domingo, 26 de junho de 2011

Peter Falk (1927 – 2011)

Morreu Peter Falk, o desajeitado detetive Columbo


O sobretudo bege, o velho charuto e o Peugeot 403 conversível saíram de cena. Morreu na madrugada do dia 23 de junho o ator norte-americano Peter Falk, que ficou conhecido no mundo todo por seu papel mais famoso, o detetive Columbo, personagem de uma série de televisão que levava seu nome. Falk, que sofria há anos com o Mal de Alzheimer, teve falência múltipla dos órgãos e faleceu em sua casa, no bairro de Beverly Hills, em Los Angeles (EUA).

Nascido em Nova York em 1927, Falk teve o olho direito removido cirurgicamente aos três anos de idade por conta de um tumor maligno. Sua prótese de vidro, que lhe custou alguns papéis no início da carreira como ator, tornou-se uma das marcas principais de seu personagem mais marcante.

Carismático, dispersivo e perspicaz, o detetive Columbo perseguiu criminosos por 35 anos na televisão americana. O personagem foi introduzido num telefilme de 1968, antes de ganhar sua série nos anos 1970, pela qual passaram diretores do calibre de Steven Spielberg (O Resgate do Soldado Ryan) e Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes). Seu método de investigação destoava do estilo machão de Kojak, Baretta e dos demais detetives da TV, pois ele parecia relapso, fazendo perguntas tolas e apresentando-se de forma displicente, deselegante até, com seu sobretudo amarrotado. Era infalível. Os criminosos o subestimavam e inevitavelmente caíam na armadilha, entrando em pânico diante da última pergunta, que resolvia o crime pela lógica.

Columbo se tornou tão popular que, após o fim da série, continuou voltando em telefilmes, até 2003. O personagem rendeu à Falk quatro prêmios Emmy (1972, 1975, 1976 e 1990), de um total de dez indicações. Não por acaso, o sobretudo beje virou uma espécie de segunda pele do ator, aparecendo também fora da série, em filmes como O Detetive Desastrado (1978).

Apesar do sucesso de Columbo eclipsar tudo o mais em sua carreira, Peter Falk também obteve sucesso no cinema e no teatro, tendo conquistado duas indicações consecutivas ao Oscar como ator coadjuvante por Assassinato S.A. (1961) e por Dama por um Dia (1962). Falk recebeu ainda um prêmio Tony por seu desempenho na peça O Prisioneiro da Segunda Avenida (1972). Na TV, participou também de dezenas de séries clássicas, como Cidade Nua, Paladino do Oeste, Os Intocáveis, Alfred Hitchcock Suspense, Além da Imaginação e Dr. Kildare.

Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Siracusa, antes de virar ator ele trabalhou como funcionário público. Mas o que queria mesmo era ingressar na CIA (agência de inteligência dos EUA), o que seu defeito físico impediu. Em 1957, abandonou o emprego e dedicou-se à dramaturgia, principalmente por amar a comédia. De pequenas peças nos teatros comunitários, passou aos palcos da Broadway e, mais tarde, alcançou Hollywood. Estreou no cinema em 1958 com uma modesta participação em Jornada Tétrica e ultrapassou a marca de 60 filmes na carreira.

Entre as comédias clássicas das quais participou, destacam-se Deu a Louca no Mundo (1963), A Corrida do Século (1965), Os Prazeres de Penélope (1966) e o cultuadíssimo Assassinato por Morte (1975), todas em papel coadjuvante, mas roubando a cena de atores consagrados, como Spencer Tracy, Tony Curtis, Jack Lemmon, David Niven e até Peter Sellers.

Embora tenha se destacado numa época em que ser “ator de TV” era um estigma, teve o privilégio de trabalhar com cineastas consagrados, e estrelou clássicos como Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders, O Jogador, de Robert Altman, e quatro filmes do “pai” do cinema indie John CassavetesOs Maridos (1970), Uma Mulher Sob Influência (1974), Opening Night (1977) e Um Grande Problema (1986). Trabalhou ainda com Sydney Pollack (A Defesa do Castelo), Giuliano Montaldo (A Fúria dos Intocáveis) e William Friedkin (Um Golpe Muito Louco). 

Foi o vovô narrador do cultuado A Princesa Prometida (1987) e participou do primeiro filme do diretor Jon Favreau, Crime Desorganizado (2001). Entre seus últimos filmes estão a animação O Espanta Tubarões (2004), a sci-fi com Nicolas Cage O Vidente (2007) e o desconhecido American Cowslip (2009), com Val Kilmer no elenco.

  
 Peter Falk sofria de Mal de Alzheimer há alguns anos e, em 2007, um dos médicos responsáveis por seu tratamento declarou que o quadro de demência do ator estava tão avançado que ele nem se lembrava de seu passado e da série que o consagrou. Em 2008 foi visto caminhando desorientado pelas ruas de Beverly Hills, o que confirmou o triste estado do astro. Sua filha Catherine Falk tentou ganhar na justiça a custódia do pai, porém Shera Danese, sua segunda esposa, continuou como sua responsável até sua morte.
 

É possível conhecer um pouco mais sobre sua vida através do livro Just One More Thing, biografia lançada pelo ator em 2006. O título refere-se ao bordão usado por Columbo para começar a frase que desvendava o caso.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A CASA - CRÍTICA


Filme uruguaio assusta com pouco recurso e bela fotografia

Uma mulher e seu pai são contratados por um amigo para limpar uma grande casa abandonada numa fazenda distante. Ao dormir, são atacados por alguma coisa ou alguém. A premissa deste filme independente uruguaio é extremamente simples e não teria chamado a atenção de tanta gente – foi exibido no Festival de Cannes 2010 – não fossem por três observações: foi produzido com apenas US$ 6 mil, uma câmera fotográfica digital e filmado em apenas um único take, sem cortes.

Bem, mais ou menos. Na verdade, apesar de grande parte de suas cenas serem realmente feitas num gigantesco plano-sequência, fica evidente que os momentos em que a câmera entra num ambiente de total escuridão são um subterfúgio para os cortes invisíveis. Esse truque não chega a estragar a sensação de take único e já é usado há bastante tempo (de Alfred Hitchcock em “Festim Diabólico” a Juan José Campanella, naquela cena fantástica em “O Segredo dos Seus Olhos”), mas tira um pouco da mágica do plano-sequência completo, que pode ser visto em “Arca Russa” (de Aleksandr Sokurov) e no nacional “Ainda Orangotangos” (de Gustavo Spolidoro), por exemplo.

Mas é importante observar que o falso plano-sequência não serve meramente como marketing, pois tem uma função narrativa, já que a câmera segue apenas o ponto de vista de Laura (Florencia Colucci) e “A Casa” (La Casa Muda, no original) se trata de um filme de suspense. O diretor uruguaio Gustavo Hernández parte de uma história real, sobre dois corpos encontrados mutilados numa residência na década de 1940, para produzir um longa-metragem visualmente belo e extremamente assustador.

Após chegarem à casa, pai e filha tentam dormir para começar o trabalho de limpeza no dia seguinte, porém ruídos no andar de cima forçam o homem a verificar o que acontece. O sujeito é assassinado de forma brutal e a ameaça ronda a morada num escuro quase absoluto, já que a protagonista possui apenas algumas lâmpadas. E é esse clima de escuridão somado à limitação do ponto de vista representado pela única câmera filmando “sem cortes” que dão ao filme uma angustiante sensação de claustrofobia. Cada parede, cada sombra e cada ruído são ameaçadores, e não saber se o perigo é sobrenatural ou real só piora a situação.

É preciso dar destaque à bela iluminação azulada adotada pelo diretor de fotografia Pedro Luque e aos cuidadosos enquadramentos que, apesar de serem feitos por uma câmera em constante movimento, mostram-se muito bem pensados e ensaiados.
O final reserva a reviravolta que pode dividir opiniões. Aqueles que gostarem, vão argumentar que os truques são normais e aceitáveis, desde que proporcionem a experiência desejada pelo diretor. Os que se decepcionarem, vão dizer que o cineasta trapaceou para contar a história. Ironicamente, é a mesma sensação causada pela questão do plano-sequência.

Hollywood já cresceu os olhos e não perdeu tempo: o remake está pronto e deve estrear este ano, dirigido por Laura Lau e Chris Kentis, dupla responsável pelo suspense Mar Aberto. 


sexta-feira, 17 de junho de 2011

CineEsquemaNovo chega a São Paulo com obras premiadas


Exibição dos filmes do festival gaúcho acontece entre os dias 17 e 19 de junho


Passa por São Paulo entre os dias 17 e 19 de junho a mostra itinerante do CineEsquemaNovo 2011, um festival de cinema de Porto Alegre que aconteceu no final de abril e já está em sua sétima edição.

Além da liberdade quanto ao formato das produções na mostra competitiva – os trabalhos podem ser em película ou digital, filmados com câmera 35mm ou via celular, por exemplo –, o festival gaúcho é conhecido pela valorização da autoralidade e independência dos longas e curtas em exibição, e são justamente alguns dos filmes premiados na edição deste ano que estarão presentes na mostra paulistana.

São 15 produções (seis longas-metragens e nove curtas), dentre eles o laureado Pacific, premiado como melhor filme pelo júri. O documentário de Marcelo Pedroso foi construído a partir das imagens pessoais registradas pelos próprios turistas durante um cruzeiro entre e Recife Fernando de Noronha.

 Album de Família, vencedor do Prêmio Especial do Júri, também é um documentário que faz um registro pessoal: após sua mãe morrer, o diretor Wallace Nogueira convida seu pai, com quem não mantinha um relacionamento próximo há anos, a fazer uma viagem em busca de um álbum familiar.

Jaime Fygura, o enigmático artista que vive pelas ruas do Pelourinho, é retratado em O Sarcófago, vencedor como melhor curta-metragem. A direção é de Daniel Lisboa, que já havia sido premiado numa edição anterior do CineEsquemaNovo com o filme Um Milhão de Pequenos Raios.

Outro destaque vai para Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, premiado pelo público como melhor curta-metragem. Feita numa estilizada animação 2D, a história surgiu a partir de um pesadelo do diretor Rodrigo John, sobre um cachorro/homem que entra num estado de depressão no qual vai perdendo não só o sentido da vida como também as partes de seu corpo.

Todas as exibições são gratuitas e acontecem na Matilha Cultural. Após a passagem por São Paulo, a mostra itinerante segue para Belo Horizonte.
 Trailer de Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo

segunda-feira, 13 de junho de 2011

CINEMA MUDO: CLUBE DA LUTA


Clube da Luta: "Empregos que odiamos para comprar coisas que não precisamos"

Catherine Deneuve mostra porque é diva


Atriz francesa apresentou-se em São Paulo e Rio para divulgar “Postiche”


“Quatrocentas toalhas brancas? Essa deve ter sido a Sharon Stone, não eu”, comentou em tom de ironia a atriz francesa Catherine Deneuve ao negar a postura de diva do cinema. “Diva, em primeiro lugar, é um termo para ópera. Para as atrizes de cinema é algo meio pejorativo, parece alguém cheio de caprichos”.

É curioso notar que a frase foi dita entre um e outro cigarro durante uma coletiva de imprensa em São Paulo – cidade em que é proibido fumar em locais fechados. É claro que Deneuve não foi importunada em momento algum – vantagens de ser diva.

Ícone do cinema mundial, a atriz está no país para divulgar o filme Potiche – Esposa Troféu, exibido na abertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2011, que acontece simultaneamente em 22 duas cidades brasileiras.

No Rio de Janeiro, Deneuve voltou a conversar com os jornalistas e comentou seu incômodo com a repercussão da história do cigarro: “Se soubesse, não teria fumado. Estou aqui para falar de Potiche e não para parecer uma fumante compulsiva. Sou absolutamente contra o politicamente correto. Fiz uma viagem longuíssima para falar do filme e o que vai ficar é ‘ih, ela fumou’. Francamente!".

Com mais de 100 filmes na carreira, a atriz foi indicada ao Oscar por Indochina (de Régis Wargnier), filme de 1992, mas já havia ganhado o mundo bem antes, quando estrelou Repulsa ao Sexo (1965), clássico de Roman Polanski, e A Bela da Tarde (1967), de Luis Buñuel, duas produções que valorizavam a sexualidade de suas personagens.

Pois é o sexo que traz novamente Catherine Deneuve aos cinemas, desta vez de uma forma mais política. Potiche se passa na década de 1970, momento das revoluções socioculturais, como o feminismo. A atriz vive uma dona de casa submissa casada com um machista dono de uma fábrica de guarda-chuvas. Num dado momento, o homem fica doente e ela toma as rédeas da fábrica e da vida.

“O que me seduziu em Potiche foi o lado alegre dessa história e também por voltar a trabalhar com (François) Ozon após ter filmado com ele Oito Mulheres. Deneuve não nega que já viveu uma situação semelhante à da personagem e lamenta que muitas das relações sejam verticais. “Todos em sua vida tiveram a oportunidade de ser um objeto, estar ao lado de alguém sem poder expressar suas ideias, opiniões. Homens, inclusive – existem muitos homens-objeto por aí, que só servem de decoração para suas mulheres”.

Estrela do cinema que é, Catherine Deneuve foi questionada sobre a indústria do entretenimento e da exploração da vida particular das celebridades e não negou seu inconformismo: “Parece que estamos vivendo a realidade imaginada por George Orwell no romance 1984”, declarou, mas deixou claro que não há a necessidade de um comportamento agressivo por parte do artista: “Sempre achei que há coisas da nossa vida que não dizem respeito a ninguém. Não é porque fazemos filmes que podem nos perguntar qualquer coisa. E, bom, se acho uma pergunta inadequada, não respondo”.

Por isso mesmo ela defende o diretor Lars Von Trier, que envolveu-se numa polêmica no Festival de Cannes deste ano ao afirmar que sentia-se nazista e compreendia o ponto de vista de Hitler. “Ele é sempre extremamente provocador, mas é preciso relativizar as coisas. Foi uma piada de mau gosto, mas ainda bem que o filme (Melancolia) permaneceu na competição e rendeu à Kirsten Dunst o prêmio de melhor atriz”. Deneuve já havia trabalhado com o cineasta dinamarquês em 2000, com o filme Dançando no Escuro.

E é por sua grandiosa carreira que ela pode falar com propriedade sobre o exagerado culto à beleza e à juventude que reina no cinema norte-americano. “Hollywood é Hollywood, cada cultura tem suas fantasias e seus excessos. Pessoalmente, eu lamento. Acredito que a gente envelhece melhor na Europa e nos países latinos”.

Pois aos 67 anos, a idade realmente lhe fez bem e Deneuve acredita que sua beleza vai além do lugar em que mora: “Minha mãe é uma mulher bonita até hoje, então acho que a genética ajuda. Mas também me protejo do sol, tomo bastante água e como legumes cozidos. Só não deixo minha vida se restringir a isso”, garante a musa que, de fato, não se nega o prazer de seu cigarro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

“Filme” sobre a “Eduardo e Mônica” é marketing viral


Eduardo e Mônica, clássica música da banda Legião Urbana, alcançou nesta quarta-feira (08/06) os trending topics do Twitter por meio de uma peça publicitária de uma empresa de telefonia celular.

Postado no site Youtube, o vídeo foi disseminado pela internet como se fosse o filme baseado na canção de Renato Russo, porém se trata de um marketing viral realizado pela agência Africa em parceria com a produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles (Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio sobre a Cegueira).

O vídeo, dirigido por Nando Olival, faz uma homenagem ao Dia dos Namorados e mostra os personagens vivendo os acontecimentos narrados na música. Apesar de se tratar de uma propaganda, parece não ter incomodado os fãs da banda Legião Urbana.

Há, no entanto, uma música da Legião Urbana que está virando filme: trata-se de Faroeste Caboclo, canção sobre a saga de João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira), sujeito que vai de Salvador a Brasília em busca de uma vida melhor, mas, no meio do caminho, entra para o tráfico de drogas, apaixona-se por Maria Lucia (Ísis Valverde) e torna-se inimigo de outro traficante, o perigoso Jeremias (Felipe Abib).

O longa-metragem está em processo de filmagens e a direção está nas mãos do estreante René Sampaio, com produção da Gávea Filmes e da Globo Filmes. A data de estreia ainda não está definida.

The Girl with the Dragon Tattoo - Cartaz


Novo filme de David Fincher (A Rede Social, Clube da Luta) só vai estrear no Brasil em 2012???? Refilmagem do filme sueco Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, baseado na série de livros Millennium, de Stieg Larsson.

Veja o trailer e comece a contagem regressiva:

sábado, 4 de junho de 2011

LEANDRA LEAL - ENTREVISTA


Para viver a médica residente Carmem, protagonista de Estamos Juntos, novo filme de Toni Venturi, a atriz Leandra Leal passou algumas semanas no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Lá, pôde conhecer a rotina e a vida de médicos e enfermeiros e garante que foi uma experiência marcante. “Foi incrível, deu humanidade à Carmem. No hospital, as pessoas têm uma rotina exaustiva e apaixonante, é uma realidade que suga e ao mesmo tempo alimenta muito”.

Sua participação no longa foi tão intensa que o diretor a convidou para também atuar na produção, interferindo no roteiro com novas propostas e ideias. “Foi um filme que me consumiu muito, pelo volume e pela responsabilidade. Quando eu voltava para casa, pensava o que ia fazer no dia seguinte”.

Na história, Leandra interpreta Carmem, uma médica residente que tem sua vida alterada ao descobrir que pode estar gravemente doente. “A questão da Carmem não é só a doença, mas a descoberta de que a vida não é eterna, algo que a afeta profundamente. E que você não é o senhor de seu destino, por mais que você pense, a vida acontece”.


Você participou de vivências nos ambientes onde se passa a história. Fale um pouco dessa experiência.
Com o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) eu não tive tanto contato, apenas na época das filmagens e foram bem intensas, porque a personagem era estranha àquilo tudo. Quando a equipe foi lá antes da filmagem, eu não quis ir junto porque seria legal aproveitar o impacto pessoal. No hospital foi incrível, apaixonante. Deu humanidade à Carmem, alguém que é autossuficiente, fechada e órfã. No hospital as pessoas têm uma rotina exaustiva e apaixonante, e é difícil se relacionar com outras pessoas que não sejam daquele ambiente. É uma realidade que suga e ao mesmo tempo alimenta muito.


 Sua personagem passa por um momento muito dramático. Isso chega a afetar psicologicamente o intérprete?
Não tenho nada disso, afeta numa questão mais racional, mesmo, porque eu passo o tempo inteiro pensando sobre o trabalho. Esse filme me consumiu muito, ser protagonista de um filme te consome muito, pelo volume e pela responsabilidade. Quando eu voltava para casa, pensava o que ia fazer no dia seguinte, então desta forma esse estado fica em você numa relação objetiva, mas não de ser e viver o personagem. Psicologicamente pode até afetar, mas no sentido de entender outros aspectos do ser humano. A Carmem passa por uma sensação que nunca passei e espero nunca passar. A questão da Carmem não é só a doença, mas a descoberta de que a vida não é eterna, algo que a afeta profundamente. E que você não é o senhor de seu destino, por mais que você pense, a vida acontece.

 O que aprendeu com o filme?
O MSTC foi uma descoberta. Eu já conhecia o movimento, mas eu nunca tinha visto de perto. Qualquer movimento que esbarra na palavra propriedade será criminalizado e sofre com o pouco envolvimento da sociedade e da pouca cobertura da imprensa. Cara, eu vi no MSTC o quanto é fácil alguém vir para São Paulo e acabar morando na rua. A maioria dos casos é de pessoas que vieram do interior com o contato de um único amigo que já veio antes, então arranja um emprego, aluga um quarto e tem um salário que só dá para pagar o aluguel. Se ele ficar desempregado e se não arrumar outro em seguida, não paga o aluguel e é despejado. Sem o CEP, não arruma emprego e acabou, vai morar embaixo da ponte. Quando estávamos fazendo o filme, houve uma desapropriação em uma favela na Zona Sul de São Paulo e foram 2 mil famílias para a rua. Eu não consegui acreditar, eram quase 10 mil pessoas. E a cidade não fala nada, isso não é possível, é muita gente.

*Texto publicado no site PipocaModerna.com.br

TONI VENTURI - ENTREVISTA


Estamos Juntos é o terceiro longa de ficção de Toni Venturi, um diretor que busca trazer questões sociais e políticas em suas produções. Com sete prêmios no Festival de Recife – inclusive o de melhor direção –, seu novo trabalho volta a tocar na questão do direito à moradia, como já havia feito com o documentário Dia de Festa. No entanto, o assunto é apenas o pano de fundo da história de uma jovem médica que tem os rumos de sua vida alterados ao descobrir ter uma doença grave.
  
Paulistano, o diretor sentiu-se satisfeito por poder usar sua cidade natal não apenas como cenário, mas também como personagem. “A ideia era falar dessa nossa metrópole louca, viva, cheia de problemas, com muitos mundos e tribos. Mas não acho que é um filme só de São Paulo. Essa história poderia se passar em Madri, Berlim, Nova Iorque, porque são questões da grande urbe, das diferenças dos encontros, e da solidão.”


                                            Quanto tempo levou o filme?
Dois anos. Começamos o trabalho em 2009, foi uma preparação carinhosa, lenta, para montar as locações e o elenco. Tivemos que esperar um pouco a Leandra Leal, que estava com uma peça na época, e a Dira Paes estava filmando a novela O Caminho das Índias, então houve uma logística para as disponibilidades do elenco. O projeto em si tem muito mais tempo, tem sete anos.



Então Estamos Juntos surgiu antes de Dia de Festa?
Ele já existia como roteiro, tinha até outro nome, “Antes da Noite”. A experiência com o documentário e a vivência com aquela realidade me marcaram muito do ponto de vista pessoal e, até hoje, mantenho contato, dou palestras, participo de mutirões com roupas de amigos que eu levo para as comunidades. Eu incorporei essa experiência, foi uma apropriação poética, colocada na narrativa de Estamos Juntos.


 Como está a expectativa para o lançamento do filme?

A construção de uma obra inédita é complicada. Quando se está adaptando uma obra literária já testada, um livro que a sociedade já curtiu, já gostou, você já parte de uma outra base, o inconsciente coletivo já está feito. Uma obra inédita como “Estamos Juntos” tem mil outros riscos, ela não é uma história já conhecida, não é baseada num fato real, a gente está descobrindo agora. Será que isso reverbera? O que o público vai achar? Essa é a nossa questão, estou nesse momento de espera, já que a crítica e o público vão dar sua opinião. Mas é um momento em que se completa um ciclo e isso é superbacana porque nós fazemos um filme para as pessoas e esperamos que elas gostem.


 Então esse é o momento mais tranquilo ou mais tenso do processo de construção de um filme?
Esse momento é muito tenso, mas já estou mais tranquilo depois de ter passado por Recife (em maio, Estamos Juntos conquistou sete prêmios no Festival de cinema de Recife), já senti que há um diálogo com o público, foi uma surpresa muito agradável, estou mais a vontade agora. Mas não seria sincero se dissesse que não estou tensíssimo com a estreia. Durante as filmagens, o meu set é muito tranquilo e concentrado, mas também é tenso. É meu primeiro filme com esse porte, teve situações com 140 figurantes. No set, é uma tensão criativa. Agora é diferente, é uma tensão de expectativa.
  
Como foi a escolha do elenco?
Fiquei muito feliz por ter conseguido o elenco que quis. Por isso até que nós esperamos, para que esse elenco se consumasse. É óbvio que a primeira pessoa a ser procurada foi a Leandra, e fiquei muita na expectativa enquanto ela não me desse um sim.  Eu já vinha acompanhando o trabalho do Cauã Reymond, assisti ao filme do Belmonte (José Eduardo Belmonte, diretor de Se Nada Mais der Certo) e vi o potencial deste ator. E assim por diante, é como montar um quebra-cabeça.

E como foram as vivências nos ambientes como os hospitais e no movimento dos sem-teto?
A Leandra ficou quase três semanas no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, nos atendimentos de pronto-socorro, conversando com as médicas residentes. Era um mundo que ela não conhecia e ela tinha que construir um personagem. Foi assim também na ocupação, o elenco chegou a dormir lá, a Dira Paes também frequentou muito. O Cauã é faixa preta de Jiu- Jitsu, é modelo e astro de TV, e o personagem era um desafio para ele, então as vivências foram fundamentais. Ele fez um curso de DJ e eu o levei para conhecer a noite de São Paulo para que ele trouxesse as propostas. Até sua voz está diferente. As propostas são o resultado de um processo de trabalho, as coisas não chegam prontas.

Quais foram os critérios para tentar fugir do personagem gay clichê?
Foi nosso conceito não fazer o clichê, mas também não iríamos fazer um gay que não fosse gay. Porque também tem isso, né, às vezes tira-se tanto que fica quase não-gay, você não compra a ideia. A partir das vivências do Cauã, ele trouxe sua proposta e nós fomos afinando, mas isso tem a ver com o talento dele. Porque se é um ator que não tem o que te dar, o diretor está rendido.


Como foi trabalhar com a Leandra Leal neste difícil protagonista?
A Leandra traz muitas propostas, é muito concentrada e intensa. Foi muito gratificante porque é um personagem difícil, é alguém que enfrenta uma paralisia. Uma coisa é você descobrir que vai morrer e dar uma pirada, ficar louco, quebrar tudo, transar com todo mundo, ou beber todas, você pode reagir de diversas formas e a maneira como fizemos , colocando-a num dilema, não era simples, e eu sei que a Leandra viu aquilo no roteiro. Por isso ela demorou para me responder, ela percebeu que era um papel realmente difícil. E ela foi muito bem, e nós estamos muito felizes por conseguir não deixar chato, exploratório, ou melodramático em excesso, indo além do simples “morrer jovem e bonito”.

 Qual a importância de abordar os movimentos sociais no cinema, já que muitas vezes são criminalizados pela grande mídia?
Uma parte da mídia já reconhece o movimento social dos sem-teto como algo importante. Acho que contribuí para isso com meu filme Dia de Festa. Já saiu bastante material sobre o tema, mas antes eles só eram vistos nas páginas policiais como baderneiros. Hoje já há uma visão menos preconceituosa. Mas eles estão no filme porque são importantes para mim. Eu tenho o privilégio de ter uma casa bonita num lugar bonito e eu sei e vi pessoas muito dignas sem um teto e o bicho pega. Convivi com aquilo e achei que foi uma forma de trazer a questão sem impor goela abaixo, com um discurso.Tem a ver com o “estamos juntos” dessa cidade, o filme é o individual e o coletivo dialogando o tempo todo.

E como foi colocar São Paulo como um personagem?
É meu primeiro filme de São Paulo e estou muito feliz porque sou paulistano, nasci na Avenida Paulista, mas ainda não tinha feito um filme sobre minha cidade. O Cabra-Cega não conta porque trazia a São Paulo de 1975. O centro de São Paulo tem essa coisa de ser o coração da cidade, onde se convivem vários mundos, porque os bairros são segregados e divididos por classes, mas o centro é misturado. Eu descobri esse centro no Dia de Festa. A ideia era falar dessa nossa metrópole louca, viva, cheia de problemas, com muitos mundos e tribos. Queria falar um pouquinho da minha cidade, mas não acho que é um filme só de São Paulo. Essa história poderia se passar em Madri, Berlim, Nova Iorque, porque são questões da grande urbe, das diferenças dos encontros, e da solidão.

*Entrevista publicada no site PipocaModerna.com.br

ESTAMOS JUNTOS - CRÍTICA


Toni Venturi transforma São Paulo em personagem de seu novo filme

Transformar uma cidade em personagem não é uma novidade no cinema – há cineastas, inclusive, cujos nomes são quase sinônimos de alguma localidade. O diretor Toni Venturi utiliza-se desse artifício em Estamos Juntos para narrar uma história sobre o indivíduo e o coletivo usando como pano de fundo a cidade de São Paulo.

A capital pulsa a cada cena do filme, seja nas baladas da noite paulistana, seja na citação da lei antifumo em locais fechados, ou na questão da moradia urbana (assunto caro a Venturi, como também pode ser visto em seu documentário Dia de Festa). A cena inicial faz literalmente um voo sobre uma das maiores metrópoles do mundo, chegando inclusive a inclinar a câmera, como se fosse um pássaro virando a cabeça. A visão é uma mistura de beleza e tristeza, mas, principalmente, de solidão. Vista de longe, de cima, São Paulo parece até silenciosa, como a protagonista Carmem (Leandra Leal), uma jovem médica residente que saiu do interior do Rio de Janeiro para conquistar o sucesso profissional.
 
Seu objetivo é se tornar cirurgiã e parece não haver qualquer barreira que possa impedi-la de conquistar esse sonho: é autocentrada, inteligente e esforçada. Relacionamentos amorosos são descartados porque podem desviar seu foco e mesmo os amigos foram colocados de lado. A imagem é simbólica, mas representa tudo: a garota está tão fechada para si que guarda até os fios de cabelo que corta. Ela não consegue se doar ao mundo e é irônico pensar que sua profissão é a medicina.

Mas eis que duas situações mudam completamente sua vida: o trabalho voluntário num movimento de trabalhadores sem-teto e o aparecimento de sintomas de uma doença grave. É quando acontece a inversão no ponto de vista de Carmem e Estamos Juntos é exatamente sobre isso. Uma inversão de valores, de visão de mundo, e da vida. A médica vira paciente, a egoísta vira solidária. Ou, como é dito num momento, o céu caiu sobre nossas cabeças: o céu de São Paulo é o chão e cada luz de apartamento ou de carro é uma estrela.

Toni Venturi (Cabra-Cega) busca a poesia sobre a vida e uma afeição por esta metrópole que pode parecer assustadora. Por meio de um microcosmo, fala do macro e, aqui, entra a importância do núcleo do movimento que luta por moradia. Um lar é mais do que uma casa ou um prédio e, nesse sentido, não são apenas os integrantes do movimento que estão desabrigados: o músico argentino Juan (Nazareno Casero) não tem residência fixa e acaba indo morar com o colega de banda Murilo (Cauã Reymond, que a cada filme prova seu talento), um amigo de infância de Carmem que também foi embora do Rio por ser gay e causar desgosto na família – ou seja, saiu de sua casa para encontrar seu próprio lar.

Carmem também se descobre desprotegida e sua personagem poderia cair facilmente num dramalhão mexicano não fossem o cuidado do diretor e, principalmente, a grandiosa interpretação de Leandra Leal, que confere sinceridade a uma jovem que descobre um mundo muito maior do que imaginava. E, por mais que tente controlar seus caminhos, como um imponente arranha-céu, ela perceberá que a vida é tortuosa, como o Edifício Copan

*Texto publicado pelo site PipocaModerna.com