quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CHRISTOPHER NOLAN - Perfil


Atenção: esse texto está repleto de spoilers sobre toda a filmografia do diretor: Following, Amnésia, Insônia, Batman Begins, O Grande Truque, O Cavaleiro das Trevas e A Origem


Qual diretor de cinema não gostaria de manter sua visão autoral sobre seus filmes e ainda assim conseguir orçamentos milionários para realizá-los? E quantos cineastas entregam obras inteligentes, instigantes e que faturam rios de dinheiros pelo mundo todo? Christopher Nolan é, hoje, uma espécie rara em Hollywood: alguém que conseguiu ingressar na indústria cultural, porém manteve com pulso firme e estilo sua visão de cinema. É claro que existe uma explicação muito simples para isso: seus filmes dão lucro.

Seu maior sucesso atualmente é Batman – O Cavaleiro das Trevas, que ultrapassou a casa do bilhão de dólares. Para quem acha que o resultado nas bilheterias se deve à conhecida franquia do Homem-Morcego, basta verificar que seu filme mais recente, A Origem, não é uma adaptação de outra obra, mas uma história criada pelo próprio diretor, e as cifras bateram US$ 810 milhões. É curioso notar que foi somente após essas duas megaproduções que o grande público começou a descobrir sua filmografia, que inclui O Grande Truque, Batman Begins, Insônia, Amnésia e Following.

Nascido em Londres (Inglaterra) em 30 de julho de 1970, Christopher Johnathan James Nolan é filho de uma americana comissária de bordo e um publicitário inglês. Como é frequente na história de grandes cineastas, Nolan começou a fazer filmes ainda criança, já que tinha acesso à câmera Super-8 do pai. Aos 19 anos, conheceu Emma Thomas, sua futura esposa e produtora de seus filmes. Ao ingressar na Universidade de Londres, estudou Literatura Inglesa, mas sem deixar o cinema de lado: foi lá que começou a realizar seus primeiros curtas-metragens.

E já é possível identificar no curta Doodlebug, de 1997, algumas das características cinematográficas que percorrerão a carreira de Nolan, como o conceito de caça e caçador, a obsessão e o desafio mental. Assista:


Como se vê, Nolan já propunha jogos enigmáticos desde o começo da carreira, marcada por histórias com reviravoltas e desfechos surpreendentes. “Gosto de filmes que ficam girando em sua cabeça depois de você os assistir. Espero que as pessoas saiam do cinema tendo se divertido com a história, mas que também tenham ressonâncias e ideias interessantes para pensar”, explicou o diretor.
É interessante observar que há elementos extremamente frequentes em sua filmografia, como o caráter nem sempre admirável de seus protagonistas. Seus personagens são moral ou eticamente questionáveis, que erram e chegam a cometer crimes para alcançar seus objetivos. 

Basta dar uma rápida olhada em seus filmes: em Following, seu protagonista se envolve com um ladrão e passa a acompanhá-lo nos delitos; em Amnésia, Leonard Shelby mata diversas pessoas em busca da vingança pela morte da mulher; em Insônia, Will Dormer mata o colega policial para livrar-se da investigação da corregedoria; no retorno de Batman aos cinemas, Bruce Wayne está mais sombrio e agressivo do que nas versões anteriores, quebrando ossos e invadindo a privacidade dos moradores de Gotham City; os mágicos de O Grande Truque sujam as mãos para serem insuperáveis; e o personagem de Leonardo DiCaprio em A Origem invade a mente das pessoas para roubar ou implantar ideias.

É importante observar outra marca de Nolan: muitos de seus filmes trazem a morte de uma mulher como catalisadora da história, geralmente provocando o sentimento de culpa no herói: em Amnésia, o protagonista precisa se esquecer de que matou a própria esposa; se em Batman Begins Bruce Wayne torna-se um mascarado por sentir-se culpado pela morte dos pais, em O Cavaleiro das Trevas ele culpa-se pela morte da colega Rachel Dawes; já a morte acidental de sua mulher, causada pelo colega de palco interpretado por Christian Bale, provoca a ira e o sentimento de vingança no mágico vivido por Hugh Jackman em O Grande Truque; e é a culpa pela morte da esposa que atormenta Dom Cobb em A Origem. Cobb, aliás, é também o nome do protagonista do primeiro longa-metragem de Nolan, o noir Following.

Following - 1998

      Filmado em preto e branco em Londres nos finais de semana de 1998 e com a ajuda dos amigos da universidade, a produção teve um custo baixíssimo: US$ 6.000. A história – criada pelo próprio Nolan e que deixaria Alfred Hitchcock orgulhoso – é narrada por Bill (Jeremy Theobald, que protagoniza o curta Doodlebug), um escritor que segue aleatoriamente pessoas nas ruas em busca de inspiração para seus livros.




Numa dessas pesquisas, ele acaba conhecendo Cobb (Alex Haw), um ladrão que invade a casa de estranhos não para roubar objetos de valor, mas pertences pessoais das vítimas. O ladrão garante que a ideia é causar estranheza nos sujeitos furtados, que nem se dão conta das posses que têm. Mas, ao final do filme, o espectador descobre junto com Bill que o objetivo era outro.

A reviravolta no roteiro, que se tornará uma marca de Nolan, é surpreendente, principalmente devido à sua montagem não linear – outro recurso que será muito utilizado pelo diretor nas futuras produções. Em Following, as cenas estão fora de ordem por uma função narrativa: a de deixar o espectador tão confuso e perdido quanto o personagem Bill, que levará um golpe. Aliás, a utilização da montagem para confundir o público foi repetida em seu filme seguinte, que o catapultou para os holofotes: Amnésia.

Amnésia (Memento) - 2000

Mais do que lucro nas bilheterias (faturou 40 mil dólares, lembrando que custou 6 mil), Following rendeu a Nolan uma boa visibilidade nos festivais pelo qual passou, inclusive levando alguns prêmios. O diretor sentiu que era hora de sair do Reino Unido e explorar a capital do cinema, Hollywood. E fez isso da melhor forma possível ao surpreender a crítica especializada no ano 2000 com Amnésia, um filme contado de trás para frente, começando pelo fim e terminando no começo da história. É claro que o recurso não era exatamente uma novidade – até o seriado televisivo Seinfeld já havia utilizado a ideia –, mas a produção chamava a atenção pela engenhosidade do roteiro e da montagem, muito bem orquestrados por esse diretor até então desconhecido.

Nolan teve ainda a sorte de trabalhar com Carrie-Anne Moss e Joe Pantoliano, dois atores que haviam acabado de sair de Matrix, um dos maiores fenômenos cinematográficos da história. Com um orçamento medíocre para os padrões hollywoodianos (cerca de US$ 5 milhões), Amnésia estreou em poucas salas, mas chamou atenção da crítica nos festivais. O público também aprovou e divulgou o longa na base do boca a boca, o que aumentou o número de cópias nos Estados Unidos e o fez permanecer em cartaz por mais tempo, além de levar a produção a estrear em outros países. O resultado foi algo próximo de 25 milhões de dólares só nas bilheterias americanas e mais 15 milhões no exterior.

“Fizemos um longa modesto, para um público que gosta dos desafios de um thriller psicológico noir. A ideia é colocar a plateia num estado de confusão mental similar ao do personagem principal. Mas o filme acabou crescendo e foi visto por muito mais gente do que eu imaginei”, comemorou Nolan. Todos queriam conferir a história de Leonard Shelby (Guy Pearce), um investigador de seguros que não consegue armazenar novas memórias por mais do que alguns minutos e precisa anotar tudo o que se passa em sua vida. Até para atividades cotidianas, como beber água ou saber qual é o seu carro, ele precisa deixar lembretes para si próprio, com as instruções – por isso, o título original, Memento.

Seu distúrbio surgiu após um golpe que levou na cabeça durante um assalto em sua casa. Além de perder a memória, sua mulher (Jorja Fox, da série televisiva CSI) é violentada e assassinada. Em busca de vingança, Leonard vai atrás dos responsáveis, porém, para não se confundir e se esquecer das pistas que vai coletando durante sua investigação, ele tatua no próprio corpo as informações mais importantes, além de sempre andar com uma máquina fotográfica instantânea. Desta forma, ele tira fotos das pessoas com que se relacionada durante o trajeto – como a bartender Natalie (Carrie-Anne) e o policial Teddy (Pantoliano).

Nolan escreveu o roteiro de Amnésia – aliás, título nacional extremamente equivocado, já que o próprio personagem afirma por mais de uma vez que não sofre desse mal, afinal ele se lembra do seu passado, só não consegue memorizar informações novas  a partir do conto criado pelo seu irmão Jonathan Nolan, intitulado Memento Mori (clique aqui para ler o texto, em inglês). O trabalho foi indicado ao Oscar, assim como a espetacular montagem de Dody Dorn, que faz com que o público sinta a mesma agonia que o protagonista, afinal as cenas vão aparecendo de forma embaralhada, sempre retornando ao ponto onde a anterior tinha começado. Desta forma, o espectador lembra-se que já viu aquela cena, e precisa utilizar sua memória para montar o quebra-cabeça.

Quando chegou em DVD, a edição brasileira veio com um bônus exclusivo: nos extras, havia a opção de assistir ao filme em sua ordem cronológica “correta”. É claro que estraga o charme, mas comprova a qualidade do roteiro e da sua montagem engenhosa.

Amnésia também marcou um dos cacoetes mais utilizados por Nolan em seus filmes: o uso de flashbacks silenciosos para representar memórias intimistas – recurso que retornará em todas as produções. Foi neste filme, também, que o cineasta firmou parceria com o diretor de fotografia Wally Pfister, que o acompanhará nos futuros trabalhos. Aliás, foi justamente a fotografia um dos destaques do filme seguinte de Nolan, Insônia.


 Insônia (Insomnia) - 2002

Com o sucesso de público e de crítica de Amnésia, seria inevitável o ingresso de Christopher Nolan ao studio system e o diretor não pensou duas vezes, afinal qual cineasta não gostaria de ter em seu elenco principal três ganhadores do Oscar? Al Pacino (Perfume de Mulher), Robin Williams (Gênio Indomável) e Hilary Swank (Meninos Não Choram e Menina de Ouro) estrelam Insônia em 2002, uma refilmagem de um longa-metragem homônimo norueguês de 1997, dirigido por Erik Skjoldbjærg (Geração Prozac).

Agora com um grande orçamento (US$ 46 milhões), nomes fortes envolvidos na produção (George Clooney e Steven Soderbergh) e distribuído por um estúdio gigante (Warner Bros.), Nolan não apresenta novidades linguísticas e entrega um thriller tradicional, até porque trata-se de um remake, com roteiro pronto e história padrão. É, de fato, o trabalho mais fraco de sua filmografia, mas acima da média se comparado à grande maioria dos filmes produzidos em Hollywood.

Mas é possível identificar em Insônia temas caros ao diretor, como personagens de caráter dúbio, o sentimento de culpa e o embate psicológico entre herói e antagonista. Pacino interpreta Will Dormer, um policial de Los Angeles que está sendo investigado pela corregedoria por manipulação de evidências contra criminosos. Ele e seu parceiro Hap Eckhart (Martin Donovan) são enviados ao Alasca para resolver um caso de assassinato de uma garota local e, durante a perseguição a um suspeito, Dormer mata acidentalmente o próprio colega, já que o ambiente estava todo encoberto por uma forte névoa.

Acontece que o tiro pode não ter sido acidental, afinal pouco antes Eckhart havia dito a Dormer que iria colaborar com a corregedoria sobre a investigação da qual eram alvos. Para piorar, o criminoso Walter Finch (Williams) presenciou a cena do tiro e passa a chantagear e a torturar mentalmente o policial. Como se não bastasse, a cidade de Nightmute está sob o fenômeno do “Sol da Meia-Noite”, período em que o dia dura praticamente 24 horas. A intensidade da luz solar impede o sono de Dormer, no entanto também se trata de uma metáfora sobre o sentimento de culpa e arrependimento pelo “incidente” com o colega morto. 

Insônia ganhou elogios da crítica pela fotografia, direção firme e interpretações, e foi bem na bilheteria, faturando quase 70 milhões de dólares. Mas ficou claro que Nolan topou o trabalho como porta de entrada da indústria. Assim que concluiu Insônia, reuniu-se novamente com os executivos da Warner para apresentar um projeto pessoal: a cinebiografia do lendário Howard Hughes, milionário que atuava na área da aviação e do cinema – e sofria de transtorno obsessivo-compulsivo. Desistiu da ideia, porém, ao saber que Martin Scorsese já estava produzindo um filme sobre Hughes (O Aviador, com Leonardo DiCaprio).

O estúdio, no entanto, ofereceu a Nolan a possibilidade de retratar a vida de outro milionário excêntrico: Bruce Wayne. Ou melhor, Batman.

 Batman Begins - 2005

Quando os executivos da Warner perguntaram quais seriam as ideias do diretor caso comandasse um filme do Homem-Morcego, sua resposta foi: “Ele é o mais humano dos super-heróis, não tem nenhum superpoder a não ser que você considere a sua extraordinária conta bancária. Acho que isso o torna mais identificável, porque ele tem impulsos humanos e é levado por instintos mais sombrios, mas tenta transformar isso em algo positivo”. Ou seja, era tudo o que os produtores queriam ouvir, uma história focada no homem por trás da máscara, com um foco realista, bem diferente dos resultados apresentados nos dois longas anteriores, Batman Eternamente (1995) e Batman e Robin (1997).

Os filmes dirigidos por Joel Schumacher afundaram uma franquia milionária e o estúdio sentia que já estava na hora resgatar o personagem no cinema, aproveitando a virada do século. A solução, então, foi esquecer tudo o que veio antes, inclusive os trabalhos de Tim Burton (Batman, de 1989, e Batman – O Retorno, de 1992). A proposta de Nolan foi fazer um filme de origem, mostrando o que levou um playboy a sair à noite vestido de morcego e capturar bandidos. Mas havia um problema: o cineasta nunca havia lido uma história em quadrinhos antes.

O jeito foi recorrer à ajuda do roteirista e escritor de HQs David S. Goyer, que chegou a recusar a oferta por estar se preparando para dirigir o longa Blade Trinity. No entanto, Goyer percebeu que esta era uma oportunidade de ouro e acabou aceitando o chamado de Nolan: “Sempre quis fazer um filme de Batman, me lembro de dizer à minha mãe que eu estava indo à Hollywood para fazer um filme dele. Esperei aquela ligação minha vida toda”.

A partir de 2003, Nolan e Goyer trancaram-se na garagem do diretor inglês para trocar ideias e pesquisar o personagem até que chegassem a uma boa história. O resultado foi um roteiro inspirado em três séries de grande importância na mitologia do Homem-Morcego: Batman: Ano Um (de Frank Miller e David Mazzucchelli), The Man Who Falls (de Dennis O'Neil e Dick Giordano) e O Longo Dia das Bruxas (de Jeph Loeb e Tim Sale).

Com o texto pronto – e sob o título de “Intimidation Game”, para não gerar boatos –, Nolan convenceu os executivos da Warner a irem à sua casa ler o roteiro, evitando desta forma que o projeto passasse por terceiros, o que manteve o sigilo. A aprovação foi imediata, com um orçamento de 120 milhões de dólares. Chegou a vez, então, do desenhista de produção Nathan Crowley ficar trancado na garagem do diretor para desenvolver o visual realista de tudo o que seria usado por Batman no filme, desde seu uniforme (que mescla uma roupa de espião com armadura militar), passando pelos gadgets disponíveis no cinto de utilidades e, principalmente, o Batmóvel – uma mistura de Lamborghini e tanque de guerra.

Na história, Bruce Wayne (Christian Bale) é um milionário que vê Gotham City cada vez mais mergulhada na corrupção e decide viajar ao Oriente para exorcizar os demônios que o atormentam, descobrir sua própria personalidade e desenvolver habilidades marciais. Quando passa a discordar dos valores éticos da seita secreta Liga das Sombras, liderada por Ra's al Ghul (Ken Watanabe/ Liam Neeson), Wayne decide que é hora de retornar à sua cidade natal, agindo como um vigilante mascarado. A fobia de morcegos (que desenvolveu quando era criança, após cair numa caverna localizada próxima à sua mansão) inspirou a escolha por seu símbolo e uniforme. “Por que morcegos, Sr. Wayne?”, questiona o mordomo Alfred (Michael Caine). “Morcegos me assustam. É hora dos meus inimigos partilharem desse pavor”.

Agindo como Batman, o herói passa a combater a corrupção que tomou conta das instituições públicas ao mesmo tempo em que precisa enfrentar o Espantalho (Cillian Murphy), um psiquiatra que desenvolveu um gás que provoca medo nas pessoas, e a Liga das Sombras, que planeja destruir Gotham para refunda-la. O mais impressionante em Batman Begins é a seriedade e o cuidado que Nolan e Goyer tiveram com o desenvolvimento de Bruce Wayne, permitindo ao roteiro aprofundar suas motivações e sentimentos, sem qualquer pressa em mostrar a primeira aparição de Batman já uniformizado. O estilo gótico de Burton e o carnaval colorido de Schumacher foram substituídos por um realismo impressionante, fazendo o espectador acreditar que seria possível, sim, a existência do personagem. E, se você acredita, você se importa.


É interessante, também, observar a relevância que Nolan deu à questão do medo no filme: além de inspirar Bruce Wayne e servir como arma para o Espantalho, o sentimento é constantemente citado pelos personagens – a palavra aparece por mais de 30 vezes durante as falas. Não é à toa: é claro que o medo sempre fez parte do universo de Batman, mas nunca havia sido explorado desta forma nos filmes anteriores, o que leva a crer que o clima político pelo qual passavam os americanos na época da elaboração do longa influenciou o cineasta. Vale lembrar que Nolan começou a desenvolver o projeto em 2003, quando os Estados Unidos ainda viviam uma sensação de medo após o 11 de Setembro e o ex-presidente George Bush estava em plena campanha midiática com sua “Guerra ao Terror”, relacionando Osama bin Laden a Saddam Hussein.

Tudo isso num blockbuster de verão? Numa franquia que envolve bilhões de dólares e geralmente está mais preocupada em merchandising, licenciamento e venda de bonequinhos? “Estou muito feliz com tudo o que consegui fazer. Realizei o filme que disse que faria, eu o fiz da forma como eu queria. Não há um frame no filme que não seja meu, e isso é muito satisfatório, do ponto de vista criativo”. Essa foi a grande lição aprendida pelos produtores e pelo estúdio após o equivocado Batman e Robin, cujo estrago foi tão grande que o próprio Joel Schumacher pediu desculpas pelo resultado! É serio, assista:



Batman Begins foi lançado em 2005 e faturou mais de 370 milhões de dólares só em bilheteria – sem contar produtos licenciados em todo o mundo e venda de DVDs. A crítica também aprovou e a produção até conquistou uma indicação ao Oscar, pela fotografia de Wally Pfister. A conservadora Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood indicando um filme de super-herói? Nolan fez mágica.


O Grande Truque (The Prestige) - 2006

O final de Batman Begins deixava claro que o vilão do próximo longa seria o Coringa e as expectativas foram às nuvens. O caminho natural seria partir direto para a sequência, aproveitando a boa aceitação da crítica e o hype do público, mas Nolan tinha outros planos: ele queria filmar um roteiro escrito por ele e seu irmão chamado O Grande Truque, sobre a rivalidade mortal entre dois mágicos durante a virada do século XX. “Quando a Warner me ofereceu Batman Begins, esse projeto ficou em segundo plano, pois eu não costumo trabalhar em múltiplos filmes simultaneamente”, declarou o inglês que, com a moral em alta, conseguiu financiamento para este projeto pessoal antes de mergulhar novamente no universo do Homem-Morcego.

Com um orçamento de US$ 40 milhões e baseado no livro homônimo escrito por Christopher Priest, O Grande Truque mostra a história de Robert Angier (Hugh Jackman) e Alfred Borden (Christian Bale), mágicos amigos que, após a morte acidental da esposa de um deles durante a apresentação de um truque, tornam-se inimigos pessoais e rivais de profissão. Cada mágico tentará desenvolver o truque mais impressionante ao mesmo tempo em que tentam sabotar a apresentação do adversário.

Nolan volta a entregar um roteiro extremamente elaborado e uma montagem não-linear, começando o filme com a morte de  Angier (Jackman). Conforme as cenas vão aparecendo na tela, a cronologia vai se montando e o quebra-cabeça se completa novamente com revelações surpreendentes sobre a moralidade dos protagonistas. Assim como aconteceu em Amnésia, é a morte de uma mulher que causará a obsessão de um personagem: Angier tentará vingar-se do inimigo e superá-lo como mágico, nem que isso o leve a uma tragédia inimaginável. Do outro lado, Borden (Bale) também é alguém tão obsessivo com sua arte de iludir que comete sacrifícios que o tornam qualquer coisa exceto um herói.  

Mas, se o ódio e a vingança dominam a primeira camada de O Grande Truque, é surpreendente verificar que, se analisado mais atentamente, o longa mostra-se uma declaração de amor de Nolan ao cinema. “Para mim, O Grande Truque é sobre fazer filmes, é sobre o que eu faço. E também deve sugerir ao público certas ideias sobre como o próprio filme está se desenrolando”, confessa Nolan.

O diretor lembra que o cinema é justamente um herdeiro daqueles espetáculos de magia que fizeram sucesso na Europa do final do século XIX: “Temos ferramentas mais modernas, mas o resultado de nosso trabalho é o mesmo, entreter com uma ilusão quase real”. A metalinguagem fica evidente quando ouvimos a narração do personagem de Michael Caine explicar que um truque de mágica é dividido em três partes – a Promessa, a Virada e o Grande Truque – assim como as histórias de um longa-metragem são divididas em três atos.

Metalinguagem, subjetividade, montagem não-linear que confunde em vez de deixar a narrativa mais palatável, além de protagonistas com ações questionáveis. O resultado, que poderia ser um fracasso de público, foi um total de US$ 109 milhões em bilheteria e mais uma vez a presença de Nolan no Oscar: foram indicadas ao prêmio a bela fotografia de Wally Pfister e a cuidadosa direção de arte de Nathan Crowley e de Julie Ochipinti.

O diretor inglês havia confirmado com o Grande Truque que era possível contar histórias de forma ousada e sem as amarras das fórmulas. O filme também serviu para Nolan reafirmar seu nome na indústria como um diretor rentável, seja com um blockbuster ou um projeto pessoal. Mas ainda faltava um clássico em sua filmografia.

Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight) - 2008

No final de Batman Begins, Gordon questiona o Homem-Morcego sobre como eles enfrentarão a escalada da violência (“Nós compramos semi-automática, os bandidos passam a usar pistolas automáticas; nós usamos coletes à prova de balas e eles passam a usar munição perfurizantes de Kevlar; surge você, um herói mascarado, agora aparece bandidos fantasiados”). Era um recado claro de Nolan, avisando que a escala do próximo filme seria potencializada. O que os fãs da HQ, os admiradores de cinema e os próprios críticos não esperavam era a proporção que tomaria O Cavaleiro das Trevas, produção considerada por muitos o melhor filme sobre um super-herói.

De fato, tudo foi elevado a outro nível, desde o orçamento, que ultrapassou os 180 milhões de dólares, passando por uma ação de marketing viral nunca antes vista (com campanhas virtuais e ações presenciais em diversos países, inclusive o Brasil) até filmagens ambiciosas, com cenas gravadas exclusivamente em IMAX – uma película com maior capacidade de resolução e que permite a projeção em telas gigantes. 

Mais uma vez trabalhando no roteiro ao lado do irmão Jonathan, a partir de um argumento elaborado em parceria com David S. Goyer, Nolan entrega um filme que ultrapassa os limites de uma história de um personagem de HQ, colocando O Cavaleiro das Trevas no mesmo nível de clássicos policiais como Fogo Contra Fogo ou sobre a máfia, como um O Poderoso Chefão. “Tentamos provar que existe liberdade no trabalho com personagens que o público tem uma relação. Este filme é a história de uma cidade, é um épico criminal”, conclui o diretor, que ainda explica uma das decisões mais acertadas sobre a maior atração da sequência: “Queríamos lidar com a ascensão do Coringa, não com a sua origem”.

E é assim mesmo, sem informações complementares, que somos apresentados ao vilão, visceralmente interpretado por Heath Ledger – nos obrigando a esquecer da performance de Jack Nicholson no filme de 1989 (que era considerada perfeita, vale lembrar). Inicialmente um simples bandido assaltante de bancos, o Coringa torna-se com o passar dos minutos um terrorista sem ideais, alguém que se classifica como o símbolo da anarquia. Seu propósito é despertar o que há de pior no ser humano e mostrar que qualquer pessoa pode abandonar as questões éticas tão valorizadas pela civilização, desde que seja incentivada da forma “correta”. Para comprovar seus objetivos, ele realiza diversos “estudos sociais”, como na clássica cena na qual ele explode um hospital ou quando ameaça detonar as barcas, no final do filme. “Explodimos muitas coisas. Eu disse para Chris Corbould (supervisor de efeitos especiais), no início do filme, que queria explodir mais coisas do que já haviam explodido antes”, assume Christopher Nolan.

O Coringa acaba matando a promotora assistente Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, que substitui Katie Holmes) e provocando a transformação de Harvey Dent (Aaron Eckhart), o promotor público moralmente correto e que simbolizava a esperança de Gotham, no vilão Duas-Caras. O caos proposto pelo terrorista inconsequente leva Batman a questionar as próprias ações, num primeiro momento, e a praticar atos questionáveis, como invadir a privacidade da população por meio de um aparelho tecnológico. 

Mais uma vez, Nolan explora as obsessões humanas e suas consequências, tanto pelos olhos de Bruce Wayne (Bale) quanto pelo de Dent. Estes dois personagens também apresentam a dualidade entre o bem e o mal, como já havia acontecido com os protagonistas masculinos dos outros filmes do diretor, como os mágicos de O Grande Truque, o policial de Insônia e o desmemoriado de Amnésia. E, mais uma vez, a morte de uma mulher tem importância fundamental na história e no desenvolvimento dos personagens.

Mas é curioso verificar que o próprio criador de tudo isso nega o tom sombrio e carregado que cerca seus personagens. “Eu realmente não penso os filmes numa oposição entre leve e sombrio. Fico surpreso, especialmente com os dois filmes do Batman, que as pessoas achem que eles têm um tom sombrio. Para mim, eles, na verdade, são muito otimistas e estão realmente cheios de coisas que, eu acho, são emocionalmente positivas, tanto quanto há coisas negativas. Acho que o equilíbrio entre negativo e positivo é algo que eu realmente busco numa história.”

Seja como for, O Cavaleiro das Trevas é, sim, denso, tenso e violento, no entanto o diretor soube driblar a censura americana ao não mostrar sangue na tela, garantindo a classificação “PG-13” – o que torna o filme acessível a um público bem maior. O resultado foi espetacular, ultrapassando a marca de 1 bilhão de dólares no mundo todo.


O sucesso nas bilheterias é, claramente, uma consequência da qualidade artística e técnica da obra, mas é inegável que a campanha de marketing da Warner tem grande parcela de responsabilidade. Foram organizadas dezenas de ações que divulgavam o filme, mesmo quando a produção ainda estava em processo de filmagens: era possível se cadastrar no site da campanha “I Believe in Harvey Dent” e acompanhar a ascensão política do promotor público de Gotham; programas televisivos fictícios entrevistavam personagens do filme; foram distribuídos celulares e fãs recebiam ligações telefônicas com mensagens do Coringa; também era possível verificar os ataques e intervenções do Palhaço do Crime por meio do site www.whysoserious.com, que incentivava os internautas a reunirem-se em locais públicos pintados como o personagem e postar as fotos na web. O site também criava charadas que, quando resolvidas, entregavam informações exclusivas, como uma foto ou um trailer. No fim, ninguém nem percebeu a ousadia do diretor em não colocar o nome “Batman” no título original (The Dark Knight). 

Mas nada foi mais chamativo do que a triste notícia da morte de Heath Ledger no dia 22 de janeiro de 2008. Aos 28 anos, o ator estava no auge da carreira, participando de uma sequência de filmes que arrancou elogios da crítica, como o caubói homossexual em O Segredo de Brokeback Mountain (pelo qual foi indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar) e o viciado em drogas em Candy. As filmagens de O Cavaleiro das Trevas já estavam encerradas, porém ele deixou um filme incompleto: O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, de Terry Gilliam. A composição de Ledger para o Coringa foi perfeita, dando características próprias ao personagem tanto nos trejeitos mais evidentes, como a voz ou o caminhar, quanto em ações sutis, como o olhar e a insistente passada de língua pelas cicatrizes. Sua interpretação colocou o Coringa na galeria dos vilões inesquecíveis da história do cinema e o Oscar póstumo foi mais do que óbvio. 

Além da estatueta de Ator Coadjuvante, O Cavaleiro das Trevas também conquistou o Oscar de Edição de Som, e foi indicado a outras seis categorias (Direção de Arte, Edição, Efeitos Visuais, Fotografia, Maquiagem e Mixagem de Som).

As indicações ao Oscar e, principalmente, o astronômico rendimento nas bilheterias foram o teste final para Christopher Nolan ingressar, enfim, na lista dos grandes cineastas de Hollywood com poder de decisão sobre suas futuras obras. A Warner queria o terceiro filme do Homem-Morcego, no entanto o inglês disse que toparia com duas condições: a) que o estúdio esperasse mais uns meses até ele desenvolver a história correta e b) financiamento para um projeto pessoal que ele vem criando há anos.

Um trabalho autoral com orçamento de blockbuster? Para a grande maioria dos diretores de cinema, isso não passa de um sonho.


A Origem (Inception) - 2010

Ideias originais, hoje, são algo raríssimo em Hollywood. Quase alienígena. Houve um tempo em que nomes de celebridades eram sinônimos de grandes bilheterias, mas fica cada vez mais claro que, atualmente, os estúdios vêm apostando em longas-metragens baseados em personagens, sejam eles originados em livros, HQs, séries televisivas, brinquedos ou mesmo de filmes anteriores. A explicação ao fenômeno não é nenhum segredo: Hollywood funciona como uma indústria e, como tal, visa o lucro. É muito mais seguro apostar em uma marca conhecida, que já possui milhões de fãs ao redor do mundo, do que em uma história original, cuja divulgação é mais difícil de se propagar e de convencer um público novo. Além disso, personagens rendem produtos, marcas licenciadas – como bonequinhos, mochilas, cadernos etc – que geram muito mais lucro do que o próprio filme em si.

Na lista das 15 maiores bilheterias da história do cinema, 13 são produções baseadas em personagens já existentes. Estão entre elas, cinco filmes da saga Harry Potter, três da série Piratas do Caribe, além de Batman – O Cavaleiro das Trevas, Toy Story 3, Alice no País das Maravilhas, Transformes: O Lado Oculto da Lua e Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Justamente os dois filmes que lideram a lista não são adaptações ou continuações: Titanic e Avatar, ambos de James Cameron.

Mas em 2010, Christopher Nolan, que passou a ser conhecido do grande público após “o filme do Coringa”, ousou levar aos cinemas uma história que ele mesmo havia criado, e mais: era um longa-metragem que se passava no mundo dos sonhos, com várias camadas de interpretação e um final dúbio. E não é que, apesar de passar longe da fórmula “filme simples+história mastigada+final feliz”, A Origem foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de 800 milhões de dólares! O filme também foi reconhecido pela Academia, com oito indicações ao Oscar – incluindo Melhor Filme – e empatou com O Discurso do Rei nas premiações, com quatro estatuetas (Fotografia, Efeitos Visuais, Edição de Som e Mixagem de Som).

“Acho saudável que alguém como Chris consiga produzir uma ideia original nos dias de hoje. A indústria está em um momento esquisito, talvez o público queria algo para chacoalhar suas ideias”, cogitou o astro Leonardo DiCaprio, que protagoniza o filme. No entanto, como é de praxe na carreira de Nolan, ele minimizou a relevância da discussão sobre a questão das adaptações ou produções originais: “A importância do material original é superestimada, em minha opinião. Não importa se é uma continuação, um remake ou a adaptação de um livro. Nada disso é tão importante quanto algumas pessoas pensam. O importante é fazer algo inovador desse material.”

Nolan pode falar com segurança sobre o assunto, afinal ele mesmo já realizou uma refilmagem, uma adaptação de um livro e de um personagem ícone da cultura pop. Mas é inegável que a crítica e uma parte considerável dos amantes do cinema vêm clamando por menos sequências e adaptações e por mais filmes com histórias originais. A Origem entregou o que muitos desejavam há tempos e agradou tanto àqueles que exigem filmes que trazem conceitos profundos quanto quem se satisfaz simplesmente com muitas cenas de ação com explosões, tiros e personagens correndo para salvar suas vidas.

Agora que era um cineasta reconhecido não só pela crítica, mas também pelo público, a Warner não pensou duas vezes e cedeu US$ 160 milhões para Nolan contar a história de Dom Cobb (DiCaprio), um sujeito que se especializou em entrar na mente alheia e roubar suas ideias enquanto as vítimas estão dormindo. Cobb – aliás, o mesmo sobrenome do ladrão de Following – costuma prestar seus serviços para grandes industriais, mas recebe uma proposta diferente do megaempresário Saito (Ken Watanabe): em vez de roubar, ele deve implantar uma ideia na cabeça de seu concorrente, Robert Fischer (Cillian Murphy), o futuro herdeiro de um império comercial.

Apesar de seu parceiro Arthur (Joseph Gordon-Levitt) não acreditar na viabilidade de inserção de uma ideia – aliás o título original é Inserção, e não a péssima escolha da distribuidora –, Cobb sabe que é possível, sim, fazer o implante de um pensamento, afinal ele já havia o feito anos antes com sua própria esposa. Será preciso criar no mínimo três camadas de sonho para que a ideia tenha início na parte mais profunda do subconsciente e, para realizar o plano, Cobb monta uma equipe de especialistas. Porém todos correrão sérios riscos devido a um trauma psicológico que perturba o líder dos ladrões.

A premissa, que por si só já é empolgante, mostra-se extremamente eficaz na prática e os méritos são todos de Nolan, que não subestimou a inteligência do público e entregou já nos primeiros minutos o conceito de sonho dentro do sonho – algo que será vital no clímax do filme. Apesar de a narrativa ser, mais uma vez, contada fora de ordem cronológica, em nenhum momento o filme fica confuso – ao menos não involuntariamente. Os segredos e suas soluções são entregues gradativamente, conforme vamos acompanhando os perigos pelos quais vão sendo expostos os personagens.

A ideia já vinha martelando a cabeça do cineasta há mais de dez anos, porém ele precisou esperar o momento certo para apresentá-la a um estúdio, já que seria necessário um grande orçamento para filmá-la – afinal tratava-se de uma história que se passava no mundo dos sonhos. “Me perguntei o que aconteceria se a gente fosse mais fundo no estudo das barreiras do que é real e do que acontece em nossa mente”, comentou Nolan, e completou: “Mais do que isso, eu queria tornar o mundo dos sonhos real, palpável e que pudesse interagir com quem o habitasse”. Uma espécie de fusão entre Matrix e a animação japonesa Paprika.

O resultado foi uma bela mistura de blockbuster e cinema autoral que, de certa forma, ecoa toda a filmografia do diretor. Há o quebra-cabeças mental e enigmático de Following e Amnésia, as questões morais e éticas de Insônia e O Grande Truque, a ambiguidade e o conflito interno das histórias de Batman e, como de praxe, a traumática morte de uma mulher e a obsessão pela redenção.

Mas, além da questão conceitual, Emma Thomas, esposa e produtora dos longas de Nolan, lembra que A Origem também concentra todas as experiências técnicas adquiridas com as produções anteriores do marido: “Basicamente todos os outros filmes que ele fez durante os anos foram o que este filme é agora. Nós fizemos muitas das coisas que não podíamos fazer nos filmes do Batman, pelas limitações de materiais ou o que seja. E muitas das coisas que nós aprendemos a fazer”.

Obviamente, essa liberdade sublinhada por Emma Thomas está diretamente ligada ao grande orçamento do filme, que permitiu ao diretor filmar todas as suas ideias – um luxo bastante restrito. “A Origem é um projeto que exigiu uma abordagem em grande escala. Assim que você se envolve com a ideia do que a mente humana pode imaginar, que tipo de mundo ela poderia criar, você quer ver tudo isso em grande escala. Em O Cavaleiro das Trevas, filmamos em três países diferentes. Para A Origem, filmamos em seis. Acho que vivenciamos todos os extremos, de chuvas fortes a sol ardente, passando por nevascas incríveis”, lembra Nolan.

Todos esses diferentes cenários citados pelo diretor são utilizados numa das mais extensas cenas de ação do cinema moderno. Ao criar três estágios de sonhos com duração de tempo diferentes, o cineasta adiantou o clímax da história já no segundo ato – e não na última parte, como é o comum –, colocando os personagens em perigo por muito mais tempo (e de três formas diferentes!), o que aumenta a tensão e o apego dos espectadores pela história. É claro que nada disso funcionaria se o público não tivesse comprado a ideia. “Nolan sempre priorizou a criação de um espaço para achar a emoção genuína na performance. Ele entende que não importa quão bacana pareça, se você não acredita que são seres humanos passando por aquilo, é difícil se importar”, conclui Joseph Gordon-Levitt. Obviamente, a espetacular trilha sonora de Hans Zimmer e a belíssima fotografia Wally Pfister ajudam nesse processo.

Mas se é um longa-metragem de Nolan, vale lembrar que é possível fazer várias leituras de sua história e não é nenhum absurdo enxergar em A Origem mais uma homenagem do inglês ao cinema, assim como já havia feito em O Grande Truque. Desta forma, a equipe liderada pelo personagem de Leonardo DiCaprio pode ser comparada com os principais responsáveis pelo processo de criação de um filme: a arquiteta Ariadne (Ellen Page) tem a responsabilidade de construir o mundo dos sonhos = roteirista; Arthur (Gordon-Levitt) realiza as pesquisas dos projetos e resolve problemas administrativos e burocráticos = produtor executivo; o químico Yusuf (Dileep Rao) cuida do medicamento que potencializa o sono da vítima = equipe técnica; Saito (Watanabe) é o milionário que financia o trabalho = estúdio; o falsificador Eames (Tom Hardy) imita o trejeito de outras pessoas, se passando por elas e enganando a vítima = o ator; Cobb (DiCaprio) coordena todas as ações da equipe = diretor; para que a ideia seja inserida na mente de Fischer (Murphy) = público.

A comparação não é nenhum absurdo se lembrarmos de que, quando sonhamos, vivenciamos por algumas horas histórias pelas quais choramos, rimos e até sentimos medo – quem nunca acordou suado e ofegante? Onde mais vivenciamos essa mesma experiência se não numa enorme sala de cinema?

Tirando Insônia, seu filme não autoral, todas as obras de Nolan deixam o público pensando sobre a história após os créditos e com A Origem não seria diferente. No final das contas, Cobb está sonhando ou acordado? Ao escrever o roteiro, o cineasta deixou pistas que levam a várias conclusões, como a questão da aliança ser o totem do protagonista, e não o pião, ou referências nas cenas que se passariam na “realidade” dar indícios de que Cobb ainda está dormindo, como quando seu sogro, interpretado por Michael Caine, sugere que ele “volte para a realidade”.

Talvez a maior evidência seja o fato de Cobb nem se dar ao trabalho de olhar se o pião irá cair ou não, pois prefere vivenciar finalmente o encontro com as crianças – seja aquilo real ou não. Se pensarmos que ele está fadado a nunca mais ver os filhos por ser acusado de matar a esposa (Marion Cotillard), não seria melhor viver feliz por décadas, mesmo que, no final, seja tudo uma ilusão?

Quem quiser saber mais sobre o universo de A Origem pode ler uma HQ digital com uma história que precede os acontecimentos do filme. Nela, Cobb é contratado pela Cobol Engeneering para investigar os segredos de Saito, presidente da empresa rival. Acontece, aqui, a ponte para o longa-metragem. A HQ pode ser lida online ou baixada em formato PDF.



 Superman - O Homem de Aço (The Man of Steel) - 2013

Bryan Singer pode ser considerado um dos responsáveis pelo fenômeno da presença maciça de super-heróis nos cinemas atualmente, afinal ele foi o diretor de X-Men, em 2000. Mas é inegável que ele tenha escorregado feio em 2006 com Superman - O Retorno, filme que deveria resgatar a franquia do Homem de Aço. Ao tentar realizar uma homenagem às duas produções dirigidas por Richard Donner (que traziam um clima leve, romântico e fantasioso), Singer entregou um longa-metragem completamente destoante das atuais fitas de personagens de HQs, que procuravam ser o mais realista possível – encabeçadas, obviamente, pelos novos filmes do Batman.

É claro que a Warner não poderia deixar uma franquia lucrativa como Superman afundar novamente e não pensou duas vezes em entregar o projeto de um novo filme nas mãos de Christopher Nolan, que atuará, aqui, apenas como produtor, já que a direção ficou a cargo de Zack Snyder (300, Watchmen).



Nolan desenvolveu o argumento do filme em parceria com David Goyer, responsável pelo roteiro. “Enquanto David e eu conversávamos sobre a trama de um novo roteiro para Batman, há alguns anos, ele comentou: ‘Aliás, acho que sei como você pode se aproximar do Superman’, e ele me disse qual era a sua opinião sobre o herói. Foi a primeira vez que eu enxerguei como poderíamos colocar o Superman em um contexto moderno”, explicou o cineasta inglês. Snyder, que se diz fã do Homem de Aço, concorda que o grande problema era  justamente a definição de qual seria o lugar de Kal-El em nosso mundo atual, e garante que a questão foi resolvida: “A razão por eu ter aceito fazer o filme é que a ideia de Chris (Nolan) e David (Goyer) é sensacional. Eles conseguiram encontrar o ‘porquê’”.

No entanto, a produção ainda está envolta de mistérios e não há qualquer detalhe sobre a trama. Mas já caíram na rede fotos das filmagens e a maior mudança no visual do herói foi confirmada: nada de cueca vermelha por cima das calças (assim como na atual fase dos quadrinhos), para alívio de muita gente. Jornalistas que já tiveram a oportunidade de visitar o set de filmagens e bater um papo com os produtores também garantem que o tom realista predomina no novo filme do Homem de Aço.

Emma Thomas já avisou, porém, que Nolan não está participando ativamente da realização do longa e a contribuição do inglês limitou-se apenas a dar o pontapé inicial. Até porque seu marido está muito ocupado com as filmagens do terceiro filme de Batman.


Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises) - 2012

“Sem entrar em nada muito específico, o elemento que mais nos empolga sobre esse filme é a chance de encerrar nossa história, vê-la como um desfecho. Não queremos inchar eternamente o balão, expandindo essa história”. Com essas palavras, Nolan confirmou que Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge é a conclusão da saga do Homem-Morcego sob seu comando. E como sugere o primeiro teaser trailer, será uma conclusão épica. Mais uma vez, a escala foi elevada e as primeiras fotos das filmagens já mostram a presença de vários Tumblers (o Batmóvel) nas mãos dos criminosos e Batman pilotando um Batwing (uma aeronave com design similar aos seus outros veículos) pelas ruas de Gotham. O orçamento? Nada menos do que 250 milhões de dólares.

Depois da espetacular performance de Heath Ledger como Coringa, Nolan declarou não sentir-se à vontade para encontrar um substituto para o papel e optou por outros dois vilões de grande importância na mitologia do Cavaleiro das Trevas: Mulher-Gato e Bane. R'as al Ghul, que aparece em Batman Begins, retorna agora numa versão jovem e suspeita-se que sua filha, Talia al Ghul, também dê as caras, mas não há nada confirmado. Charada, por muito tempo cogitado como certo, foi ignorado por Nolan.

Anne Hathaway foi escolhida para viver Selina Kyle/Mulher-Gato e as primeiras imagens que caíram na internet causaram mais frustração do que satisfação: nada de máscara felina ou colant hipersexy – seu uniforme é uma roupa preta que lembra um traje de espião, complementado por óculos de alta tecnologia – algo realista e coerente com o universo criado por Nolan. Informações ainda não confirmadas sugerem que os óculos, quando levantados e usados como tiara, lembram duas orelhas felinas. 

No entanto, vale lembrar também que mesmo o título “Mulher-Gato” não é usado oficialmente pela produção, apenas o nome civil da personagem – Selina Kyle. Mas Anne respondeu à intensa onda de críticas causadas pelas fotos não-oficiais, tiradas por anônimos que conseguem se infiltrar nas filmagens: “É muito frustrante, acho que todo mundo aqui se sente um pouco assim, porque essas fotos minam o trabalho que está sendo feito. Mas ninguém está preocupado. Digo honestamente, espere até ver o filme. Chris (Nolan) está fazendo coisas insanas. Mesmo a foto da Mulher-Gato que ele soltou não é tudo. Aquilo é um décimo do que a roupa representa”.

De qualquer forma, o grande nome da conclusão da saga deve ser, de fato, Bane, interpretado por Tom Hardy. A primeira ação viral do filme, que aconteceu por meio do Twitter, deu um pequeno vislumbre do que seria o visual do vilão. O mesmo aconteceu com o primeiro teaser, divulgado nas cópias de Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2, que deixou claro que ele será a grande ameaça na história. No vídeo, além de vermos o comissário Gordon acamado num hospital, provavelmente depois de levar uma surra, temos um relance de Batman enfrentando Bane e o herói aparece ofegante e exausto – para quem não é familiarizado com a mitologia do Homem-Morcego, o brutamontes é responsável por quebrar a espinha de Bruce Wayne na história A Queda do Morcego

Como já é de se esperar, Hardy esquiva-se de qualquer pergunta sobre a possibilidade de tal acontecimento se repetir neste terceiro filme: “Boa lembrança, mas tudo que posso dizer é que Nolan tem um plano e não será nada decepcionante. É uma escolha definitiva”. De qualquer forma, as primeiras imagens deixam claro que o personagem foi levado a sério desta vez, diferente da versão de Schumacher em Batman e Robin, em que Bane não passava de um gigante acéfalo. O próprio intérprete garante que todos os cuidados foram tomados, desde suas motivações até detalhes como a influência do figurino na composição do personagem: “Sempre que você coloca algo sobre a sua cara, você adota uma personalidade e uma fisicalidade na hora de atuar. É algo que dá mais liberdade durante a performance”.

Assim como aconteceu na segunda parte do filme do Batman e em A Origem, O Cavaleiro das Trevas Ressurge não será rodado em 3D, nem convertido após as filmagens (diferente da grande maioria dos recentes blockbusters), o que mostra o poder de decisão de Nolan frente ao estúdio. “Nós queremos que o visual e o clima do filme sejam fiéis aos dois primeiros. O terceiro filme é o desfecho de uma história e manter a consistência do que veio antes é o que importa”.

A conclusão da saga de Batman pelas mãos de Christopher Nolan chega aos cinemas brasileiros no dia 27 de julho de 2012, uma semana após estrear nos Estados Unidos.


  
A cinebiografia de Howard Hughes - 2014?

Após concluir a trilogia de Batman, especula-se que Nolan volte suas atenções a um projeto adiado por anos: a cinebiografia de Howard Hughes – cuja vida já foi retratada no cinema pelas mãos de Scorsese em O Aviador. No entanto, o filme de 2004 baseava-se no livro de Charles Higham, Howard Hughes: The Secret Life,  que cobria os acontecimentos sobre Hughes até o ano de 1947.

Porém, Nolan iria aprofundar-se justamente nas décadas seguintes, quando o transtorno obsessivo-compulsivo do aviador, engenheiro, empresário e cineasta o levou a adotar peculiaridades como comprar uma cadeia de restaurantes no Texas para ter certeza dos ingredientes das refeições que comia, cortar os cabelos e as unhas do pé apenas uma vez ao ano e só confiar em mórmons. O roteiro teria como base o livro Citizen Hughes: The Power, the Money and the Madness, de Michael Drosnin.

Para um diretor que sempre abordou a obsessão de seus personagens, é completamente compreensível a paixão de Nolan por Hughes e seu TOC. Agora é esperar para ver a nova imersão do cineasta na complicada mente humana e suas obsessões.



2 comentários:

  1. Excelente texto cara,não conhecia o blog,muito bom mesmo,agora...um detalhe que você disse me chamou atenção:

    "Amnésia também marcou um dos cacoetes mais utilizados por Nolan em seus filmes: o uso de flashbacks silenciosos para representar memórias intimistas – recurso que retornará em todas as produções, exceto em O Cavaleiro das Trevas."

    Eu ja tinha reparado nesses "flashbacks silenciosos"que ele adora usar,mas em O Cavaleiro das Trevas"tem um sim,na cena logo apos Harvey Dent ser queimado,ele esta no hospital despertando e vê sua moeda na mesa ao lado,nesse momento aparece Rachel segurando a moeda,corta pro Dent que grita(sem som)!

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