O candidato ao Oscar “Lixo Extraordinário” é mais um filme a tocar num assunto emergente: o lixo
Vencedor de prêmios em importantes festivais internacionais e indicado ao Oscar 2011 de Melhor Documentário, "Lixo Extraordinário" (dirigido por João Jardim, Lucy Walker e Karen Harley) é mais uma produção a abordar um problema para qual a sociedade costuma fechar os olhos: para onde vai o lixo depois que você o coloca na rua para ser recolhido? E, mais importante: quem são e como vivem as pessoas que buscam a sobrevivência nos lixões e aterros sanitários? O assunto tem aparecido com bastante frequência no cinema.
Talvez a referência mais óbvia seja o documentário “Estamira” (2004), de Marcos Prado. Filmado no mesmo lixão de Gramacho, no Rio de Janeiro – onde foi realizado “Lixo Extraordinário” –, o filme acompanha por dois anos a rotina de uma senhora esquizofrênica de 63 anos que vive da coleta de materiais em meio às montanhas de lixo. Repleto de cenas poéticas, o documentário mostra uma mulher de personalidade forte e que alterna alucinações e questionamentos sobre os problemas da sociedade, com inteligentes críticas ao sistema político e educacional, por exemplo.
Crítico, mesmo, é o clássico curta-metragem “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado (de “O Homem que Copiava” e “Meu Tio Matou um Cara”). Produzido em 1989, o filme conta, com muita ironia e inteligência, a história de um tomate, desde sua plantação até chegar a um lixão de Porto Alegre. A acidez do texto ao criticar as relações humanas revela a triste história de pessoas que aguardam com ansiedade a oportunidade de procurar alimentos em meio ao lixo recusado pelos porcos. Apesar de ter sido feito há mais de duas décadas, (infelizmente) continua sendo um filme atual e urgente, e é muito assistido nas escolas de todo país.
Com muita crueza, “Boca de Lixo” (1992) também mostra a vida de pessoas que tentam sobreviver em meio a um lixão em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Mas, aqui, Eduardo Coutinho (“Jogo de Cena”, “Edifício Master”) não busca imagens poéticas ou metafóricas: sua câmera é documental, incisiva e incômoda. “Que é que vocês ganham com isso? Pra ficar botando esse negócio na nossa cara?”, reclama um dos garotos filmados no lixão.
Documentários sobre o tema não são exclusividade brasileira. Há produções estrangeiras que também estão discutindo o problema, como o curioso “Garbage Warrior” (“O Guerreiro do Lixo”), de 2008. O filme apresenta o projeto do arquiteto Michael Reynolds, que propõe construir casas com pneus velhos, latas de alumínio, garrafas plásticas e diversos outros materiais rejeitados pela sociedade. De acordo com Reynolds, dois problemas seriam resolvidos ao mesmo tempo: a questão da habitação, com a criação de moradias em escala mundial por um preço extremamente barato e, de quebra, seriam reutilizados milhões de quilos de “lixo”.
Já o documentário “Plastic Planet” (“Planeta Plástico”) toca num assunto que envolve interesses bilionários: a indústria do plástico. Produto derivado do petróleo, o material está presente no cotidiano de todos nós, desde o café da manhã até a hora de dormir. No entanto, o plástico leva meio milênio para se dissolver e ainda libera substâncias químicas cancerígenas. O alemão Werner Boot, diretor do filme e neto de um industrial do setor, viaja o mundo para conversar com especialistas e tentar fazer um alerta sobre a ameaça de um produto tão corriqueiro.
Mas não são apenas os documentários que abordam a urgência do problema do lixo. Quem não se emocionou com o romântico robozinho Wall-E (2008), abandonado num planeta Terra transformado em um imenso lixão? A animação da Pixar, premiada com o Oscar, não esconde sua mensagem ecológica e anticonsumista. O Brasil também tem filmes sobre o assunto, como o infantil “A Casa Verde” (2010). Dirigido por Paulo Nascimento, o longa-metragem traz uma garotinha lutando contra um homem malvado que impede a reciclagem, por ganhar dinheiro com o lixo. E o projeto “All the Invisible Children” (“Crianças Invisíveis”), de 2005, contou com a participação de Kátia Lund, co-diretora de “Cidade de Deus”. Kátia dirigiu o curta “Bilú e João”, sobre duas crianças de rua que recolhem lixo para sobreviver. Os cineastas Spike Lee, Ridley Scott, Stefano Veneruso, Mehdi Charef, Emir Kusturica e Jordan Scott também participaram do filme.
Como se vê, há diversos filmes que procuram mostrar que o caminho do lixo vai muito além da nossa porta, enquanto pensamos que fizemos nossa parte ao simplesmente amarrar bem firme as sacolas plásticas. Diretores em todo o mundo tentam apontar os problemas gerados por nossa sociedade consumista, que adquire e descarta produtos numa velocidade incessante. Segundo Annie Leonard, ativista política e criadora do vídeo “A História das Coisas” (“The Story of Stuff”, disponível no Youtube), 99% de tudo o que compramos vão para o lixo em seis meses. Ou seja, é preciso mudar de atitude.
O cinema tem feito sua parte, produzindo filmes que tocam no assunto, apontam soluções e colaboram para a reciclagem de velhos pensamentos e hábitos.
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