sábado, 4 de junho de 2011

TONI VENTURI - ENTREVISTA


Estamos Juntos é o terceiro longa de ficção de Toni Venturi, um diretor que busca trazer questões sociais e políticas em suas produções. Com sete prêmios no Festival de Recife – inclusive o de melhor direção –, seu novo trabalho volta a tocar na questão do direito à moradia, como já havia feito com o documentário Dia de Festa. No entanto, o assunto é apenas o pano de fundo da história de uma jovem médica que tem os rumos de sua vida alterados ao descobrir ter uma doença grave.
  
Paulistano, o diretor sentiu-se satisfeito por poder usar sua cidade natal não apenas como cenário, mas também como personagem. “A ideia era falar dessa nossa metrópole louca, viva, cheia de problemas, com muitos mundos e tribos. Mas não acho que é um filme só de São Paulo. Essa história poderia se passar em Madri, Berlim, Nova Iorque, porque são questões da grande urbe, das diferenças dos encontros, e da solidão.”


                                            Quanto tempo levou o filme?
Dois anos. Começamos o trabalho em 2009, foi uma preparação carinhosa, lenta, para montar as locações e o elenco. Tivemos que esperar um pouco a Leandra Leal, que estava com uma peça na época, e a Dira Paes estava filmando a novela O Caminho das Índias, então houve uma logística para as disponibilidades do elenco. O projeto em si tem muito mais tempo, tem sete anos.



Então Estamos Juntos surgiu antes de Dia de Festa?
Ele já existia como roteiro, tinha até outro nome, “Antes da Noite”. A experiência com o documentário e a vivência com aquela realidade me marcaram muito do ponto de vista pessoal e, até hoje, mantenho contato, dou palestras, participo de mutirões com roupas de amigos que eu levo para as comunidades. Eu incorporei essa experiência, foi uma apropriação poética, colocada na narrativa de Estamos Juntos.


 Como está a expectativa para o lançamento do filme?

A construção de uma obra inédita é complicada. Quando se está adaptando uma obra literária já testada, um livro que a sociedade já curtiu, já gostou, você já parte de uma outra base, o inconsciente coletivo já está feito. Uma obra inédita como “Estamos Juntos” tem mil outros riscos, ela não é uma história já conhecida, não é baseada num fato real, a gente está descobrindo agora. Será que isso reverbera? O que o público vai achar? Essa é a nossa questão, estou nesse momento de espera, já que a crítica e o público vão dar sua opinião. Mas é um momento em que se completa um ciclo e isso é superbacana porque nós fazemos um filme para as pessoas e esperamos que elas gostem.


 Então esse é o momento mais tranquilo ou mais tenso do processo de construção de um filme?
Esse momento é muito tenso, mas já estou mais tranquilo depois de ter passado por Recife (em maio, Estamos Juntos conquistou sete prêmios no Festival de cinema de Recife), já senti que há um diálogo com o público, foi uma surpresa muito agradável, estou mais a vontade agora. Mas não seria sincero se dissesse que não estou tensíssimo com a estreia. Durante as filmagens, o meu set é muito tranquilo e concentrado, mas também é tenso. É meu primeiro filme com esse porte, teve situações com 140 figurantes. No set, é uma tensão criativa. Agora é diferente, é uma tensão de expectativa.
  
Como foi a escolha do elenco?
Fiquei muito feliz por ter conseguido o elenco que quis. Por isso até que nós esperamos, para que esse elenco se consumasse. É óbvio que a primeira pessoa a ser procurada foi a Leandra, e fiquei muita na expectativa enquanto ela não me desse um sim.  Eu já vinha acompanhando o trabalho do Cauã Reymond, assisti ao filme do Belmonte (José Eduardo Belmonte, diretor de Se Nada Mais der Certo) e vi o potencial deste ator. E assim por diante, é como montar um quebra-cabeça.

E como foram as vivências nos ambientes como os hospitais e no movimento dos sem-teto?
A Leandra ficou quase três semanas no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, nos atendimentos de pronto-socorro, conversando com as médicas residentes. Era um mundo que ela não conhecia e ela tinha que construir um personagem. Foi assim também na ocupação, o elenco chegou a dormir lá, a Dira Paes também frequentou muito. O Cauã é faixa preta de Jiu- Jitsu, é modelo e astro de TV, e o personagem era um desafio para ele, então as vivências foram fundamentais. Ele fez um curso de DJ e eu o levei para conhecer a noite de São Paulo para que ele trouxesse as propostas. Até sua voz está diferente. As propostas são o resultado de um processo de trabalho, as coisas não chegam prontas.

Quais foram os critérios para tentar fugir do personagem gay clichê?
Foi nosso conceito não fazer o clichê, mas também não iríamos fazer um gay que não fosse gay. Porque também tem isso, né, às vezes tira-se tanto que fica quase não-gay, você não compra a ideia. A partir das vivências do Cauã, ele trouxe sua proposta e nós fomos afinando, mas isso tem a ver com o talento dele. Porque se é um ator que não tem o que te dar, o diretor está rendido.


Como foi trabalhar com a Leandra Leal neste difícil protagonista?
A Leandra traz muitas propostas, é muito concentrada e intensa. Foi muito gratificante porque é um personagem difícil, é alguém que enfrenta uma paralisia. Uma coisa é você descobrir que vai morrer e dar uma pirada, ficar louco, quebrar tudo, transar com todo mundo, ou beber todas, você pode reagir de diversas formas e a maneira como fizemos , colocando-a num dilema, não era simples, e eu sei que a Leandra viu aquilo no roteiro. Por isso ela demorou para me responder, ela percebeu que era um papel realmente difícil. E ela foi muito bem, e nós estamos muito felizes por conseguir não deixar chato, exploratório, ou melodramático em excesso, indo além do simples “morrer jovem e bonito”.

 Qual a importância de abordar os movimentos sociais no cinema, já que muitas vezes são criminalizados pela grande mídia?
Uma parte da mídia já reconhece o movimento social dos sem-teto como algo importante. Acho que contribuí para isso com meu filme Dia de Festa. Já saiu bastante material sobre o tema, mas antes eles só eram vistos nas páginas policiais como baderneiros. Hoje já há uma visão menos preconceituosa. Mas eles estão no filme porque são importantes para mim. Eu tenho o privilégio de ter uma casa bonita num lugar bonito e eu sei e vi pessoas muito dignas sem um teto e o bicho pega. Convivi com aquilo e achei que foi uma forma de trazer a questão sem impor goela abaixo, com um discurso.Tem a ver com o “estamos juntos” dessa cidade, o filme é o individual e o coletivo dialogando o tempo todo.

E como foi colocar São Paulo como um personagem?
É meu primeiro filme de São Paulo e estou muito feliz porque sou paulistano, nasci na Avenida Paulista, mas ainda não tinha feito um filme sobre minha cidade. O Cabra-Cega não conta porque trazia a São Paulo de 1975. O centro de São Paulo tem essa coisa de ser o coração da cidade, onde se convivem vários mundos, porque os bairros são segregados e divididos por classes, mas o centro é misturado. Eu descobri esse centro no Dia de Festa. A ideia era falar dessa nossa metrópole louca, viva, cheia de problemas, com muitos mundos e tribos. Queria falar um pouquinho da minha cidade, mas não acho que é um filme só de São Paulo. Essa história poderia se passar em Madri, Berlim, Nova Iorque, porque são questões da grande urbe, das diferenças dos encontros, e da solidão.

*Entrevista publicada no site PipocaModerna.com.br

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