Conheça alguns dos melhores filmes que abordam um sombrio passado latinoamericano
Fatos e situações de extrema importância política e social, que jamais deveriam ser esquecidos, acabam sendo ignorados pelo grande público, principalmente pelos mais jovens. Um exemplo desse equívoco é a falta de conhecimento de muitos brasileiros sobre o período obscuro pelo qual passaram os países latino-americanos nas décadas de 1960, 70 e 80, dominados por ditaduras militares.
Diversos fatores são apontados como causa desse desconhecimento de nossa própria história: a supervalorização cultural dos países desenvolvidos e o decorrente preconceito em relação à produção artística nacional são alguns deles. A maior parte das salas de cinema ainda hoje é inundadas por filmes hollywoodianos, enquanto os longa-metragens domésticos passam quase despercebidos, e muito da produção de outros países da América Latina nem sequer chega por aqui.
Como a cultura e a informação são dois pilares do Cursinho da Poli, esta reportagem procurou listar alguns dos principais filmes brasileiros e de outros países latino-americanos que abordam a repressão sofrida durante a época da ditadura no continente. É óbvio que produções cinematográficas às vezes tocam superficialmente assuntos extremamente complexos, como é o caso dos regimes militares ditatoriais. Ainda assim, são um ótimo ponto de partida.
Nacionais
Lançado em 1983, quando se dava a abertura política no país, Pra frente, Brasil (de Roberto Farias) mostra um caso de “desaparecimento” de um trabalhador comum, confundido pelos militares com um ativista político. Enquanto a nação está hipnotizada com a Copa de 1970 e com o “milagre econômico”, opositores do sistema e cidadãos que nem sequer se envolviam com movimentos organizados eram torturados nos porões federais. Já O que é isso, companheiro? faz parte da retomada do cinema nacional - que ficou por décadas sem grandes produções. O filme é de 1997 e focaliza o período em que o AI-5 (Ato Institucional n° 5, de dezembro de 1968) acabou de vez com os direitos civis, e um grupo de ativistas ligados ao MR-8 seqüestra o embaixador dos Estados Unidos para negociar a libertação de presos políticos. Baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira (de 1981), o filme foi dirigido por Bruno Barreto e recebeu indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
A luta armada e a descoberta de que esse talvez não fosse um caminho eficaz para a derrubada da ditadura é o tema de Cabra Cega, dirigido por Toni Venturi. No enredo, que se passa em 1971, dois militantes se escondem na casa de um amigo após um deles ser ferido, e as questões práticas e filosóficas dessa luta vão sendo abordadas em suas contradições. Em Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende, conta-se a história da famosa estilista que se põe em luta contra o regime militar após seu filho ser torturado e morto pelos militares. Enfrentando os mais altos escalões da ditadura, Zuzu teria dito que não estranharia se morresse em um “acidente” de carro. Em 1976, de fato o tal “acidente” acontece. O corpo de seu filho nunca foi encontrado.
Dirigido por Helvécio Ratton e com clima tenso do início ao fim, Batismo de Sangue, baseado no livro de Frei Betto (confira entrevista aqui), mostra a luta do grupo de frades dominicanos que passaram a apoiar a luta armada contra a ditadura. Frei Tito, um dos integrantes, jamais se recuperou dos traumas das torturas sofridas e cometeu suicídio em 1974. Com abordagem distinta, O ano em que meus pais saíram de férias volta à Copa de 70 pelos olhos de um garoto de 12 anos. Ao ser deixado aos cuidados do avô, já que seus pais, jovens militantes, “saíram de férias”, o menino tenta entender a situação do mundo em que vive. Dirigido por Cao Hamburger.
Também há documentários interessantes sobre o tema: AI-5 – O dia que não existiu (dirigido por Paulo Markun, em 2000) mostra o episódio da sessão na Câmara Federal que recebeu diversos discursos oposicionistas e foi usado como pretexto para o decreto que eliminou direitos básicos e estabeleceu os poderes ditatoriais do governo. Com Vlado – trinta anos depois, o diretor João Batista de Andrade relembra o caso do amigo jornalista Vladimir Herzog, que se apresentou para prestar um depoimento ao DOI-CODI (a polícia da ditadura), mas acabou torturado e morto. Nas entrevistas de pessoas próximas a Vlado – entre eles, Alberto Dines, Dom Paulo Evaristo Arns e Rose Nogueira (confira entrevista aqui) –, fica evidente a farsa montada pelos militares, forjando uma cena de suicídio para o jornalista.
Grandes Cineastas
Importantes nomes do cinema mundial também já realizaram produções cujo pano de fundo é a ditadura na América Latina. Talvez o maior representante desse grupo seja o diretor grego Costa Gavras, cuja cinebiografia conta com muitos filmes políticos. Destaque para Missing – desaparecido, um grande mistério (de 1982): após ouvir uma conversa entre militares chilenos e um agente da CIA, um jornalista norte-americano “desaparece”. Seu pai viaja até o Chile para investigar o caso e acaba descobrindo relações entre o governo estadunidense e o golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, que derrubou o presidente Allende.
Costa Gavras também questiona o papel da Casa Branca nos golpes militares da América Latina com o filme célebre Estado de sítio (de 1973). O diretor mostra que países como o Brasil receberam ajuda para se especializar nas práticas de tortura com vistas à obtenção de informações e à repressão de atividades políticas. Mas o diretor grego não é o único cineasta não-latino que se interessa pelo assunto: Oliver Stone – que já realizou os filmes anti-guerra do Vietnã Platoon (de 1986) e"Nascido em 4 de julho (de 1989) – mostrou a violência da repressão policial de El Salvador no longa-metragem Salvador – o martírio de um povo (de 1986). Direitos humanos ignorados, assassinatos e invasões de cidades são registrados pelas câmeras de um jornalista norte-americano em busca de prestígio na profissão.
Latino-Americanos
Sobre a ditadura no Chile, Machuca (produzido pelo diretor Andrés Wood em 2004) mostra a história de um colégio particular que resolve adotar uma política social semelhante à do presidente Allende e distribui bolsas escolares a crianças carentes, o que causa revolta entre os pais mais conservadores. Pedro Machuca, que mora em um barraco, e Gonzalo Infante, pertencente à classe média, são garotos de 11 anos que passam a descobrir juntos as diferenças sociais do país em que vivem, na véspera do golpe de Pinochet. Chove sob Santiago trata justamente do golpe e foi produzido em 1975, apenas dois anos após o acontecimento. Dirigido por Helvio Soto, o título refere-se ao nome da operação criada para derrubar o presidente Allende.
O cinema argentino também tem produções clássicas sobre o assunto: A História Oficial (de Luis Puenzo, em 1985), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, é referência obrigatória sobre o tema. Mostra, numa intrincada trama conjugal, como uma alienada professora da classe média começa a descobrir a dramática situação política e social em que se encontra seu país. Já Kamchatka (dirigido por Marcelo Piñeyro em 2002), também indicado ao Oscar, tem história semelhante ao filme brasileiro O ano em que meus pais Saíram de férias, por trazer a visão de uma criança sobre a ditadura nos anos 1970. Neste caso, porém, numa "viagem de férias" de toda a família, que busca escapar de uma delação.
Há muito mais, claro. Esta é só uma pequena lista de filmes que abordam a ditadura na América Latina. Anotou? Então reserve alguns fins de semana e vá para a locadora estudar história!
*Texto publicado para o Vox - o boletim informativo do Cursinho da Poli
*Texto publicado para o Vox - o boletim informativo do Cursinho da Poli
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