sábado, 30 de abril de 2011

REENCONTRANDO A FELICIDADE - CRÍTICA


A dor da perda de um filho tem presença constante no cinema, seja em produções memoráveis, como o desesperador “Anticristo” (de Lars von Trier) e o belo “O Quarto do Filho” (do italiano Nanni Moretti), ou em filmes esquecíveis, caso de “Provocação” (de Tod Williams) e do recente drama nacional “As Mães de Chico Xavier”. Não é à toa: pode parecer senso comum, mas o sentimento de tristeza pela morte de um descendente é inconsolável e pode ser observado, inclusive, na natureza, entre os animais: é nossa missão instintiva perpetuar a espécie.

É com muita competência que trata desse assunto o filme “Rabbit Hole” (toca do coelho, em referência ao livro “Alice no País das Maravilhas”), de John Cameron Mitchell (“Shortbus”), que recebeu o inapropriado título nacional deReencontrando a Felicidade”. Inapropriado porque, mais do que a própria felicidade, Becca e Howie Corbett buscam voltar ao eixo de suas vidas após o filho de quatro anos morrer atropelado em frente à sua residência, num bairro suburbano e chique.
 Becca, personagem que rendeu a Nicole Kidman uma indicação ao Oscar 2011, tenta se recuperar do trauma apagando da memória toda e qualquer lembrança do garoto, seja doando as roupas da criança ou oferecendo a casa à venda. Seu marido, por outro lado, acredita que é preciso seguir em frente sem se esquecer do rebento, por isso assiste diariamente aos vídeos caseiros nos quais o menino aparece e se recusa a retirar a cadeira infantil no banco de trás do carro.

Não há qualquer química entre Kidman e Aaron Eckhart, mas aqui isso é uma qualidade, não um defeito, já que, durante os oito meses de luto, criou-se uma densa barreira entre os dois. Eckhart, sempre competente, compõem um homem que tenta se mostrar forte, mas são pelos detalhes que vemos que ainda não se recuperou do trauma. Nicole Kidman despe-se da maquiagem de musa do cinema para enriquecer sua personagem (ainda que suas intervenções cirúrgicas incomodem), uma mãe que assume que não consegue aceitar a morte do filho e não encontra paz nem em casa nem em sua família – momentos que traz ótimas participações de Dianne Wiest e Tammy Blanchard.

O diretor John Cameron Mitchell foge dos clichês dramáticos ao oferecer surpresas na narrativa, jogando pistas falsas ao espectador o tempo todo. Para cada elemento novo que entra na trama – baseada numa peça teatral do roteirista David Lindsay-Abaire –, descobrimos uma nova interpretação dos fatos e sentimentos, o que permite, inclusive, alguns risos durante a projeção. Mas é a questão da culpa a força do filme, ainda que apareça de forma sutil. Num acidente, de quem é a culpa? Do esquilo, que saiu correndo? Do cachorro, que perseguiu o esquilo? Da criança, que correu atrás do cachorro? Do pai, que esqueceu de prender o cão? Da mãe, que não viu a criança ir para a rua? De Deus? Do motorista, que dirigia velozmente? Mas, se o carro estivesse mais rápido ou mais devagar, teria atropelado a criança?

“Reencontrando a Felicidade” não se trata de “destino”, mas de tentar entender que, para cada coisa que aconteceu, milhares de outras deixaram de acontecer, como sugere o livro “Universos Paralelos”, lido por um dos personagens. Só que não temos a mesma sorte de “Alice”, que pôde entrar na toca do coelho, viver outras realidades e voltar em segurança para casa. Na vida, é preciso levantar a cabeça e seguir em frente.

*Texto publicado no site www.CinemaNaRede.com.br 

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