quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DOM CASMURRO - CRÍTICA


Ó, dúvida cruel

Poucos são os escritores que conseguem realmente transformar um personagem de uma obra literária em tema de discussão por vários e vários anos. Mais precisamente, para a posteridade. Com o romance Dom Casmurro, Machado de Assis criou uma das questões mais misteriosas da literatura: enfim, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Não se sabe. E nunca se saberá, já que a história é contada através dos olhos de um marido excessivamente ciumento. Bentinho, ao escrever o livro sobre suas memórias, deixou claro a malícia e habilidade com que sua esposa Capitu saía das situações embaraçosas, quando os dois ainda estavam namorando escondidos. José Dias, homem que morava de favor na casa de Bentinho, costumava referir-se sobre o jeito dissimulado de sua futura mulher. Mas Capitu sempre se mostrou carinhosa com seu marido! Então que olhar foi aquele que Capitu lançou para o corpo do finado Escobar? Havia alguma coisa entre eles? Não há como saber, apenas teorizar.

Machado de Assis não deixou pontas soltas em sua misteriosa história. Mas deixou muitas dúvidas e incertezas. Todas as situações e personagens são apresentados de forma dúbia, para que, quando o leitor fechasse o livro, se perguntasse “E agora? Como vou saber?”. Até mesmo a, talvez, maior prova do adultério de Capitu, a  extrema semelhança de Ezequiel, o filho de Bentinho, com seu amigo Escobar, possui uma dubiedade que não permite a confirmação de sua autenticidade. Em dado momento da história, o personagem Gurgel chama atenção de Bentinho para a incrível semelhança física entre a mãe de Sancha, e Capitu, apesar de as duas não terem qualquer laço parentesco.

São vários os exemplos em que Assis, propositadamente, coloca essa dúvida na cabeça do leitor. Sempre há uma sugestão, nunca a confirmação. Desta forma, o leitor não sabe se acredita ou não nas palavras do narrador confidente. É impressionante como Machado de Assis tornou uma história tão simples em algo inovador, mas também pertubardor e angustiante. Bentinho, um homem que envelheceu amargurado, decide contar a história de sua vida escrevendo um livro. Nele, conhecemos sua infância alegre, a paixão adolescente com a amiga Capitu, sua ida ao seminário e sua formação como advogado em São Paulo, até o momento em que se casa com seu amor. Quando seu filho nasce, uma dúvida passa a incomodá-lo. Como pode o rebento parecer tanto com seu melhor amigo? Por ciúmes, acaba mandando sua esposa e filho para a Europa, que morrem por lá.

Jamais vai descobrir a verdade. Nem nós, porque a narração é completamente parcial e pessoal. Esta metalinguagem, aliás, é muito explorada pelo autor, que, a todo momento, conversa com o leitor. Mas é preciso lembrar que o “eu” do livro não pertence a Machado de Assis, mas sim a Bentinho, escritor do livro Dom Casmurro! E a interação autor-leitor causa momentos hilários, como quando, após uma discussão com Capitu, o Bentinho desabafa com o leitor:

 Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já o não obrigou a isso antes”. (cap. XLV, “Abane a cabeça, leitor”)

Mas, um livro de memórias “escrito” pelo próprio personagem é uma via de mão dupla, já que não apenas os bons pensamentos ficariam expostos: seus defeitos, sua hipocrisia também seria revelada e Machado explorou muito bem essa vertente. Durante todo o livro, Bentinho comete uma série de ações e expõe opiniões que podem fazer o leitor se surpreender, tamanha é a espontaneidade do personagem. Afinal, quantos heróis literários ofereceriam veneno ao próprio filho? Pois o personagem de Machado de Assis só desistiu da ideia no último segundo. Porém, as atitudes negativas de Bentinho com seu filho não param por aí. Anos mais tarde, quando Ezequiel retorna da Europa para visitá-lo, Bentinho diz a si mesmo que gostaria que o garoto tivesse pego lepra. E quando recebe a notícia do falecimento do jovem, Bentinho não demonstra qualquer tristeza ou desconforto. Pelo contrário:

Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo. (...) Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro. (cap CXLVI, “Não houve lepra”)  

7 comentários:

  1. Acho fantástica esse obra de Machado, uma enxurrada de mistério. Em quem acreditar? No ciúme doentio de Bentinho e seu equívoco, ou na traição de Capitu, eis a questão!

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  2. é impressionande a capacidade de machado ao escrever um livro que nunca ira envelhecer ..

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  3. O melhor escritor do mundo!

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  4. É monstruosa a habilidade que Assis tem ao escrever. Dom Casmurro é simplesmente sensacional, deixando nós, leitores, angustiados pelo final!

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  5. Como o desenvolvimento tecnológico dos tempos atuais (exame de DNA) poderia ter acabado com um dos melhores dramas da literatura brasileira. Ou, pelo menos, dado a certeza da traição ou o benefício da dúvida.

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