quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PRA FRENTE, BRASIL (parte II)

Na segunda parte da análise sobre o cinema nacional, o morro carioca invade as telas e o Brasil sente a falta de um pai (ou de um Estado)

As favelas cariocas
Não foi só a ditadura que rendeu bons filmes com questões sociais. Em 2002, Fernando Meirelles tomou de assalto o Festival de Cannes com Cidade de Deus. Baseado no livro homônimo de Paulo Lins, Meirelles mostrou, com uma linguagem publicitária, o nascimento do tráfico de drogas e a batalha entre duas gangues rivais na favela que dá nome ao filme/livro. Conquistou o mundo e recebeu como recompensa quatro indicações ao Oscar (Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia).

Após o sucesso comercial de Cidade de Deus, as favelas voltariam a ser assunto em muitos outros filmes. “Tive a sorte de ser o primeiro. Saí na frente, mas quem mora no Rio de Janeiro pensa nisso o dia inteiro. De alguma forma, abri um ciclo de exclusão urbana”, contou Fernando Meirelles na revista Rolling Stone. O cinema voltaria às favelas e ao tráfico de drogas com Quase Dois Irmãos (2004), de Lúcia Murat, Cidade dos Homens (2006), de Paulo Morelli, Era Uma Vez... (2007), dirigido por Breno Silveira e Meu nome não é Johnny (2008), de Mauro Lima, este último com ótima bilheteria.


Mas o mais recente sucesso de público e de crítica – e fenômeno inédito de pirataria antes mesmo de sua estreia –, foi Tropa de Elite, em 2007, que causou polêmica, criou debates, e trouxe a tortura policial de volta aos cinemas brasileiros. “Tenho visto muita gente falando que o Bope é o herói do filme e fico estarrecido com isso”, contou Wagner Moura à revista SET, em outubro de 2008. “Para a população, Tropa de Elite é uma espécie de vingança”, teoriza José Padilha, diretor do longa, sobre o por que da população ter aceitado tão bem o personagem Capitão Nascimento, interpretado por Moura, que combate o tráfico de drogas matando e torturando os bandidos.


 Tropa de Elite tentar humanizar um assassino, tenta justificar o assassinato e a tortura. E contra pobre. Eu não defendo bandido, acho que todos os crimes devem ser julgados e cumpridos, mas aquele filme justifica o crime do Poder, em nome do Estado. Ele (Capitão Nascimento) pensa estar defendendo a sociedade, mas, na verdade, está matando uma parte dela”, protesta Rose Nogueira, membro do grupo Tortura Nunca Mais. Mas, além do debate sobre a tortura dos policiais, o filme discutiu a própria estrutura em que se encontra a Polícia Militar carioca. Logo após assistir a uma cópia do filme entregue por Padilha, o governador Sérgio Cabral ligou para o comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo, e pediu pressa no processo de terceirização da frota de veículos da corporação. A sequência, Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro, quebrou todos os recordes de bilheteria e se tornou o filme nacional mais visto, ultrapassando a marca de 10 milhões de telespectadores.

Última Parada 174, de Bruno Barreto, foi o representante nacional para tentar uma vaga na disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009. Com algumas liberdades criativas, o longa narra a vida e a morte de Sandro Nascimento, garoto sobrevivente da Chacina da Candelária que, num assalto frustrado a um ônibus, tomou os passageiros como reféns e foi executado pelos soldados do Bope. E quem ainda tiver dúvida quanto à popularidade das favelas nos cinemas, é só conferir O Incrível Hulk (2008), superprodução hollywoodiana sobre o “herói esmeralda”. Bruce Banner, o alter ego do monstro verde, vai para os morros cariocas se esconder do exército estadunidense.

A falta do pai

Já reparou como os filmes de Walter Salles sempre abordam a ausência da figura paterna? Em 1998, com Central do Brasil, o diretor narrou a procura de um garoto por seu pai, depois que sua mãe morre atropelada. Salles volta a tocar no assunto em Água Negra (2005), produção hollywoodiana que traz Jennifer Connelly no papel de uma mulher que se muda com a filha para um apartamento barato e mal-assombrado, e com Linha de Passe, sobre a história de uma família – mulher e cinco filhos – da periferia de São Paulo. Cadê a figura do pai?


Paulo Morelli também tocou no tema ao trazer os garotos Acerola e Laranjinha, personagens da série de televisão Cidade dos Homens, discutindo a paternidade nas telas de cinema. Enquanto Laranjinha busca a identidade de seu pai, Acerola precisa aprender a cuidar sozinho de seu filho. Cidade dos Homens, aliás, fala também do tráfico de drogas nas favelas cariocas. Por que a ausência da figura paterna tem sido um tema recorrido nos cinemas? A sensação da família sem pai é a mesma que sente a periferia das grandes cidades, abandonadas pelo Estado, explicou Salles, em entrevista à SET do mês de setembro de 2009: "O Brasil pode se definir por inúmeras vertentes. Uma delas é pela falta crônica do pai, desde a fundação do país".

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