segunda-feira, 14 de março de 2011

RESTREPO - CRÍTICA


Dentro do avião, com uma câmera digital particular, um grupo de jovens bêbados registra sua viagem ao Afeganistão. Não há tensão, não há medo, apenas brincadeiras típicas da ingenuidade juvenil. Juntos, gritam “Vamos à guerra”, e caem novamente na gargalhada. Na cena seguinte, já estamos no país asiático, dentro da caminhonete militar que explode em uma mina terrestre. A confusão aumenta quando os soldados precisam se desviar dos tiros dos inimigos e contra-atacar. A cena é muito semelhante à abertura do filme Homem de Ferro (2008) – que, por ironia, se passa no mesmo país –, porém se trata do início de Restrepo, documentário que concorreu ao Oscar este ano ao lado de Lixo Extraordinário e do vencedor Trabalho Interno.

Dirigido pelo jornalista Sebastian Junger e pelo fotógrafo da National Geographic Tim Hetherington, Restrepo acompanhou por pouco mais de um ano a rotina de um pelotão do exército estadunidense no Vale Korengal, posto militar considerado o local mais perigoso do Afeganistão. A coragem da dupla é admirável, pois, ao longo de 94 minutos, o espectador sente o mesmo desespero dos soldados por estar num local desolado, desértico e cuja missão era, a cada dia, lutar por pequenos metros de terra. A câmera acoplada no capacete dos combatentes mostra o desespero de não saber de onde vêm os tiros do lado inimigo, enquanto a câmera no ombro se preocupa em registrar a sensação de perigo iminente durante suas atividades rotineiras. A paranoia do medo, o estresse da guerra e a saudade de casa são mostrados de uma forma admiravelmente íntima e valeu ao filme o Grande Prêmio do Júri de melhor documentário no Festival de Sundance de 2010.

Não há, no entanto, um debate político sobre as razões da guerra no Afeganistão ou as estratégias de combate da Casa Branca, seja pelo comando de George Bush ou de Barack Obama. “Há 22 milhões de famílias americanas com filhos, irmãos ou cônjuges que estiveram ou estão no exército e querem saber como foi que eles viveram. A ideia era fazer um filme apenas sobre a experiência dos soldados”, declarou Junger, após a premiação em Sundance. De fato, os combatentes são humanizados no momento em que conhecemos suas fraquezas, seus medos e suas dúvidas, mas é inegável que a escolha por uma não-politização do filme também é um ato político – e, neste caso, o documentário também acaba sendo partidário. Em nenhum momento, obviamente, há uma defesa pela política externa belicista estadunidense – pelo contrário, as condições em que se encontram os soldados mostram muito bem a falta de sentido na guerra –, no entanto estão nas entrelinhas os preconceitos e a visão unilateral da situação.  

Basta analisar o momento mais dramático do filme: a morte de um soldado durante a chamada “Operação Avalanche”. É o climax do documentário, comentado e lamentado por todos os entrevistados. E é compreensível, já que se trata da baixa de um “irmão”, alguém com quem se conviveu por meses. No entanto, por conta de um erro estratégico durante uma ação militar, vemos que uma ofensiva estadunidense matou diversos civis na aldeia, inclusive mulheres e crianças – um fato que não mereceu tanta atenção nem dos soldados nem dos diretores – que poderiam utilizar-se de uma situação grave como essa para analisar a psicologia dos jovens com fuzis na mão (como acontece no ótimo No Vale das Sombras, de Paul Haggis).

O contato com os moradores, aliás, também denotam uma dualidade na visão dos diretores. Por diversas vezes, o capitão Dan Kearney afirma ser mais diplomático que seus antecessores e promove semanalmente um encontro com os anciões do vilarejo para negociar as operações no local e discutir os problemas do conflito na região. Porém, a cada argumento negativo ou reclamação por parte dos líderes locais, Kearney responde ao estilo típico do militar norte-americano: “Eu não ligo”, ignorando o fato de ser ele o estrangeiro invasor. É curioso analisar, também, a relação entre moradores e o grupo talebã. Em troca de dinheiro, os locais aceitam carregar e esconder armamentos para o grupo radical muçulmano, já que o vilarejo vive numa condição econômica miserável. Enquanto isso, do outro lado da cerca, toda uma ação militar financiada por milhões de dólares. Mais um assunto que passa apenas nas entrelinhas de Restrepo.

O talebã, aliás, jamais aparece no documentário. O inimigo não tem rosto, está escondido nas montanhas e é sempre uma ameaça. Nunca o vemos, mas sempre ouvimos os disparos dos fuzis. Ao mesmo tempo, acompanhamos o desespero de garotos imberbes, que podem ser abatidos a qualquer momento. A cada combate, ficamos aliviados com a sobrevivência dos soldados e jamais vemos a morte dos guerrilheiros do talebã. Basta lembrar do momento mais escatalógico do filme: o soldado, filho de uma hippie, comemora como um gol quando sua arma de alto calibre desfaz em pedaços o inimigo. A câmera jamais mostra a cena e, ao contrário de repulsa, torcemos pelo garoto, que estava sob fogo cruzado minutos antes.

De certa forma, Restrepo é a versão documentário do vencedor do Oscar Guerra ao Terror, inclusive quando um dos garotos compara a emoção do momento do combate à adrenalina gerada pelo uso de drogas. Assim como acontece no filme de Kathryn Bigelow, os soldados são as vítimas e não os algozes, e não estão lá para questionarem suas ordens, mas para “fazer o que tem que ser feito” e lutar pelo seu país. Ainda que seja uma guerra sem sentido: em abril de 2010, o exército dos EUA retirou o pelotão do posto Restrepo (nome dado em homenagem ao jovem soldado Juan Sebastián Restrepo, morto em combate no Vale Korengal), sem ter concluído qualquer objetivo, apenas levado morte para os três lados do conflito.


* Texto publicado em http://www.arteview.com.br/

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