segunda-feira, 11 de abril de 2011

O FEITIÇO DO RIO - REPORTAGEM

 A cidade carioca volta a ser cenário de diversos filmes estrangeiros; o problema é a manutenção dos estereótipos e clichês sobre o brasileiro



Rio”, dirigida por Carlos Saldanha (da cinessérie “A Era do Gelo”) é só mais uma grande produção dessa recente safra hollywoodiana a transformar o Rio de Janeiro em cenário cinematográfico. Além da animação sobre a ararinha azul enviada à Cidade Maravilhosa para dar continuidade à própria espécie, o quinto filme da franquia “Velozes e Furiosos” também terá o Pão de Açúcar e o Corcovado como paisagem. “Amanhecer” – a primeira parte do capítulo final da “Saga Crepúsculo” – teve cenas rodadas no município de Paraty e no bairro da Lapa, na capital fluminense, e o próximo trabalho de Samuel L. Jackson, o thriller “The Samaritan”, também terá filmagens no Rio de Janeiro. E notícias sobre o interesse de Woody Allen em filmar na praia de Copacabana e a possibilidade de o Rio entrar na “franquia das cidades do amor” (“Nova York, Eu Te Amo” e “Paris, Eu Te Amo”) volta e meia aparecem como quase certo na mídia.



 “Estamos passando ao mundo a imagem de que o Rio é uma cidade de cinema, seja no sentido figurado, seja no literal”, explicou ao Valor Econômico o presidente da RioFilme Sérgio Sá Leitão. De fato, Hollywood está de olho no Rio de Janeiro não é de hoje, já que, em 2009, a estátua do Cristo Redentor foi destruída pelo apocalíptico “2012”, do também apocalíptico Roland Emmerich (“O Dia Depois de Amanhã”, “Godzilla”, “Independence Day”). Em 2009, “O Incrível Hulk” teve filmagens na favela Tavares Bastos, que simulou a Rocinha. Na história, Bruce Banner vem ao Brasil atrás de ervas medicinais que o ajudariam a encontrar sua cura e decide morar na favela para se esconder do exército estadunidense. O diretor Louis Leterrier, em entrevista ao Omelete, conta sua surpresa ao fazer o reconhecimento da locação: “Achei que fosse me deparar com lixo por todos os lados, fezes, sei lá. Mas é muito limpo. Eles têm TV a cabo! É uma loucura e servia aos nossos propósitos de ter um lugar em que ele (o personagem de Edward Norton) pudesse sumir”.


Leve um macaco para casa
Leterrier precisou convencer a Marvel Studios de que seria seguro filmar no Brasil, até porque a imagem de nosso país lá fora nem sempre foi veiculada de forma benéfica, caso do polêmico filme “Turistas” (2006), no qual jovens estrangeiros são assassinados por uma gangue especializada em roubar órgãos humanos. Sobre o lançamento da animação “Rio”, que traz uma visão completamente positiva da cidade (ainda que toque em assuntos como o tráfico de animais e corrupção), o presidente da Rio Film Commission Steve Solot comenta a virada da imagem do Rio de Janeiro no cinema. “O filme marcará uma nova visão global da cidade, o que facilmente ofuscará impressões negativas do passado. E ainda fará mais: tocará todas as gerações, inspirando-as a descobrir a cidade por si mesmos.” É claro que nem todos ficaram tocados por filmar na Cidade Maravilhosa. Perguntado sobre o que achou de filmar “Os Mercenários” no Brasil, o astro Sylvester Stallone respondeu: “Você pode explodir as coisas por lá, fazer churrasco de toda uma vila e no fim do dia eles vêm te agradecer e te dar um macaco para levar para casa”. O comentário rendeu pesadas críticas no Twitter e fez o eterno Rambo se retratar oficialmente. A favela de Tavares Bastos e a cidade fluminense de Mangaratiba serviram de locação para um fictício país latinoamericano no filme de Stalone.

O fato de o Rio de Janeiro voltar a ser desejado pelo cinema internacional pode ser explicado por diversas formas. Nos últimos dez anos, o Brasil ganhou importância política e econômica, ao integrar o “Bric” – o bloco de nações emergentes, formado ao lado de Rússia, Índia e China. Não à toa, foi escolhido o país sede da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, na cidade do Rio. A descoberta do pré-sal coloca o país entre os grandes produtores de petróleo e o episódio diplomático sobre a crise nuclear no Irã, intermediada pelo Brasil e pela Turquia, peitou as grandes potências mundiais. Em março, o presidente Barack Obama foi ao Rio de Janeiro, visitou o Cristo Redentor, fez embaixadinhas, assistiu uma roda de capoeira, visitou uma favela, ganhou uma camisa do Flamengo e discursou no Theatro Municipal sobre a importância de uma parceria de igual para igual com o Brasil nas questões econômicas e políticas.

Paralelamente, o cinema nacional também deu preferência à capital fluminense e, desde a retomada, três filmes de grande sucesso internacional se passavam no Rio: “Central do Brasil”, de Walter Salles, ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim em 1998 e levou a atriz Fernanda Montenegro ao tapete vermelho do Oscar. Fernando Meirelles dividiu opiniões com “Cidade de Deus”, hoje presente nas listas de melhores filmes no mundo todo. E “Tropa de Elite”, de José Padilha, também foi o grande vencedor do Urso de Ouro, na 58ª edição da Berlinale.


O Feitiço do Rio
Em 2002, o desenho “Os Simpsons” causou uma enorme polêmica no episódio em que a família amarela vem ao Rio de Janeiro ajudar uma criança carente. Macacos atacando as pessoas na rua, sequestro relâmpago, apresentadoras televisivas infantis hipersexys, libertinagem entre os moradores e erros geográficos causaram revoltas no governo brasileiro (na época, Fernando Henrique Cardoso), que exigiu um pedido de desculpas. O episódio, de fato, ironiza os problemas brasileiros e até inventa situações absurdas, mas também critica ferozmente a ignorância estadunidense – como é típico do desenho. Seu título, “Feitiço de Lisa” (“Blame it on Lisa”) faz referência ao filme “Feitiço do Rio” (“Blame it on Rio”), de 1984, estrelado por Michael Caine e pela Demi Moore em início de carreira.
 
Dirigido pela lenda Stanley Donen (de “Cantando na Chuva”), a produção é uma refilmagem do francês “Un moment D'Egarement” (1977) e traz uma série de clichês e estereótipos, distorcendo a realidade carioca: as mulheres fazem topless na praia, as pessoas caminham na areia com seus macacos de estimação, outros carregam um tucano no ombro, as mulheres estão sempre dispostas a fazer sexo e o casamento tem rituais umbandistas. É o que também acontece em “Orquídea Selvagem” (1990), no qual Mickey Rourke, Jacqueline Bisset e Carré Otis encontram muita lambada, sexo e um Rio de Janeiro com fortes características baianas. Ambos os filmes são estudados no documentário “Olhar Estrangeiro”, dirigido por Lúcia Murat (“Quase Dois Irmãos”) a partir do livro “O Brasil dos Gringos”, de Tunico Amâncio. Lúcia entrevista (e põem na parede) alguns dos produtores e atores que participaram desse tipo de filmes, como o próprio Michael Caine e os roteiristas de “Feitiço do Rio” Charlie Peters e Larry Gelbart, e o diretor de “Orquídea Selvagem” Zalman King.

 A lista de produções estrangeiras que se passam no Rio de Janeiro é enorme, indo desde “Alô Amigos”, de 1942 (quando surgiu o personagem Zé Carioca), passando por clássicos como “Interlúdio”, de Alfred Hitchcock" (1946) e “Orfeu Negro”, de Marcel Camus (1959), até produções esquecidas (e esquecíveis), como “Si Tu Vas à Rio Tu Meurs” (“No Rio Vale Tudo”, 1987), de Philippe Clair, ou “Brenda Starr” (1989), de Robert Ellis Miller. Até o agente secreto James Bond “passeou” pelo Bondinho e fez parecer que a cidade carioca, as Cataratas do Iguaçu e a Amazônia são vizinhas no vergonhoso “007 Contra o Foguete da Morte” (1979). Além de outras 40 produções nas quais os bandidos fogem para o Brasil, de preferência para o Rio.

O clichê como crítica do clichê
Mas o Rio irreal pode estar com os dias contados, já que a própria indústria cinematográfica está de olho no potencial econômico das bilheterias brasileiras (e latinoamericanas) e o Brasil deixou de ser o distante país exótico do Terceiro Mundo e passou a ser um dos protagonistas da nova ordem mundial. Isso já pode ser observado num blockbuster como “O Incrível Hulk”, no qual a ambientação na favela é mais realista e menos romântica, ou na própria animação “Rio”, que, dirigida por um brasileiro, traz também os conterrâneos Sérgio Mendes, Bebel Gilberto e Carlinhos Brown para a trilha sonora – substituindo, assim, a infame chance de ouvirmos alguma lambada ou cha cha cha (ainda que a produção peque por manter alguns clichês, como animais inexistentes na fauna brasileira).

Já na produção franco-brasileira “Rio Sex Comedy”, o diretor Jonathan Nossiter (do documentário “Mondovino”) utiliza-se de todos os clichês já usados anteriormente para criticar justamente a distorcida visão estrangeira sobre o Rio de Janeiro e seu cotidiano. Desta forma, índios andando pelas ruas, muito sexo, a diferença entre ricos e pobres, tudo passa pela comédia politicamente incorreta de Nossiter, um norte-americano criado na Europa e com cidadania e família brasileira.  

Em 2011, a escola de samba Salgueiro apresentou o tema “O Rio no Cinema”, relembrando a importância histórica da cidade na cinematografia nacional e mesclando símbolos clássicos de Hollywood e da antiga capital brasileira, como o Homem-Aranha lutando contra o mosquito da dengue e o King Kong subindo no relógio da Central do Brasil. No último carro alegórico, o tão sonhado Oscar brasileiro tocando pandeiro e usando chapéu de sambista. Se o Rio de Janeiro e o Brasil estão na moda, não seria estranho se o cinema nacional finalmente conquistar, nos próximos anos, a estatueta dourada.

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