terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tim Burton, um gótico em Hollywood - Perfil

As sombrias histórias dos filmes de Tim Burton emocionam e mostram que o bizarro também pode ser bonito


Manter o pulso firme e conservar suas características artísticas é quase impossível na indústria hollywoodiana, onde os produtores e executivos sempre querem dar um palpite. Imagine, então, a dificuldade que deve passar Tim Burton, um dos maiores cineastas da nossa geração. Gótico assumido, o diretor é apaixonado por temas bizarros e faz questão de colocar todos seus assuntos preferidos em suas obras: morte, escuridão, melancolia, personagens que não se encaixam na realidade em que vivem... Em cada filme produzido por Burton, podemos encontrar as características da personalidade do diretor, mesmo nas histórias do herói Batman, em animações bizarras como A Noiva Cadáver ou a natalina O Estranho Mundo de Jack, ou até em refilmagens de clássicos como O Planeta dos Macacos e A Fantástica Fábrica de Chocolate. Não importa o tema. A visão gótica do diretor sempre estará lá.


Timothy William Burton nasceu em 1958, na Califórnia, EUA. Apaixonado por filmes de terror desde pequeno, sempre teve problemas de relacionamento. Na adolescência, conheceu a literatura gótica de Edgar Alan Poe e os filmes de Vicent Price e Edward D. Wood. Quando terminou o colegial, ganhou uma bolsa de estudos da Disney, para aprender animação. Em três anos, já fazia parte do Walt Disney Studios, mas não ficou muito tempo por não concordar com a direção artística da empresa. Além disso, não conseguia produzir seus trabalhos, que, segundo a produtora, eram muito obscuros. Não teve outra opção senão juntar dinheiro para filmar seu primeiro longa-metragem, As Grandes Aventuras de Pee Wee (1985). Apesar de ser um filme infantil, Pee Wee foi sucesso de público, mas ainda não continha as características que fizeram a marca de Tim Burton.


Personagens bizarros

O que se viu após o primeiro longa de Burton foi uma série de filmes com temas góticos e personagens bizarros: fantasmas, um esqueleto vestido de Papai Noel, um sujeito fantasiado de morcego, um homem com mãos de tesoura, um cavaleiro-sem-cabeça, anões palhaços, gigantes, macacos falantes, uma noiva cadáver, um cabeleireiro homicida... A lista mais parece uma festa Halloween, no entanto é a premiada filmografia do diretor.

Burton surpreendeu o mundo com Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice) em 1988. Esta comédia de humor negro concorreu ao Oscar de melhor Efeitos Especiais e ganhou o de Maquiagem. Aqui estão claras as características do diretor: fantasia, história macabra, roupas listradas. Tim Burton ganhou tanta moral com o sucesso de “Os Fantasmas...” que ficou encarregado de trazer para as telonas um dos maiores heróis dos quadrinhos: Batman. Recorde de bilheteria de 1989, o filme do homem-morcego era obscuro, trazia um Bruce Wayne fechado para o mundo e Gotham City, como o próprio nome diz, era extremamente gótica, cheia de sombras e enormes catedrais.

Com apenas três filmes, Tim Burton pôde fazer seu filme autobiográfico, Edward Mãos de Tesoura (1990). O conto, criado pelo diretor ainda na adolescência, narra a história de um robô feito por um inventor que morreu antes de poder trocar suas navalhas por mãos de verdade. Encontrado por uma senhora suburbana dos EUA, o rapaz se sente deslocado da sociedade que o teme e o rejeita por ser diferente. A história faz um paralelo com a vida de Burton que, na juventude, se sentia rejeitado pelas pessoas. Isto é representado pelas mãos de tesoura do personagem, que o impedem de tocar qualquer coisa ou alguém. Repleto de referências góticas, como a roupa escura e a maquiagem do protagonista, e com uma pitada de crítica social, o filme inicia a parceria do diretor com o ator Johnny Depp. Uma obra-prima.


Em 1992, Burton volta ao mundo do homem-morcego com Batman – O Retorno. Com o sucesso do primeiro longa, o diretor tem mais liberdade para deixar o herói ainda mais obscuro que o anterior. Mas percebemos a presença de Tim Burton na composição do vilão Pinguin, que no cinema ganha um passado diferente. Aqui, o vilão é psicologicamente afetado depois de ser abandonado pelos pais. Após o trauma, o personagem se isola do mundo – outra das características dos personagens de Burton.


Depois da história do herói, Burton voltou seus olhos para a animação. Ele já havia feito Vicent, em 1982, curta-metragem sobre um garoto que não entendia o mundo e queria se tornar Vicent Price, conhecido ator de filmes de terror (e ídolo do diretor). Em 1993, Tim Burton lançou O Estranho Mundo de Jack, escrito por ele e dirigido por Henry Selick, seu parceiro de produção. No roteiro, Jack é um esqueleto que vive feliz em Halloweentown, mas sente falta de alguma coisa em sua vida. Após descobrir a “Cidade do Natal”, leva o feriado para sua terra. Mais uma vez, as principais características de Burton ficam expostas, como a poesia gótica das músicas, as roupas listradas, a bizarrice da história e o personagem que não se encaixa na sociedade em que vive.




A crise de bilheteria

A partir de 1994, Tim Burton vive uma crise com a bilheteria americana. Sucesso de crítica, com duas estatuetas – melhor ator coadjuvante e maquiagem – Ed Wood foi completamente ignorado pelo público. Filmado em preto e branco, o longa narra a vida de Edward D. Wood, conhecido como o pior diretor de todos os tempos (porém, ídolo de Burton). Johnny Depp repete a parceria de Edward Mãos de Tesoura e dá vida ao cineasta enlouquecido. Outro personagem desajustado na sua sociedade e o tema macabro (Ed Wood era diretor de filmes de terror) são a marca registrada de Burton nesta película.

Inspirado nas produções cinematográficas “B”, mas com elenco “A” – Jack Nicholson, Michael J. Fox, Glenn Close, Natalie Portman, Danny DeVitto e Pierce Brosnan – Tim Burton brinca com a “democracia e liberdade” americana em Marte Ataca! (1996), paródia dos filmes de ficção científica dos anos 50 e 60, quando o comunismo ameaçava o mundo ocidental. A crítica odiou e o público passou longe dos cinemas. Se o tema gótico ficou de fora, a bizarrice da história e dos invasores marcianos são a assinatura do diretor no longa.

A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça trouxe mais uma vez o tema sombrio à filmografia do diretor. E mais uma vez, a parceria Tim Burton-Johnny Depp acontece nessa fábula gótica na qual uma cidadezinha vitoriana é ameaçada por uma lenda local, que decepa seus moradores, causando terror na região. O cético detetive Ichabod Crane (Depp), com seus métodos científicos, é convocado para resolver o problema. Fotografia cinzenta, cemitério, névoa no horizonte, lápides de pedra e roupas escuras fazem o goticismo desta película. Se o grande público não gostou, Burton conquistou mais uma vez a crítica, recebendo um Oscar pela Direção de Arte, e indicações pelo Figurino e pela Fotografia, em 1999.


Ao dirigir O Planeta dos Macacos (2001), Burton mexeu num vespeiro perigoso, já que o clássico de 1968 tinha milhares de fãs. A refilmagem foi um fracasso de público, apesar da grande campanha de marketing e dos elogios que recebeu. A história, todo mundo conhece: astronauta se perde no espaço e vai parar num planeta dominado por macacos, onde humanos são escravos. Tim Burton deixa um pouco de lado suas características sombrias, mas podemos encontrar um pouco de sua influência na crítica racial/social entre homens e primatas.


De volta ao topo

Em 2003, Burton vivia duas experiências opostas: seu pai faleceu e sua mulher, a atriz Helena Bonham Carter, ficou grávida. Os eventos o levaram a produzir um de seus trabalhos mais elogiados, Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas. Tim Burton conquistara o mundo outra vez! O diretor resolve trocar a escuridão de seus filmes por uma fantasia colorida, ao acompanhar William, um sujeito que se desentendeu com seu pai por não acreditar nas histórias que ele contava. Depois de anos sem falar com o progenitor, e ao saber que o “contador de histórias” está morrendo, ele passa a investigar seu passado. O que se segue é uma sequência de personagens bizarros (palhaços anões, um gigante comedor de ovelhas, gêmeas siamesas, bruxas que enxergam o futuro e muito mais) e uma história de relação entre pai e filho capaz de fazer até o mais machão deixar escapar uma lágrima




E já que a fase estava boa outra vez, Tim Burton foi atrás de outra polêmica: anunciou que faria mais uma refilmagem, desta vez do clássico infantil A Fantástica Fábrica de Chocolate. Para tanto, convocou mais uma vez seu ator predileto, Johnny Depp, e usou como base o livro homônimo e não o filme anterior. Na história, nenhuma novidade: garoto humilde é um dos cinco sorteados para conhecer a fantástica fábrica de chocolates. O que surpreende na refilmagem é o tom sarcástico do humor, a fotografia colorida e a excentricidade do personagem Willy Wonka (Depp). O dono da fábrica de chocolates parece odiar crianças e possui um jeito levemente afeminado. Como saber se é um filme de Tim Burton? Preste atenção ao redor da fábrica, nos tetos e paredes. As sobras e a escuridão estão lá, mesmo com a presença das cores fortes dos doces. Além, é claro, do protagonista bizarro. Sucesso de público e crítica.


No mesmo ano em que lançou A Fantástica Fábrica de Chocolate, Burton voltou ao mundo da animação em stop-motion com A Noiva Cadáver (2005). A técnica, que consiste em filmar quadro-a-quadro os bonecos, mostrou que pode disputar qualidade com a animação gráfica. E quando parece que o diretor não poderia mais surpreender, ele traz uma história de amor entre um homem e uma mulher morta! Acredite, nas mãos dele, este romance gótico é belo e sensível. Cheio de números musicais, esta animação junta todos os conceitos artísticos e pessoais de Burton: personagens melancólicos, romances impossíveis, tema gótico, fantasia macabra. É surpreendente a visão de Tim Burton sobre realidade: o diretor mostra o mundo dos vivos sempre com cores cinzas, cheio de sombras e tristezas, enquanto o mundo dos mortos é colorido, alegre e musical. A morte talvez não seja o pior momento da vida!


O mais recente filme de Burton foi Sweeney Todd, mais uma vez com Johnny Depp. Na história, o caso do lendário barbeiro que, após ser expulso injustamente de Londres, retorna para se vingar, assassinando seus inimigos com sua navalha de ofício. Ah, e sua companheira prepara o rango com o resultado da carnificina. Mais Burton, impossível. 


Histórias macabras, fantasmas, homem-morcego, amor gótico, humor negro, personagens que não estão felizes no próprio ambiente, filmes de terror, Johnny Depp, roupas listradas, fantasias bizarras. Este é Tim Burton. E este é seu mundo.



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