Tive o prazer de ser entrevistado pela revista Zoom Magazine por conta do meu livro, "12 de Setembro – O cinema hollywoodiano após os atentados terroristas que mudaram o mundo". A entrevista, feita pelo jornalista e crítico de cinema Eduardo Torelli, foi publicada na edição 124, página 56.
Após conversar com tantos especialistas em cinema na preparação de seu livro, a que conclusão você chegou? O cinema americano realmente deu uma guinada à direita após o 11 de Setembro?
Após conversar com tantos especialistas em cinema na preparação de seu livro, a que conclusão você chegou? O cinema americano realmente deu uma guinada à direita após o 11 de Setembro?
É difícil responder. Afinal, existe “lugar”, “instituição” ou “máquina de propaganda” (seja qual for a melhor definição) mais esquizofrênica que Hollywood? Confesso que minha primeira reação seria discordar. Durante minha pesquisa, percebi que muitos filmes passaram a abordar, em suas entrelinhas, alguns fenômenos que aconteciam em nossa realidade – como a indústria do medo criada por Bush. Quando vemos filmes como “Boa Noite e Boa Sorte”, os dois “Batman” de Christopher Nolan ou “A Vila”, vejo claramente produções com “toques” de esquerda, críticos à sensação de medo vivida pelos norte-americanos após o 11 de Setembro. Bush, a partir de 2004, passou a ser questionado pela nação, por conta do desastre econômico causado por sua política e pelo conflito, somado a um colapso no sistema financeiro ( a “bolha” estourou no final de 2008). Dessa forma, foi fácil para Hollywood aceitar filmes “de esquerda” (provavelmente, “esquerda” não seja a denominação correta; melhor seria dizer “de oposição”). A quantidade de filmes que criticam o Governo Bush é enorme: “Team America”, “Borat”, “Munique”, “Cruzada”, “No Vale das Sombras”, “Syriana”, “V de Vingança”... Só para citar as produções abordadas no livro. A princípio, eu estava “quase” firme em minha posição de dizer: “não acho que Hollywood tenha dado uma guinada à direita após o 11/09; acho até que ficou mais de esquerda!” Mas aí veio o Oscar 2010 – e a casa caiu.
Como assim?
Ora, como explicar a estrondosa vitória de “Guerra ao Terror” sobre “Avatar”? Veja, nem estou dizendo que “Avatar” deveria ganhar o Oscar. Mas dentro do jogo hollywoodiano, “Avatar” teria tudo para levar as estatuetas: cinema-clichê, história heroica, sucesso de bilheteria e revolução tecnológica – que, para o bem ou para o mal, vai ajudar Hollywood a faturar mais alguns milhões nos próximos anos. Mas, então, por que “Avatar” teria levado uma surra de “Guerra ao Terror”? Ao menos na categoria Melhor Diretor, seria mais compreensível se a estatueta tivesse ido para James Cameron, por conta do desenvolvimento de novas tecnologias cinematográficas; se não ele, talvez para Quentin Tarantino – que nunca levou o prêmio. Mas foi para Katheryn Bigelow, de “Guerra ao Terror”. Alguns articulistas apontaram que a disputa entre os dois filmes foi puramente ideológica: enquanto “Avatar” seria claramente um libelo antiamericano, “Guerra ao Terror” oferecia a visão estadunidense, trazendo, como heróis, os soldados americanos. Como compreender isso? Depois de alguns anos produzindo filmes relativamente interessantes, com alto teor crítico à doutrina Bush – e por extensão, ao pensamento “de direita” –, Hollywood parece, de fato, ter voltado a flertar com essa tendência política.Que filmes e seriados encamparam abertamente a visão “direitista” pós-11 de Setembro?
É preciso entender que Hollywood sempre flertou com a ideia do “inimigo externo”: índios, nazistas, soviéticos, latinos... Todos tiveram sua “fase de ouro”. Com os terroristas fundamentalistas islâmicos não seria diferente. É o que se nota em bobeiras como “O Reino”, ou em “O Traidor”; e mesmo no ótimo “Rede de Mentiras”. O que é mais interessante é que essas produções apresentam uma pseudocrítica à “Guerra ao Terror”, embora reforcem a Doutrina Bush justamente ao estabelecer como vilões aqueles que o “presidente cowboy” demonizava. É óbvio: uma ação terrorista é um crime, um pecado, e jamais deve ser defendida. Mas esses filmes – assim como o de Bigelow – mostram apenas a visão americana sobre a guerra e colocam os soldados ianques como vítimas. Pouquíssimos filmes mostram as consequências da política externa estadunidense, sua influência econômica em países produtores de petróleo ou portadores de recursos naturais etc., como acontece, por exemplo, em “Syriana”. Também há o caso de “24 Horas”. Veja bem, sou fã da série, adoro a complexidade do personagem Jack Bauer, mas é impossível negar sua visão bushiniana sobre a “Guerra ao Terror”. A primeira temporada foi filmada antes do 11/09 e abordava um terrorismo mais “brando”, sobre as tentativas de assassinato a um senador. Já a partir da segunda temporada – após os atentados da Al-Qaida – todas as histórias envolviam a paranoia do medo, da destruição em massa, das bombas nucleares e das armas biológicas... e Jack Bauer torturava e matava sob a justificativa de agir por um “bem maior”. Mas quando digo que Hollywood é esquizofrênica, este julgamento deve ser estendido às séries: se “24 Horas” pode ser visto como uma “propaganda de direita”, também foi uma série que colocou, como presidente dos EUA, um negro, anos antes da Era Obama. Também mostrou uma mulher na Casa Branca. E instituiu um presidente como vilão em uma das temporadas.
É mesmo possível passar recados políticos através de filmes assumidamente fantasiosos, como os da série Batman?
Sim, penso que sim. Ainda que nem sempre o público capte essa mensagem de imediato. Tenho certeza que pouquíssimas pessoas fizeram a ligação entre “Batman Begins” e o estado de medo vivido pelos norte-americanos. O Coringa de “O Cavaleiro das Trevas” é um verdadeiro terrorista: explode um hospital, a delegacia, os prédios que matam a mocinha e dão origem ao Duas-Caras... Enquanto isso, Batman quebra pernas, tortura criminosos, joga-os de prédios para obter informações... Analogias perfeitas para a situação de Guantánamo, Abu Ghraib e o Ato Patriota. Gosto de pensar que, se cientistas e pesquisadores afirmam que filmes violentos incitam os jovens a serem violentos, “Avatar” poderia influenciar milhões de crianças e adolescentes a se tornarem ecologicamente responsáveis. Ora, o nazismo fez do cinema um veículo de propaganda. Os EUA também, justificando a II Guerra Mundial por meio de filmes – há até um desenho do Pato Donald que denuncia a crueldade nazista! No entanto, se semiólogos, filósofos e psicólogos de diversas escolas científicas não entram em acordo sobre a verdadeira influência cultural e o poder dos meios midiáticos, a minha é apenas “outra” opinião. Nesse âmbito, o caso que acho mais interessante é o do filme “A Vila”, de M. Night Shyamalan. É uma metáfora quase explícita à Doutrina Bush: um vilarejo controlado por meia dúzia de líderes através do medo. A população, no filme, teme criaturas que não existem – assim como, na América do período, os eleitores temiam novos atentados.
Hollywood toma posições políticas por acreditar em ideologias ou apenas para lucrar com as ideologias que fazem a cabeça do povo?
Como disse, acho que Hollywood é esquizofrênica. Afinal, é construída por pessoas, algumas “de esquerda” e outras “de direita”. É óbvio que o intuito é ganhar dinheiro, mas acho que muitos produtores, diretores e atores também estão interessados em passar mensagens políticas. “Munique” jamais foi feito para ganhar dinheiro: é um filme de Steven Spielberg, mas é sombrio, triste e com uma posição política muito definida (“violência não combate a violência”). Não foi feito para ganhar dinheiro, não é “divertido” e nem teve divulgação (o diretor fez questão de não participar da campanha de marketing). “Boa Noite e Boa Sorte” foi feito em preto e branco e é totalmente “democrata”. O que se deve entender é que Hollywood é uma indústria e, como tal, tem a finalidade de ganhar milhões. É normal, portanto, que a produção de filmes “sopre” para o lado que está ventando, apesar do comprometimento de certos indivíduos em posições-chave com doutrinas liberais ou conservadoras.
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