sexta-feira, 5 de agosto de 2011

MELANCOLIA - Crítica


Como sempre, Lars von Trier divide opiniões



Lars von Trier parece ter exorcizado todos os seus demônios em Anticristo, obra que causou discussões acaloradas dois anos atrás. Em plena depressão, filmou a história do casal que, em luto após perder um filho, passa a morar numa cabana para tentar entender a tristeza que sentiam e como poderiam superá-la.

Carregado de simbologia do começo ao fim, Anticristo trazia uma tortura psicológica raramente vista no cinema recente e colocou seu diretor novamente no topo após o escorregão com Manderlay, sequência direta de Dogville.

Metade dos críticos e cinéfilos o consideram um gênio; a outra metade tem certeza de que ele é uma farsa. Melancolia, que chega aos cinemas nacionais este mês, pode mostrar que diretor dinamarquês é um pouco dos dois. Ou nem uma coisa nem outra.

Principalmente depois do circo montado na edição de Cannes deste ano, quando declarou entender Hitler. O histórico polêmico do diretor já deveria ter garantido uma interpretação irônica do comentário, mas a imprensa multiplicou sua fala e o resultado foi sua expulsão do festival – onde ele já havia ganhado a Palma de Ouro por Dançando no Escuro em 2000.

O resultado não prejudicou a imagem do filme, afinal Kirsten Dunst levou o prêmio de melhor atriz. Além disso, as diversas notícias diárias que saíram na época confirmaram que Lars von Trier, além de cineasta, é um ótimo marqueteiro.

É importante essa contextualização porque, depois de toda a polêmica durante o festival francês e baseada na tumultuada filmografia do dinamarquês, a expectativa para Melancolia era grande, afinal trata-se de um filme de Lars von Trier sobre o fim do mundo.

“Melancolia” é o nome do enorme planeta que viaja em direção à Terra. Acompanhamos o evento catastrófico pelo olhar de duas irmãs, Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg), que também dão nome aos capítulos do filme – divisão comum nos longas do diretor.

A primeira metade do filme ocupa-se em acompanhar a festa de casamento de Justine, uma publicitária que teve problemas com depressão e esforça-se em mostrar à família que está feliz – apesar de ficar claro por meio de pequenas atitudes que ainda há traços do distúrbio psicológico.

A câmera na mão não para um minuto e busca apresentar as diferentes personalidades que gravitam em torno da noiva infeliz, desde o insosso futuro marido (Alexander Skarsgård), passando pelo chefe manipulador (Stellan Skarsgård) ou o pai distante (John Hurt, roubando a cena cada vez que aparece).


Curiosamente, com o conhecimento sobre a vinda do enorme planeta, o ponto de vista muda para o de Claire (Charlotte), personagem que, se no começo do filme causava certa antipatia, torna-se agora os olhos do espectador sobre o fim do mundo.


Acontece aqui, então, o momento “Lars von Trier”: a divisão de opiniões sobre a qualidade do filme. Como fica claro no prólogo, o mundo vai acabar. Aliás, os dez minutos iniciais são desde já um marco cinematográfico, com imagens que merecem ser vistas e revistas várias vezes. 


Assim como já havia feito em Anticristo, o diretor chutou pra longe as regras que ele mesmo criou com o Dogma 95 e usa a supercâmera lenta no prólogo, mas aqui a poesia e a simbologia são elevadas ao máximo: o relógio de sol, os três corpos celestes à noite, a noiva que flutua no rio ou é agarrada por raízes, a mãe que carrega o filho no colo – tudo potencializado ao som do prelúdio de Tristão e Isolda, de Wagner.

Como já é comum na filmografia do diretor, Melancolia é repleto de metáforas, como a limousine atolada numa estrada sinuosa, a atitude de trocar a posição dos livros, o nome do cavalo etc. São imagens e situações que poderão ser discutidas tanto no bar quanto nas salas das universidades.

Mas, quando os créditos subirem, uma sensação estranha poderá ficar no ar. Teria o mais pessimista e sádico dos cineastas amolecido o coração? Afinal, se comparado ao angustiante O Nevoeiro, de Frank Darabont, ou ao ácido Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón, a impressão que o apocalipse de Melancolia pode causar é que faltou – olha só! – ousadia.



2 comentários:

  1. Opa, boa crítica.
    Também fiz uma humilde crítica sobre o filme. Dá uma olhada aqui:

    http://cinelogin.wordpress.com/2011/08/09/cinema-critica-melancolia/

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  2. O próprio Lars teria insinuado que ficou ligeiramente arrependido por não ter ousado o suficiente, ou assim deu a entender, quando criticou sua própria "hollywoodinização" de sua obra em sentido catástrofe.

    Muito boa crítica, continua assim =D

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