terça-feira, 13 de março de 2012

A Dama de Ferro - Crítica


“Carinhosamente” apelidada de “Dama de Ferro” pelos soviéticos durante a Guerra Fria, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher é uma das figuras mais controversas do século 20. Única mulher a alcançar o mais alto cargo político do Reino Unido, Thatcher dividiu e divide opiniões até hoje sobre seu legado: ela foi responsável por planos econômicos que privilegiaram privatizações e a rédea solta no mercado financeiro – o que, para muitos, salvou a Inglaterra da recessão. Para outros, no entanto, sua conduta aumentou a divisão entre ricos e pobres e marcou um retrocesso nas reformas sociais e nos serviços públicos. Heroína ou vilã, “A Dama de Ferro”, novo filme de Phyllida Lloyd (“Mamma Mia!”, de 2008), não tem a menor pretensão de encontrar o lugar histórico da personagem.

A ideia de alguém repressor ou agressivo, provocado pelo irônico título, cai por terra já na cena inicial, que mostra Thatcher nos dias de hoje, aos 80 anos e anônima, tentando comprar leite num mercadinho. A fragilidade da personagem é ainda mais evidenciada na cena seguinte, quando ela chega em casa e começa a reclamar do preço do produto ao seu marido, Denis (Jim Broadbent), e imediatamente é revelado que ele não existe – Thatcher sofre de Alzheimer, com perda da memória e frequentes alucinações. E é este o caminho escolhido pelo roteiro de Abi Morgan (“Shame”): explorar a vulnerabilidade da protagonista e abster-se de comentários políticos mais incisivos.

Há aqueles que podem se incomodar, e não sem razão. Em plena época de movimentos como o Occupy Wall Street e as revoltas populares em toda a Europa devido à crise econômica, seria interessante conferir, no cinema, a visão política de uma das maiores defensoras do neoliberalismo. O filme, de fato, adota a perspectiva de Thatcher, porém de forma superficial e, na maioria das vezes, sem analisar as consequências de suas atitudes, sejam elas positivas ou negativas.

Assuntos de extrema importância para a história recente britânica, como os ataques a bomba do IRA (Exército Republicano Irlandês) e a questão separatista da Irlanda do Norte, além do clima de decadência do império passam rapidamente na tela, sem que se convide o espectador a refletir e tomar partido.

O único momento em que Phyllida arrisca-se a opinar é durante a cena da aula de direção de Thatcher à sua filha, Carol (Olivia Colman). Para evitar uma colisão com um ciclista, a primeira-ministra ordena à filha: “Vá para a direita”. A moça responde: “Mas se eu for para a direita, não estarei no caminho errado?”. Thatcher reforça e pega no volante: “Vá para a direita!”, ela grita, quase batendo o carro. A cena, ainda assim, permite uma analogia sobre o direitismo inerente de Thatcher, mas também insere a dúvida: a direita é o lado errado?

Phyllida não ignora as revoltas e a insatisfação do povo diante das medidas econômicas da Primeira Ministra (são mostradas imagens de arquivo de protestos e repressão policial), porém nunca fica claro de fato os resultados do thatcherismo.

O longa tampouco aprofunda um dos momentos mais tensos de seu mandato de 11 anos: a Guerra das Falklands/Malvinas. O conflito pela recuperação do arquipélago pelo Reino Unido causou a morte de quase 1000 pessoas entre ingleses e argentinos, e, exceto por um diálogo afiado com um diplomata norte-americano, não são mostrados os bastidores da crise (como a coerção de Thatcher, obrigando os franceses a colaborar na guerra).

Mas tudo isso pode ser relativizado pelo fato de “A Dama de Ferro” não ser um filme político, e sim um estudo de personagem. Nesse caso, revela-se eficiente em seu objetivo, ainda que, como toda cinebiografia, padeça da suavização dos defeitos de seu herói. O ponto de vista adotado é o de Thatcher já demente, e não o da mulher em plena ascensão política. Desta forma, todas as situações estão contaminadas pela parcialidade de alguém que revê a própria vida com lamentação – não porque acha que falhou como política, mas como mulher de família (num certo momento, o marido imaginário a lembra de que voltar o DVD repetidamente para rever as cenas dos filhos crianças não irá levá-la de volta no tempo).

Sua luta para conquistar espaço no universo predominantemente machista do Parlamento inglês, o treinamento vocal e de postura para criar uma imagem confiável, a recuperação econômica da Inglaterra, a vitória na Guerra das Falklands, a parceria com o governo dos Estados Unidos contra a União Soviética, e o descontentamento público e dos próprios líderes do Partido Conservador (sugerindo uma traição) remetem às memórias de alguém que seleciona apenas o que quer lembrar, não o que de fato aconteceu.

Para ressaltar esse clima, Phyllida usa da fotografia de Elliot Davis (“Crepúsculo”) para construir uma atmosfera intimista, adotando algumas vezes a câmera na mão e olhares frontais, como se o expectador estivesse no lugar da protagonista.

Mas é inegável que “A Dama de Ferro” só se torna relevante pela espantosa interpretação de Meryl Streep. Voz, postura, olhar, caminhar, Streep vai muito além da eficiente maquiagem e encarna Margaret Thatcher, a jovem política que se utiliza de gritos irritantes para se fazer ouvir e a líder de uma nação que humilha seus companheiros sem permitir espaço para argumentações ou debates. Seu trabalho fica ainda mais evidente com a montagem não linear e extremamente quebrada, indo e voltando no tempo diversas vezes para encontrá-la passando por diferentes fases.

Apesar da evolução (e regressão) psicológica da personagem, é por meio da interpretação de Streep, novamente indicada ao Oscar, que podemos enxergar a essência da personagem – uma mulher que desejava fazer algo na vida e não passar seus últimos dias lavando xícaras de chá.

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