batmóvel) nas mãos dos criminosos e Batman pilotando um Batwing (uma aeronave com design similar aos seus outros veículos)
pelas ruas de Gotham. O orçamento? Nada menos do que 250 milhões de dólares.
Depois da espetacular performance de Heath
Ledger como Coringa, Nolan declarou não sentir-se à vontade para encontrar um
substituto para o papel e optou por outros dois vilões de grande importância na
mitologia do Cavaleiro das Trevas: Mulher-Gato e Bane. R'as al Ghul, que
aparece em Batman Begins, retorna
agora numa versão jovem e suspeita-se que sua filha, Talia al Ghul, também dê as caras, mas não há nada
confirmado. Charada, por muito tempo cogitado como certo, foi ignorado por
Nolan.
Anne Hathaway foi escolhida para viver Selina Kyle/Mulher-Gato e as primeiras
imagens que caíram na internet causaram mais frustração do que satisfação: nada
de máscara felina ou colant hipersexy –
seu uniforme é uma roupa preta que lembra um traje de espião, complementado por
óculos de alta tecnologia – algo realista e coerente com o universo criado por
Nolan. Informações ainda não confirmadas sugerem que os óculos, quando
levantados e usados como tiara, lembram duas orelhas felinas.
No
entanto, vale lembrar também que mesmo o título “Mulher-Gato” não é usado oficialmente
pela produção, apenas o nome civil da personagem – Selina Kyle. Mas Anne
respondeu à intensa onda de críticas causadas pelas fotos não-oficiais, tiradas
por anônimos que conseguem se infiltrar nas filmagens: “É muito frustrante,
acho que todo mundo aqui se sente um pouco assim, porque essas fotos minam o
trabalho que está sendo feito. Mas ninguém está preocupado. Digo honestamente,
espere até ver o filme. Chris (Nolan) está fazendo coisas insanas. Mesmo a foto
da Mulher-Gato que ele soltou não é tudo. Aquilo é um décimo do que a roupa
representa”.
De
qualquer forma, o grande nome da conclusão da saga deve ser, de fato, Bane,
interpretado por Tom Hardy. A
primeira ação viral do filme, que aconteceu por meio do Twitter, deu um
pequeno vislumbre do que seria o visual do vilão. O mesmo aconteceu com o
primeiro teaser, divulgado nas cópias
de Harry Potter e as Relíquias da
Morte: Parte 2, que deixou claro que ele será a grande ameaça na
história. No vídeo, além de vermos o comissário Gordon acamado num hospital,
provavelmente depois de levar uma surra, temos um relance de Batman enfrentando
Bane e o herói aparece ofegante e exausto – para quem não é familiarizado com a
mitologia do Homem-Morcego, o brutamontes é responsável por quebrar a espinha
de Bruce Wayne na história A Queda do
Morcego.
Como
já é de se esperar, Hardy esquiva-se de qualquer pergunta sobre a possibilidade
de tal acontecimento se repetir neste terceiro filme: “Boa lembrança, mas tudo
que posso dizer é que Nolan tem um plano e não será nada decepcionante. É uma
escolha definitiva”. De qualquer forma, as primeiras imagens deixam claro que o
personagem foi levado a sério desta vez, diferente da versão de Schumacher em Batman e Robin, em que Bane não passava
de um gigante acéfalo. O próprio intérprete garante que todos os cuidados foram
tomados, desde suas motivações até detalhes como a influência do figurino na
composição do personagem: “Sempre que você coloca algo sobre a sua cara, você
adota uma personalidade e uma fisicalidade na hora de atuar. É algo que dá mais
liberdade durante a performance”.
Assim
como aconteceu na segunda parte do filme do Batman e em A Origem, O Cavaleiro das
Trevas Ressurge não será rodado em 3D, nem convertido após as filmagens (diferente
da grande maioria dos recentes blockbusters),
o que mostra o poder de decisão de Nolan frente ao estúdio. “Nós queremos que o
visual e o clima do filme sejam fiéis aos dois primeiros. O terceiro filme é o desfecho
de uma história e manter a consistência do que veio antes é o que importa”.
A
conclusão da saga de Batman pelas mãos de Christopher Nolan chega aos cinemas
brasileiros no dia 27 de julho de 2012, uma semana após estrear nos Estados
Unidos.
A
cinebiografia de Howard Hughes - 2014?
Após concluir a trilogia de Batman,
especula-se que Nolan volte suas atenções a um projeto adiado por anos: a
cinebiografia de Howard Hughes – cuja vida já foi retratada no cinema pelas
mãos de Scorsese em O Aviador. No
entanto, o filme de 2004 baseava-se no livro de Charles Higham, Howard Hughes: The Secret Life, que
cobria os acontecimentos sobre Hughes até o ano de 1947.
Porém, Nolan iria aprofundar-se justamente
nas décadas seguintes, quando o transtorno obsessivo-compulsivo do aviador, engenheiro,
empresário e cineasta o levou a adotar peculiaridades como comprar uma cadeia
de restaurantes no Texas para ter certeza dos ingredientes das refeições que
comia, cortar os cabelos e as unhas do pé apenas uma vez ao ano e só confiar em
mórmons. O roteiro teria como
base o livro Citizen Hughes: The Power,
the Money and the Madness, de Michael Drosnin.
Para um diretor que sempre abordou a obsessão
de seus personagens, é completamente compreensível a paixão de Nolan por Hughes
e seu TOC. Agora é esperar para ver a nova imersão do cineasta na complicada
mente humana e suas obsessões.
Excelente texto cara,não conhecia o blog,muito bom mesmo,agora...um detalhe que você disse me chamou atenção:
ResponderExcluir"Amnésia também marcou um dos cacoetes mais utilizados por Nolan em seus filmes: o uso de flashbacks silenciosos para representar memórias intimistas – recurso que retornará em todas as produções, exceto em O Cavaleiro das Trevas."
Eu ja tinha reparado nesses "flashbacks silenciosos"que ele adora usar,mas em O Cavaleiro das Trevas"tem um sim,na cena logo apos Harvey Dent ser queimado,ele esta no hospital despertando e vê sua moeda na mesa ao lado,nesse momento aparece Rachel segurando a moeda,corta pro Dent que grita(sem som)!
Verdade, cara. Já corrigi. Valeu!
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