quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A DITADURA EM FOCO


Conheça alguns dos melhores filmes que abordam um sombrio passado latinoamericano

“Quando pergunto aos alunos quais foram os últimos cinco reis da França, eles respondem de letra, porém, se eu perguntar quem foram os últimos cinco presidentes do México, ninguém sabe responder”. Essa situação, citada por Elias Feitosa de Amorim Jr., professor de História e coordenador cultural do Cursinho da Poli, exemplifica perfeitamente como nós, latinoamericanos, conhecemos bastante a história de alguns países europeus e a dos Estados Unidos e desconhecemos nossa própria identidade.

Fatos e situações de extrema importância política e social, que jamais deveriam ser esquecidos, acabam sendo ignorados pelo grande público, principalmente pelos mais jovens. Um exemplo desse equívoco é a falta de conhecimento de muitos brasileiros sobre o período obscuro pelo qual passaram os países latino-americanos nas décadas de 1960, 70 e 80, dominados por ditaduras militares.

Diversos fatores são apontados como causa desse desconhecimento de nossa própria história: a supervalorização cultural dos países desenvolvidos e o decorrente preconceito em relação à produção artística nacional são alguns deles. A maior parte das salas de cinema ainda hoje é inundadas por filmes hollywoodianos, enquanto os longa-metragens domésticos passam quase despercebidos, e muito da produção de outros países da América Latina nem sequer chega por aqui.

Como a cultura e a informação são dois pilares do Cursinho da Poli, esta reportagem procurou listar alguns dos principais filmes brasileiros e de outros países latino-americanos que abordam a repressão sofrida durante a época da ditadura no continente. É óbvio que produções cinematográficas às vezes tocam superficialmente assuntos extremamente complexos, como é o caso dos regimes militares ditatoriais. Ainda assim, são um ótimo ponto de partida.

Nacionais
Lançado em 1983, quando se dava a abertura política no país, Pra frente, Brasil (de Roberto Farias) mostra um caso de “desaparecimento” de um trabalhador comum, confundido pelos militares com um ativista político. Enquanto a nação está hipnotizada com a Copa de 1970 e com o “milagre econômico”, opositores do sistema e cidadãos que nem sequer se envolviam com movimentos organizados eram torturados nos porões federais. Já O que é isso, companheiro? faz parte da retomada do cinema nacional - que ficou por décadas sem grandes produções. O filme é de 1997 e focaliza o período em que o AI-5 (Ato Institucional n° 5, de dezembro de 1968) acabou de vez com os direitos civis, e um grupo de ativistas ligados ao MR-8 seqüestra o embaixador dos Estados Unidos para negociar a libertação de presos políticos. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira (de 1981), o filme foi dirigido por Bruno Barreto e recebeu indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

A luta armada e a descoberta de que esse talvez não fosse um caminho eficaz para a derrubada da ditadura é o tema de Cabra Cega, dirigido por Toni Venturi. No enredo, que se passa em 1971, dois militantes se escondem na casa de um amigo após um deles ser ferido, e as questões práticas e filosóficas dessa luta vão sendo abordadas em suas contradições. Em Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende, conta-se a história da famosa estilista que se põe em luta contra o regime militar após seu filho ser torturado e morto pelos militares. Enfrentando os mais altos escalões da ditadura, Zuzu teria dito que não estranharia se morresse em um “acidente” de carro. Em 1976, de fato o tal “acidente” acontece. O corpo de seu filho nunca foi encontrado.

Dirigido por Helvécio Ratton e com clima tenso do início ao fim, Batismo de Sangue, baseado no livro de Frei Betto (confira entrevista aqui), mostra a luta do grupo de frades dominicanos que passaram a apoiar a luta armada contra a ditadura. Frei Tito, um dos integrantes, jamais se recuperou dos traumas das torturas sofridas e cometeu suicídio em 1974. Com abordagem distinta, O ano em que meus pais saíram de férias volta à Copa de 70 pelos olhos de um garoto de 12 anos. Ao ser deixado aos cuidados do avô, já que seus pais, jovens militantes, “saíram de férias”, o menino tenta entender a situação do mundo em que vive. Dirigido por Cao Hamburger.

Também há documentários interessantes sobre o tema: AI-5 – O dia que não existiu (dirigido por Paulo Markun, em 2000) mostra o episódio da sessão na Câmara Federal que recebeu diversos discursos oposicionistas e foi usado como pretexto para o decreto que eliminou direitos básicos e estabeleceu os poderes ditatoriais do governo. Com Vlado – trinta anos depois, o diretor João Batista de Andrade relembra o caso do amigo jornalista Vladimir Herzog, que se apresentou para prestar um depoimento ao DOI-CODI (a polícia da ditadura), mas acabou torturado e morto. Nas entrevistas de pessoas próximas a Vlado – entre eles, Alberto Dines, Dom Paulo Evaristo Arns e Rose Nogueira (confira entrevista aqui) –, fica evidente a farsa montada pelos militares, forjando uma cena de suicídio para o jornalista.

Grandes Cineastas
Importantes nomes do cinema mundial também já realizaram produções cujo pano de fundo é a ditadura na América Latina. Talvez o maior representante desse grupo seja o diretor grego Costa Gavras, cuja cinebiografia conta com muitos filmes políticos. Destaque para Missing – desaparecido, um grande mistério (de 1982): após ouvir uma conversa entre militares chilenos e um agente da CIA, um jornalista norte-americano “desaparece”. Seu pai viaja até o Chile para investigar o caso e acaba descobrindo relações entre o governo estadunidense e o golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, que derrubou o presidente Allende.

Costa Gavras também questiona o papel da Casa Branca nos golpes militares da América Latina com o filme célebre Estado de sítio (de 1973). O diretor mostra que países como o Brasil receberam ajuda para se especializar nas práticas de tortura com vistas à obtenção de informações e à repressão de atividades políticas. Mas o diretor grego não é o único cineasta não-latino que se interessa pelo assunto: Oliver Stone – que já realizou os filmes anti-guerra do Vietnã Platoon (de 1986) e"Nascido em 4 de julho (de 1989) – mostrou a violência da repressão policial de El Salvador no longa-metragem Salvador – o martírio de um povo (de 1986). Direitos humanos ignorados, assassinatos e invasões de cidades são registrados pelas câmeras de um jornalista norte-americano em busca de prestígio na profissão.
Latino-Americanos
Sobre a ditadura no Chile, Machuca (produzido pelo diretor Andrés Wood em 2004) mostra a história de um colégio particular que resolve adotar uma política social semelhante à do presidente Allende e distribui bolsas escolares a crianças carentes, o que causa revolta entre os pais mais conservadores. Pedro Machuca, que mora em um barraco, e Gonzalo Infante, pertencente à classe média, são garotos de 11 anos que passam a descobrir juntos as diferenças sociais do país em que vivem, na véspera do golpe de Pinochet. Chove sob Santiago trata justamente do golpe e foi produzido em 1975, apenas dois anos após o acontecimento. Dirigido por Helvio Soto, o título refere-se ao nome da operação criada para derrubar o presidente Allende.

O cinema argentino também tem produções clássicas sobre o assunto: A História Oficial (de Luis Puenzo, em 1985), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é referência obrigatória sobre o tema. Mostra, numa intrincada trama conjugal, como uma alienada professora da classe média começa a descobrir a dramática situação política e social em que se encontra seu país. Já Kamchatka (dirigido por Marcelo Piñeyro em 2002), também indicado ao Oscar, tem história semelhante ao filme brasileiro O ano em que meus pais Saíram de férias, por trazer a visão de uma criança sobre a ditadura nos anos 1970. Neste caso, porém, numa "viagem de férias" de toda a família, que busca escapar de uma delação.

Há muito mais, claro. Esta é só uma pequena lista de filmes que abordam a ditadura na América Latina. Anotou? Então reserve alguns fins de semana e vá para a locadora estudar história!


*Texto publicado para o Vox - o boletim informativo do Cursinho da Poli

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