sábado, 4 de junho de 2011

ESTAMOS JUNTOS - CRÍTICA


Toni Venturi transforma São Paulo em personagem de seu novo filme

Transformar uma cidade em personagem não é uma novidade no cinema – há cineastas, inclusive, cujos nomes são quase sinônimos de alguma localidade. O diretor Toni Venturi utiliza-se desse artifício em Estamos Juntos para narrar uma história sobre o indivíduo e o coletivo usando como pano de fundo a cidade de São Paulo.

A capital pulsa a cada cena do filme, seja nas baladas da noite paulistana, seja na citação da lei antifumo em locais fechados, ou na questão da moradia urbana (assunto caro a Venturi, como também pode ser visto em seu documentário Dia de Festa). A cena inicial faz literalmente um voo sobre uma das maiores metrópoles do mundo, chegando inclusive a inclinar a câmera, como se fosse um pássaro virando a cabeça. A visão é uma mistura de beleza e tristeza, mas, principalmente, de solidão. Vista de longe, de cima, São Paulo parece até silenciosa, como a protagonista Carmem (Leandra Leal), uma jovem médica residente que saiu do interior do Rio de Janeiro para conquistar o sucesso profissional.
 
Seu objetivo é se tornar cirurgiã e parece não haver qualquer barreira que possa impedi-la de conquistar esse sonho: é autocentrada, inteligente e esforçada. Relacionamentos amorosos são descartados porque podem desviar seu foco e mesmo os amigos foram colocados de lado. A imagem é simbólica, mas representa tudo: a garota está tão fechada para si que guarda até os fios de cabelo que corta. Ela não consegue se doar ao mundo e é irônico pensar que sua profissão é a medicina.

Mas eis que duas situações mudam completamente sua vida: o trabalho voluntário num movimento de trabalhadores sem-teto e o aparecimento de sintomas de uma doença grave. É quando acontece a inversão no ponto de vista de Carmem e Estamos Juntos é exatamente sobre isso. Uma inversão de valores, de visão de mundo, e da vida. A médica vira paciente, a egoísta vira solidária. Ou, como é dito num momento, o céu caiu sobre nossas cabeças: o céu de São Paulo é o chão e cada luz de apartamento ou de carro é uma estrela.

Toni Venturi (Cabra-Cega) busca a poesia sobre a vida e uma afeição por esta metrópole que pode parecer assustadora. Por meio de um microcosmo, fala do macro e, aqui, entra a importância do núcleo do movimento que luta por moradia. Um lar é mais do que uma casa ou um prédio e, nesse sentido, não são apenas os integrantes do movimento que estão desabrigados: o músico argentino Juan (Nazareno Casero) não tem residência fixa e acaba indo morar com o colega de banda Murilo (Cauã Reymond, que a cada filme prova seu talento), um amigo de infância de Carmem que também foi embora do Rio por ser gay e causar desgosto na família – ou seja, saiu de sua casa para encontrar seu próprio lar.

Carmem também se descobre desprotegida e sua personagem poderia cair facilmente num dramalhão mexicano não fossem o cuidado do diretor e, principalmente, a grandiosa interpretação de Leandra Leal, que confere sinceridade a uma jovem que descobre um mundo muito maior do que imaginava. E, por mais que tente controlar seus caminhos, como um imponente arranha-céu, ela perceberá que a vida é tortuosa, como o Edifício Copan

*Texto publicado pelo site PipocaModerna.com

2 comentários:

  1. Leandra Leal, você quis dizer ;)

    Gostei da resenha, mas ainda não sei se esse filme será capaz de me tirar de casa neste frio. Um sério candidato a dvd...

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