segunda-feira, 28 de março de 2011

AMOR? - CRÍTICA


Durante o período pré-Oscar, muito se falou sobre o documentário Lixo Extraordinário, sobre o artista plástico Vik Muniz e sobre o trabalho dos catadores de lixo do aterro sanitário de Gramacho, no Rio de Janeiro, mas pouca atenção foi dada a João Jardim, um dos diretores do filme (ao lado de Lucy Walker e Karen Harley).

 Esse cenário deve mudar com a estreia de Amor?, seu novo trabalho, vencedor do prêmio do júri popular no Festival de Brasília de 2010. O filme apresenta oito casos de relacionamentos amorosos que trazem a violência em seu núcleo, levantando questões sobre dependência afetiva, ciúme patológico e ausência de autoestima.

A grande sacada, no entanto, está em seu formato: todos os depoimentos do longa-metragem são reais, baseados numa extensa pesquisa feita em delegacias e entidades assistenciais, porém interpretados por atores bastante conhecidos, como Lilia Cabral, Eduardo Moscovis e Julia Lemmertz. O recurso, que acaba transformando a produção num híbrido de documentário e ficção, não é exatamente uma novidade (Eduardo Coutinho já havia feito algo relativamente semelhante com o interessante Jogo de Cena; já o indicado ao Oscar Valsa com Bashir, do israelense Ari Folman, trata-se de um documentário em animação), mas foi utilizado por uma questão técnica: como as histórias narradas tratavam de um assunto extremamente delicado e íntimo – a violência doméstica –, seria preciso a autorização dos parceiros, o que provavelmente não aconteceria. 

O incômodo inicial por sabermos que tudo dito na tela é ensaiado se desfaz rapidamente por conta da poderosa e visceral interpretação dos atores e pelo fato de que todo o texto é real e se trata de um assunto muito comum e familiar – presente nas páginas de jornais (“caso Eloá”; “caso goleiro Bruno” etc.) e nos programas televisivos populares.

João Jardim levanta questões freudianas (crianças que presenciaram a violência entre seus pais também se tornam adultos violentos?) e se pergunta por que alguém mantém um relacionamento que alterna brutalidade e carinho. A resposta poderia ser a dependência afetiva, como no caso da mulher que apaixonou-se novamente pelo marido após ser agredida, ou então a escassez da autoestima, caso do  agressor que acredita estar num relacionamento estável depois de um passado violento, porém acaba fazendo a entrevista com sua companheira escutando tudo pelo celular.   

No fim, não há respostas, apenas perguntas, como fica claro no próprio título. Mas, em meio aos closes dos gestuais e dos enquadramentos de perfis (típicos de um documentário tradicional) Jardim deixa algumas pistas, com diversas imagens poéticas e metafóricas ao longo do filme: a garota que fica o máximo de tempo possível embaixo d’água; a agulha que perfura a pele sem machucar profundamente; ou a laranja, possivelmente um símbolo melhor para o amor do que a maçã, por ser um fruto doce e, ao mesmo tempo, ácido, assim como o amor. Mas será que é amor?

*Texto publicado no site www.cinemanarede.com.br

Um comentário:

  1. Só uma colocação não são 'catadores de lixo".. lixo é o que não pode ser usado.. usado.. são 'catadores de material reciclado".

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