quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ESTAMIRA - CRÍTICA

ESTAMIRA: A LOUCURA DA REALIDADE


O que é loucura? O que é realidade? Muitos falam que a linha divisória entre a Loucura e a Genialidade é extremamente tênue. Já outros, garantem que todo gênio é louco e todo louco é gênio. Aparentemente, este é o tema de Estamira, documentário produzido pelo fotógrafo Marcos Prado, em 2004. Vencedor de diversos festivais (Mostra de São Paulo, Rio de Janeiro, Londres e Viena, só para citar alguns), o filme acompanha por dois anos a rotina de Estamira, uma senhora esquizofrênica, de 63 anos, que vive em um aterro sanitário. Mas, com um olhar mais atento, podemos encontrar diversas questões levantadas, pensamentos revistos e preconceitos destruídos.

O início do filme mostra o caminho percorrido por Estamira até chegar ao lixão de Campo Grande, no Rio, porém não passa de uma metáfora para ilustrar qual caminho ela tomou até adquirir seus distúrbios mentais. Aliás, o filme é repleto de mensagens visuais metafóricas, que, se à primeira vista dizem uma coisa, mudam de contexto após conhecermos a história da personagem. Entrecortado por cenas em preto e branco, depoimentos dos familiares e narração da própria protagonista, somos bombardeados com informações para que possamos entender a vida e o passado da personagem.

Mas o que torna esta mulher tão diferente das outras pessoas é sua forma de ver o mundo. Em meio às suas alucinações, como achar que está sendo vigiada 24 horas por dia ou que tem o poder de controlar o tempo, ela discute política internacional, o sistema nacional de ensino (“vocês não aprendem na escola, vocês copiam”), filosofias (“as pessoas são escravos disfarçados de libertos”) questões sociais (em meio ao lixão, ela faz referência ao comunismo, dizendo que as pessoas deveriam ser iguais). Porém, sua principal crítica está relacionada à religião. Sua descrença, ou melhor, sua decepção com Deus é capaz de deixá-la trêmula de tanta raiva.

A edição inteligente do filme nos apresenta a personagem no início, com sua loucura e inteligência, mostra seu passado torturador, que a levou a tal estado mental (infância pobre, violência do marido, estupro na vila onde morava etc.) no meio do filme, e nos faz tirar nossas próprias conclusões, no fim. A cena final, aliás, tem uma metáfora grandiosa: mostra Estamira de frente a um mar agitado e violento, assim como é sua personalidade, sua mente. As delicadezas das imagens surpreendem.

Em meio ao lixão (onde foi encontrado até um corpo), aos restos da sociedade, dividindo espaços com urubus e ratos, a mulher diz: “Eu sou a Estamira. Ninguém pode viver sem mim, sem a Estamira”. Se no começo, pensamos que a proposta é O que é loucura?, descobrimos que a pergunta correta é O que é Estamira?. Troque “Estamira”, por “Consciência” e talvez nos aproximemos da resposta.

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